De Ferrari a camiões: Os papamóveis que têm transportado os sumo pontífices pelo mundo
Marcas automóveis criam modelos exclusivos para transportar o Papa, apostando numa forma de autopromoção sem encargos financeiros.
Quando o papa Francisco aterrar a 2 de agosto no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, para presidir à Jornada Mundial da Juventude (JMJ), terá à sua espera um carro blindado com estruturas à prova de bala.
Essa passou a ser uma obrigatoriedade a que os sumo pontífices tiveram de submeter-se, após o atentado de que João Paulo II foi alvo a 13 de maio de 1981 pelo turco Ali Agca na Praça de São Pedro, no Vaticano.
O "todo o terreno" em que se fará transportar será um Mercedes-Benz G 500 devidamente adaptado a essas funções, a que se junta uma ambulância para situações de emergência.
A matrícula da viatura é a habitual SCV 1 ("Stato della Città del Vaticano"), com o algarismo a representar a posição do papa na hierarquia da Igreja Católica romana.
Diretamente do Vaticano
Nas viagens papais, é regra do Vaticano enviar o "papamóvel" aos locais que irá visitar mas nem sempre tal regra foi cumprida.
Desde João Paulo II que os sucessivos papas usam diferentes modelos, como um pequeno Seat Panda em Espanha ou um autocarro na Cidade do México.
Até mesmo o portuguesíssimo UMM Alter, alterado devidamente para o efeito, transportou João Paulo II na visita que fez à Madeira.
O Papa João Paulo II também foi levado num Ferrari Mondial em Maranello, e num camião Leyland no Reino Unido, além de um camião militar FSC Star quando visitou a Polónia.
Aliás, é notória a personalização cuidada que as principais marcas automóveis fazem nos seus modelos, naquela que é uma maneira de autopromoção sem encargos financeiros.
E nessa filosofia estão a Fiat, Toyota, Citroën e Mercedes-Benz, que avançaram com propostas que vão muito além da missão de apenas transportar o líder da Igreja Católica romana em segurança.
Outras insígnias também se distinguiram, como a Lamborghini, Lincoln, Land Rover, Lancia, Seat, Dacia, Isuzu, Peugeot, Renault, Hyundai, Kia e Cadillac, entre muitas outras mais ou menos conhecidas.
Branco é a cor papal
É um veículo invulgar pintado de branco, com o "proprietário" a ser mundialmente identificado por onde quer que se passeie com ele. Batizado como papamóvel, substituiu a carruagem real, ou a liteira levada por 14 homens musculados, que até ao princípio do século XX transportava o sumo pontífice nas suas deslocações no micro-estado do Vaticano.
Verdade seja dita, no entanto, que aquela designação, assim como a cor alva, só ganhou pleno sentido após o atentado que quase tirou a vida a João Paulo II.
O descapotável Fiat 1107, dito ‘Nuova Campagnola’, em que viajava pelo meio dos fiéis mostrou de forma inequívoca a sua falta de segurança.
Desde então, praticamente todos os carros que se lhe seguiram passaram a ser blindados e com vidros à prova de bala.
Vaticano avesso à modernidade
O tiro de partida dos papamóveis foi dado em 1909 com um Itala 20/30 oferecido a Pio X pelo arcebispo de Nova Iorque mas, com os seus 74 anos de idade, preferiu antes as carruagens puxadas a cavalo.
Em 1922, foi a vez da italiana Bianchi oferecer um carro a Bento XV, mas só sete anos depois, a 22 de dezembro, é que Pio XI foi o primeiro Papa a ser transportado num automóvel fora das fronteiras do Vaticano.
A viagem foi feita num Graham Paige Type 837, oferecido para celebrar a assinatura do Tratado de Latrão que pôs fim a mais de 50 anos de confinamento dos papas no paço episcopal.
O Tratado de Latrão foi uma oportunidade para vários fabricantes automóveis oferecerem ao papado obras de arte esplêndidas decoradas com o brasão papal.
O Citroën Lictoria C6 foi um dos mais espetaculares, com a câmara decorada à século XVIII dominada pelo trono papal, mas o luxo era de tal forma ostensivo que a berlina francesa nunca foi usada.
Em 1930, o Vaticano recebeu um Nürburg 460, o primeiro dos muitos Mercedes-Benz especiais que a marca alemã personalizou para o líder da Igreja Católica romana até à atualidade.
Mas, com a Segunda Guerra Mundial em curso, ficaram de lado nas viagens do dignitário papal, substituídos por um Cadillac Fleetwood com um banco traseiro exclusivo dominado por um rádio e uma pequena mesa.
A exceção foi o Mercedes 230 com que Pio XII acorreu ao bairro de São Lourenço em Roma, onde a 19 de julho de 1943 um bombardeamento americano matou mais de 3.000 pessoas.
Todavia, devido a uma avaria, foi no sóbrio Graham Paige que chegou ao destino, imortalizado numa fotografia quando, de braços abertos, implorou misericórdia aos céus rodeado pelos sobreviventes.
Mercedes-Benz, a marca preferida
O "boom" que marcou a indústria automóvel nos anos 50 e 60 do século passado ganhou uma expressão de luxo e qualidade na garagem do Vaticano, com João XXIII a receber um Mercedes-Benz 300d Pullman Landaulet em 1960.
Já com Paulo VI a liderar os católicos romanos, recebeu um Mercedes-Benz 600 Pullman Landaulet em 1963, e um Lincoln Continental também personalizado no ano seguinte.
Na década seguinte, e como exemplo da proximidade aos fiéis idealizado no Concílio Vaticano II, aquele Papa lançou em 1976 a moda dos "todo o terreno" descapotáveis com um Toyota Land Cruiser.
O "todo o terreno" foi pintado de branco e montou uma plataforma elevada, para ser mais visível no meio da multidão, com as mesmas modificações a serem feitas num Ford Bronco, Star 660 e Mercedes-Benz G 230.
Foi com o quase fatídico Fiat 1107 que se percebeu a insegurança em que os papas viajavam, como se percebeu no atentado contra João Paulo II.
Desde então, todos os modelos personalizados, incluindo aquele ‘Nuova Campagnola’, passaram a ter uma "gaiola" envidraçada à prova de bala, mas que nem por isso evitou mazelas aos papas.
Em 2017, numa visita à Colômbia, uma travagem mais forte desequilibrou Francisco I, levando-o a embater contra o vidro "protector".
Resultado final? Na última missa celebrada no país exibiu o olho esquerdo com uma nódoa negra, a que somou um pequeno penso a tapar uma ferida no sobrolho.
Sempre que pode, o papa atual evita viajar nesses "aquários" blindados em que se transformaram os carros papais que transportaram João Paulo II e Bento XVI, justificando que isso o impede de ligar-se ao seu povo.
Saudades do Renault 4L
Sendo uma forma de obter um enorme impacto publicitário, as principais marcas automóveis não se têm feito rogadas a exibirem os seus modelos mais evoluídos adaptados às necessidades papais.
Essa ideia ganhou novo rumo com a entrada do planeta na electromobilidade, sendo exemplar o "eléctrico" Renault Kangoo Z.E. e o Toyota Mirai alimentado a hidrogénio.
Mesmo assim, é conhecida a humildade de Francisco I no que aos automóveis diz respeito; afinal, era num Renault 4L em que viajava na Argentina… e que nunca o deixou ficar mal.
E foi de sorriso aberto que recebeu em 2013, das mãos do padre Renzo Zocca, o exemplar que aquele conduziu mais de 300 mil quilómetros nas suas viagens paroquianas por Itália.
E foi com ele que conduziu nas suas deslocações em Roma, pelo menos enquanto a sua saúde o permitiu.
Será num Mercedes-Benz G 500 que o papa irá viajar durante a Jornada Mundial da Juventude, de 2 a 6 de Agosto, mas acredita-se que não se importaria de recordar esses tempos da juventude ao volante da 4L.
Fotografia Getty Images, Lusa, Museu do Vaticano, Reuters, Dacia, Mercedes-Benz, Ford, Toyota, Renault
Pesquisa de imagem Ana Sofia Pinto e Pedro Rodrigues Santos
Coordenação Catarina Cruz
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