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Ricardo Borges de Castro
Ricardo Borges de Castro Analista e Consultor
10 de outubro de 2025 às 07:00

O quebra-cabeças russo

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Edição de 7 a 13 de outubro

É excelente poder dizer que a UE já aprovou 18 pacotes de sanções e vai a caminho do 19º. Mas não teria sido melhor aprovar, por exemplo, só cinco pacotes muito mais robustos, mais pesados e mais rapidamente do que andar a sancionar às pinguinhas?

Visto de Bruxelas, a União Europeia continua sem uma política coerente para lidar com a Rússia. Aliás, a estratégia atual parece assentar em não ter uma estratégia. As recentes declarações polémicas da Senhora Merkel, em que sugere que talvez se pudesse ter evitado a atual agressão russa à Ucrânia, caso, em 2021, a Polónia e os países bálticos não tivessem rejeitado a sua proposta (conjunta com Macron) para um diálogo direto com Moscovo, para além de infelizes, voltam a expor o pecado original: os europeus não se entendem sobre a Rússia. Com ou sem Putin, com ou sem democracia, e excetuando a desintegração da Federação Russa, a geografia dificilmente mudará e a UE terá de lidar com o gigante a leste no futuro. 

Primeiro a Ucrânia… 

O futuro das relações da UE com a Rússia passa pela Ucrânia. Apesar de quase quatro anos de guerra e de todo o apoio que europeus e americanos têm dado a Kyiv é ainda difícil antever para quando o fim do conflito e com que resultados. A ideia de apoiar a Ucrânia durante o tempo que for necessário é um compromisso importante e certo, mas não devia demorar tanto. Ou seja, os europeus não querem que a Ucrânia seja derrotada nesta guerra, mas a morosidade com que o apoio bélico tem sido concedido e as limitações no seu uso no teatro de operações parecem esconder o receio de uma vitória decisiva das tropas de Zelenskyy.  

É excelente poder dizer que a UE já aprovou 18 pacotes de sanções e vai a caminho do 19º. Mas não teria sido melhor aprovar, por exemplo, só cinco pacotes muito mais robustos, mais pesados e mais rapidamente do que andar a sancionar às pinguinhas? Entende-se que há o aspeto de ir pondo pressão gradual sobre Moscovo. Mas se há algo que já devia ter ficado claro há muito tempo é que essa abordagem não parece demover o Kremlin que, aliás, parece jogar com o fator tempo a seu favor, não só pela dimensão do país e da sua população, mas também pela total indiferença de Putin em continuar a enviar milhares de russos para combater e morrer na sua operação especial.   

Ora, o resultado desta guerra interessa primeiro aos Ucranianos, mas logo a seguir é aos europeus e à nossa segurança que diz respeito. E a pergunta não pode ser mais clara: querem os europeus contruir a sua estratégia futura face à Rússia com base numa derrota da Ucrânia (e da Europa e dos EUA) nesta guerra de agressão, ou alicerçada num desfecho que garanta a independência, a autodeterminação e a soberania da Ucrânia para decidir o futuro em liberdade? A resposta não deveria dar lugar a hesitações. Mas ainda dá…  

…Depois a energia 

Do ponto de vista das relações económicas e, principalmente, da energia o caminho parece ser mais claro e determinado em cortar com a dependência que nos trouxe alguma da frouxidão na resposta à agressão russa. Neste contexto, é bom lembrar os gasodutos Nord Stream com a Rússia de que Angela Merkel tanto gostava e que dizia serem puramente de natureza comercial quando os polacos e os bálticos lhe diziam que não eram. 

Desde que a guerra começou, de acordo com o sítio beyondfossilfuels.org, os países europeus no seu conjunto pagaram a Moscovo perto de 215 mil milhões de euros em combustíveis fosseis – petróleo, gás natural e carvão. É verdade que o consumo europeu de energia russa tem vindo a diminuir consideravelmente, mas, ainda assim, é um número impressionante. Por exemplo, no mesmo período, a UE e os 27, apoiaram a Ucrânia com cerca de 178 mil milhões de euros em ajuda económica, financeira, militar e humanitária. Como dizia o Eng.º Guterres há umas décadas: “Bem, é fazer as contas…” As contas dizem-nos que nesta comparação, a Rússia ainda está a ganhar quase mais 40 mil milhões de euros do que a Ucrânia.  

O 19.º pacote de sanções que já referi pretende por fim à compra de gás natural liquefeito russo um ano antes do inicialmente previsto, ou seja, até 1 de janeiro de 2027. Apesar de o pacote necessitar de unanimidade para ser aprovado e a Hungria e a Eslováquia continuarem recalcitrantes, a pressão acrescida do presidente norte-americano para que os europeus endureçam o seu regime de sanções energéticas (que interessa aos americanos para venderem mais da sua energia), juntamente com a recente espiral de ataques híbridos russos à Europa, deveria servir de incentivo adicional para a UE não arrastar os pés.  

Então e o resto? 

Se em relação à Ucrânia e à dependência energética parece haver convergência de pontos de vista na UE, não obstante todas as dificuldades a que aludi, o problema é o resto. E o resto é muito. Ou seja: primeiro, como lidar com a guerra híbrida que a Rússia parece ter intensificado contra a Europa nas últimas semanas? Segundo, que estratégia comum de longo-prazo vão os europeus desenvolver face a Moscovo, especialmente depois de a guerra terminar?  

A resposta à primeira questão apesar de difícil é mais concreta e Bruxelas já está a dar (e tem dado no passado) algumas respostas. No entanto, o desacordo aqui também é relevante como se viu recentemente a propósito da tal ‘parede de drones’ para intercetar ataques russos em que os que estão mais próximos da ameaça querem e os que estão mais longe querem discutir ainda a repartição de custos e os objetivos da iniciativa. 

A resposta à segunda pergunta é bem mais difícil porque junta diferentes perceções de ameaça com o passado e a história de relacionamento de cada país europeu com a Rússia, com laços e interesses económicos que podem ressurgir e com a forma como as relações futuras com a Rússia são olhadas diferentemente em cada capital europeia ou em distintos agrupamentos de países. 

Uma nova era de ‘contenção’ 

A última estratégia da UE para as relações com a Rússia, de 2021, em que as coisas já não iam bem, propunha: “Empurrar” (pushback), “constranger” (constrain) e “dialogar” (engage). Era, pois, uma mistura de incentivos e penalizações para evitar, sem sucesso, uma degradação das relações.  

No longo-prazo, mas desde já, os 27 deviam ter claro que é preciso derrotar o Kremlin na Ucrânia e depois desenvolver, juntamente com a NATO, uma estratégia robusta de contenção da Rússia que não se perca em declinações para agradar a todos. Vai ser um quebra-cabeças. 

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