Onda de calor matou 2.300 pessoas na Europa
Novo estudo do Imperial College de Londres analisou as consequências das temperaturas extremas no final de junho. Cerca de 88% das vítimas mortais têm mais de 65 anos. Só em Lisboa morreram 92.
Em 12 cidades europeias o calor do final de junho deixou um rasto de vítimas mortais. Os investigadores do Imperial College de Londres analisaram as mortes relacionadas com o calor, entre 23 de junho e 2 de julho. Segundo os seus cálculos, morreram 2.300 pessoas devido à onda de calor que bateu recordes na Europa. A cidade que registou mais vítimas foi Milão, com 499, seguida de Barcelona, com 340.
Segundo reforça o estudo, divulgado este mês, as ondas de calor "são extremamente mortais e as mortes oficiais continuam a ser subestimadas." Esta tentativa de recolha do impacto da primeira onda de calor de 2025 é uma análise mais detalhada. Para o estudo, escolheram as cidades: Londres, Paris, Frankfurt, Budapeste, Zagreb, Atenas, Roma, Milão, Sassari, Barcelona, Madrid e Lisboa. "Foram selecionadas estas cidades porque são grandes centros urbanos e estão espalhados geograficamente pela Europa, representando diferentes sub-regiões e também foram cidades onde foram divulgados alertas de ondas de calor pelas autoridades", pode ler-se no comunicado. Como explicam os investigadores, a primeira onda de calor costuma ser a mais mortal, porque as "pessoas ainda não estão aclimatizadas às temperaturas de verão". Aliás, como defendem este calor só costuma registar-se no final de julho ou início de agosto.
As ondas de calor, como a de junho - que em Portugal registou 48ºC -, costumam ser mais comuns em cidades como Atenas ou Budapeste. Mais, têm ocorrido nos últimos cinco verões. Segundo o estudo "Climate change tripled heat-related deaths in early summer European heatwave 2025", houve 2.305 mortes em excesso neste período que são atribuídas ao calor. Mais de 80% das vítimas têm mais de 65 anos.
O médico de saúde pública Bernardo Gomes explica porque é que esta faixa etária é uma das mais atingidas. "Em primeiro lugar, a capacidade de perceção do seu próprio estado e da situação do mesmo, ou seja, a noção que temos do nosso organismo em coisas simples como identificar a sede, que diminui nos mais velhos e também em indivíduos mais novos", começa por explicar. Para em seguida destacar as doenças crónicas das pessoas acima dos 65 anos são um fator de risco. "As pessoas mais velhas têm uma degradação normal da sua capacidade homeostática (manter a temperatura interna estável) e de resposta a impulsos. Portanto, a idade só por si já representa um risco, mas, infelizmente, muitas vezes com a idade vêm as doenças crónicas, por exemplo, as respiratórias, as cardíacas, as endocrinológicas, que também são comprometidas pelo excesso de calor."
O médico destaca que são necessários cuidados extra nestas situações - como beber água, não estar no exterior entre as 11h e as 17h, usar roupa fresca - mas que as casas constituem um problema. "Habitações com maior inércia térmica, ou seja, com maior dificuldade em perder calor durante a noite, são um fator de risco agravado. Basicamente são casas que não conseguem arrefecer durante a noite."
O estudo inglês destaca que os planos de ação dos governos europeus são importantes, sempre que fazem um alerta de onda de calor, mas ainda não conseguem travar as consequências negativas. "As cidades e os centros urbanos são hot-spots para os riscos de calor, portanto o planeamento urbanístico deve apostar na prevenção desta situação", lê-se no relatório.
Os riscos dos mais velhos
O jornalista Jeff Goodell, especialista em alterações climáticas e autor do livro O Calor É que te Vai Matar, defende que estamos longe de atingir as metas pretendidas. "Os níveis globais de CO2 estão mais altos do que nunca e, em muitos países ao redor do mundo (incluindo, é claro, os EUA), os combustíveis fósseis estão a voltar. Portugal tem sido um ponto positivo na transição para energias limpas, mas mesmo aí, a mudança não está a acontecer com a rapidez necessária. Enquanto o mundo continuar a queimar combustíveis fósseis, o calor — e os seus impactos, como inundações ou incêndios florestais — vão continuar a aumentar", defende à SÁBADO.
O estudo aponta que Lisboa está numa situação ligeiramente melhor do que as outras cidades. Aliás, um ponto de análise é a probabilidade destas ondas de calor extremo se repetirem. Enquanto em Barcelona prevê-se que ocorram a cada 20 anos, em Lisboa refere-se a cada 150 anos. "Isto deve-se à influência do Oceano Atlântico", defende o estudo.
Outro dado interessante da investigação, do Imperial College de Londres, é que comprova que as ondas de calor - esta do final de junho colocou Portugal em "stresse climático" - afetam os mais velhos. Aliás, 1.028 dos mortos tinham mais de 85 anos, comparado com a faixa etária dos 20-44 anos onde se contabilizaram 43 vítimas mortais.
Mas porque motivo acontece? Como sublinha Jeff Goodell estas pessoas tendem a ter uma saúde mais precária. E exemplifica: "Em muitos casos têm sistemas cardiovasculares mais fracos e, portanto, são menos capazes de regular a temperatura corporal. Frequentemente, tomam medicamentos que podem interferir na capacidade do corpo de regular a temperatura. Por fim, o isolamento social: muitas vezes, vivem sozinhos e, portanto, têm menos probabilidade de ter alguém para vigiá-los durante períodos de calor extremo", diz à SÁBADO.
O Imperial College revela ainda que nestes cinco dias a temperatura média das cidades europeias foi superior ao normal. Por exemplo, a mais elevada foi em Atenas com 31.3ºC e Milão com 30.32ºC, enquanto Lisboa foi a menos quente das 12, com uma temperatura média de 27.52ºC.
Na conclusão do estudo os investigadores sublinham que o calor tem um impacto que não se fica pela mortalidade. "Houve um aumento nos casos de hospitalização de pessoas com asma e com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica."
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