O relatório elaborado por uma comissão dedicada exclusivamente ao tema condena a Igreja por ser branda nos castigos atribuídos aos padres que violaram crianças.
O Conselho de Proteção de Menores do Vaticano afirmou na quinta-feira que a Igreja Católica tem a obrigação moral de ajudar as vítimas de abusos sexuais por parte do clero a sarar, tendo identificado como soluções essenciais a reparação financeira e a aplicação de sanções aos abusadores e seus facilitadores.
Relatório do Vaticano aborda reparações para vítimas de abuso sexualAP Photo/Andrew Medichini
A Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores debruçou-se sobre a questão das reparações no seu segundo relatório anual. Este é um tema sensível para a Igreja, dadas as implicações financeiras, de reputação e legais que impõe à hierarquia.
O relatório é uma publicação oficial do Vaticano preparada com o contributo de 40 sobreviventes de abusos de todo o mundo e que dá voz às suas queixas sobre a forma como a Igreja tratou mal os seus casos e as suas exigências sobre o que precisavam para sarar. Contém a revelação chocante de que o departamento do Vaticano responsável por um terço das dioceses católicas do mundo apenas recebeu um "pequeno número de casos" e duas denúncias de bispos que encobriram crimes sexuais contra crianças.
Papa Leão dá sinais de empenho na comissão
O relatório refere-se a 2024, um período anterior à eleição do Papa Leão XIV. O primeiro papa americano da história reconheceu que o escândalo dos abusos, que afetou gravemente a credibilidade da hierarquia Católica nos EUA, partes da Europa e América Latina, continua a ser uma "crise" para a Igreja.
O líder da Igreja Católica sinalizou um compromisso com a comissão, que foi criada pelo papa Francisco em 2014 para aconselhar a Igreja sobre as melhores práticas para prevenir o abuso. A comissão considerou que as indemnizações pecuniárias são necessárias para proporcionar às vítimas a terapia e outra assistência necessárias para as ajudar a recuperar do trauma dos abusos sofridos.
Mas diz ainda que a Igreja tem uma dívida muito maior para com as vítimas, a comunidade eclesial mais alargada e Deus. A hierarquia deve ouvir as vítimas e prestar-lhes ajuda espiritual e pastoral. Os líderes da Igreja devem pedir desculpa pelos danos causados, dizer às vítimas o que estão a fazer para punir aqueles que as prejudicaram e que medidas estão a tomar para evitar futuros abusos, diz o relatório.
"A Igreja tem a obrigação moral e espiritual de curar as feridas profundas infligidas pela violência sexual perpetrada, permitida, maltratada ou encoberta por qualquer pessoa que ocupe uma posição de autoridade na Igreja", pode ler-se.
O relatório foi preparado com as vítimas num grupo selecionado que foi construído para ouvir as prioridades para a sua cura. Identificaram a necessidade de responsabilização dos líderes da Igreja, informações sobre os seus casos, uma verdadeira reforma das estruturas da Igreja para punir adequadamente os abusadores e seus facilitadores, e estratégias de prevenção eficazes.
"A comissão está empenhada em dizer às vítimas e aos sobreviventes: 'Queremos estar ao vosso lado'", afirmou o novo presidente da comissão o bispo francês Thibault Verny, durante uma conferência de imprensa no Vaticano.
Um processo judicial que é, por si só, retraumatizante
O relatório de 2024 afirmava que a forma como a Igreja trata internamente os casos de abuso e o seu "o padrão de décadas de tratar mal as denúncias, incluindo abandonar, ignorar, envergonhar, culpar e estigmatizar" as vítimas perpetua o trauma.
Esta é uma referência à forma disfuncional como a Igreja lida com os casos de abuso, de acordo com o seu código canónico interno, em que pode levar anos a processar um caso e o castigo mais severo aplicado a um padre violador em série é o despedimento.
O processo está envolto em secretismo, de tal forma que as vítimas não têm direito a qualquer informação sobre o seu caso, além de saberem o resultado. As vítimas não têm qualquer recurso real com exceção de de tornarem pública a sua história, o que pode ser retraumatizante.
O relatório apelava a sanções que fossem "tangíveis e proporcionais à gravidade do crime". Embora a laicização seja um resultado possível para os padres que violam crianças, a Igreja é muitas vezes relutante em afastar completamente os padres. Frequentemente, aplica sanções mais leves, como um período de retiro do ministério ativo, mesmo em casos graves de abuso.
Mesmo quando um bispo é destituído por ter cometido erros, o público só é informado de que ele se reformou. O relatório apelava a que a Igreja "comunicasse claramente as razões da demissão ou destituição".
Uma auditoria aos países e à sede do Vaticano
O relatório apresenta uma auditoria das políticas e práticas de proteção das crianças em mais de uma dúzia de países, bem como em duas ordens religiosas, um movimento laico e o gabinete do Vaticano responsável pela Igreja no mundo em desenvolvimento.
A comissão atribuiu notas elevadas às lideranças eclesiásticas de Malta, Coreia do Sul e Eslováquia, onde a maioria, senão todas as dioceses, responderam ao questionário da comissão sobre políticas e práticas de prevenção.
Mas mesmo em Itália, vizinha do Vaticano, apenas 81 das 226 dioceses responderam ao questionário. Em lugares como o Mali, os desafios parecem ainda maiores até para divulgar a informação de que existem políticas de prevenção: o site da conferência episcopal "não parece estar a funcionar e acessível".
O relatório concluiu que o Dicastério da Evangelização missionária, que é responsável por 1.124 dioceses na Ásia, África, Oceânia e partes da América Latina - ou seja, um terço das dioceses da Igreja - , apenas recebeu "um pequeno número de casos" e só dois bispos foram reportados por terem ocultado abusos.
Estes são números estranhamente baixos dada a dimensão do território envolvido. O que sugere que o Vaticano tem ainda um longo caminho a percorrer em partes do mundo onde os abusos, especialmente entre o mesmo sexo, continua a ser um tema tabu na sociedade e onde a Igreja está a confrontar-se com realidades mais abrangentes como a guerra, conflito e pobreza.
O membro da comissão Benyam Dawit Mezmur, um jurista etíope, disse que fica constrangido quando ouve a Igreja afirmar que não há casos de abuso, quando o verdadeiro problema é que os casos não estão a ser denunciados. A falta de recursos nestas igrejas pobres e os impedimentos sociais e culturais são os principais culpados. “Sei que existem casos”, afirmou. “Mas precisamos analisar mais profundamente e perceber por que não estão a ser denunciados. As estruturas estão em vigor? Existem questões relacionadas com represálias? Existem questões que precisamos abordar sobre as relações de poder?”
Mezmur defendeu que a chave para incentivar uma cultura de denúncia é capacitar os menores e suas famílias a denunciar abusos e educá-los sobre proteção infantil e prevenção.
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