Sábado – Pense por si

Dormir bem com onda de calor? Médico ensina as técnicas mais eficazes

Colocar à frente da ventoinha uma garrafa de água gelada para espalhar ar fresco, ou escrever cinco problemas numa folha A4 para arrumá-los nas horas de sono são estratégias que ajudam. Além da alimentação leve e do telemóvel desligado. O pneumologista Joaquim Moita esclarece.

Se é certo que os portugueses dormem pouco e mal – deitam-se tarde e levantam-se cedo –, pior quando os quartos parecem fornos. Nas últimas semanas, pelas ondas de calor extremo, a propensão para insónias e sonos fragmentados aumenta. Mas há boas notícias: não é assim tão difícil conseguir dormir bem. Há estratégias simples para regular a temperatura interna do corpo e a de casa, de modo a ter oito horas de descanso reparador e acordar com vitalidade, seja para ir para a praia (se estiver de férias) ou para trabalhar sem bocejos e irritabilidade.  

O presidente da assembleia-geral da Associação Portuguesa de Sono, Joaquim Moita, indica as medidas para a qualidade do sono em noites de Verão
O presidente da assembleia-geral da Associação Portuguesa de Sono, Joaquim Moita, indica as medidas para a qualidade do sono em noites de Verão Sérgio Azenha/SÁBADO

O pneumologista Joaquim Moita, também presidente da assembleia-geral da Associação Portuguesa de Sono (APS), enumera, a pedido da SÁBADO, as medidas mais eficazes para adormecer neste Verão – um dos mais quentes de sempre. Tem por base os estudos científicos e a experiência clínica acumulada de 34 anos a trabalhar na área do sono. 

O sono eficaz decorre em contínuo, sem interrupções, passando por todos os ciclos (de 90 a 120 minutos) de forma repetitiva até atingir o nível REM (quando surgem os sonhos). O processo permite "a restauração física, mental e emocional", diz o médico. Em contraponto, há as insónias crónicas – quando a dificuldade em adormecer supera os 30 minutos, surge mais de três vezes por semana e durante mais de três meses.

Vários estudos são inequívocos nesta matéria, acrescenta o médico especialista: "Mais de metade dos portugueses dorme mal. A ansiedade será a causa mais frequente para a insónia." Solucionar o problema passa por criar condições em casa e, sobretudo, no quarto com temperatura amena.   

Jantar leve 

Esqueça as carnes gordas, os fritos e pratos pesados ao jantar. Se conseguir fazer esta dieta, pelo menos alguns dias por semana, verá resultados na balança e na qualidade do sono. O álcool é igualmente dispensável porque fragmenta o sono. "Provoca despertares ou micro despertares. A pessoa não tem memória deles, acorda cansada com sensação de que não dormiu", explica o pneumologista.

Bocejar a partir das 22h

Não é necessariamente mau bocejar pelas 22h/23h, pelo contrário. Ao sentir sonolência neste horário, significa que está a funcionar a chamada hormona do sono, melatonina (produzida pela glândula pineal e responsável pelo ritmo circadiano de sono e vigília). Para regular a hora de adormecer é fundamental manter rotinas de descanso, sempre às mesmas horas, se possível conforme o ditado "deitar cedo e cedo erguer".

Para quem trabalha por turnos a vida complica-se. E são muitos, a avaliar pelos estudos citados por Joaquim Moita: "No mundo ocidental, cerca de 30% do trabalho ocorre por turnos, sendo 10% destes noturnos e devastadores para o sono. Podem provocar doenças cardíacas, diabetes, cancro". Numa análise prospetiva (que ainda decorre) a enfermeiras norte-americanas, que trabalham por turnos noturnos, regista-se que "têm maior probabilidade de cancro mama".

Ainda sobre horários, Joaquim Moita refere que a comunidade científica discorda da mudança de hora no verão, em Portugal ocorrida no final de março, quando os relógios são adiantados uma hora. "A hora de inverno é o padrão. Adiantar a hora tem impacto nas crianças, nos jovens e estudantes, porque prejudica o raciocínio."  Isto em período escolar. Em tempo de férias, o médico recomenda que as crianças não fiquem a brincar na rua até à meia-noite, porque é provável que durmam pior.

Temperatura ambiente até 22.º 

Acima dos 25.º em casa é difícil dormir bem. A temperatura aconselhada pelo médico vai dos 18.º aos 22.º. Se a habitação for húmida (acontece num piso inferior) ou estiver orientada para a sombra, deve ter um desumidificador. Idealmente, nestas alturas são úteis os aparelhos de ar condicionado, mas a realidade nacional demonstra, através de um estudo da Marktest de 2023, que apenas 27% dos portugueses (correspondente a um milhão e 948 mil) têm as casas climatizadas desta forma.

Resta recorrer à fórmula clássica da ventoinha. Mas neste ponto, o pneumologista dá uma dica para que não saia ar quente: "Colocar à frente um balde de gelo ou uma garrafa de litro e meio gelada, para arrefecer o ar [que circula]". A par disto, manter a prática de correr os estores e fechar as janelas durante o dia e abri-las ao final da tarde quando há menos calor.

Baixar a temperatura interna 

Sente-se logo a diferença ao refrescar a cara, as axilas e o pescoço. São as zonas de maior transferência de calor. Mas mais importante, segundo Joaquim Moita, é tomar um duche de água morna uma a duas horas antes de ir para a cama. "Porque a temperatura interna baixa", reforça. 

Lençóis e pijamas sem fibras sintéticas

Na roupa de cama nada se compara às fibras naturais para dormir profundamente. Quer os lençóis, como as fronhas das almofadas e os pijamas devem ser de algodão, linho, ou fibra de bambu. Em noites quentes, os casais podem dormir mais afastados devido ao calor.

Desligar telemóvel e afastar relógio

A luz azul do ecrã do telemóvel "é terrível" para o sono, alerta o especialista, porque inibe a produção de melatonina (a tal hormona do sono, referida acima). Portanto, só se ganha em desligá-lo nestas horas. O relógio também devem ser afastado. "Olhar para ele vai perpetuar a insónia psicofisiológica [resultante de estímulos que influenciam o funcionamento do corpo]", explica Joaquim Moita.

Importante é relaxar, pode ser a contar carneirinhos, a praticar mindfulness ou meditação. Joaquim Moita sugere outra técnica, caso a pessoa esteja ansiosa com pensamentos perturbadores. "Pode pegar numa folha A4, escrever quatro ou cinco problemas na perspetiva de arrumá-los, virar a folha e tentar dormir. No dia seguinte, pensa no assunto", remata.

Artigos Relacionados
Ajuizando

Naufrágio da civilização

"O afundamento deles não começou no Canal; começou quando deixaram as suas casas. Talvez até tenha começado no dia em que se lhes meteu na cabeça a ideia de que tudo seria melhor noutro lugar, quando começaram a querer supermercados e abonos de família".