Corrupção na PT: Ivo Rosa deu peso diferente às testemunhas
Três administradores disseram que Ricardo Salgado tinha influência direta na gestão que Granadeiro e Bava faziam na PT. Juiz desvalorizou porque eram só achismos. Mas não fez o mesmo com outra testemunha que também "achava".
Um das passagens mais curiosas da Decisão de Instrução ocorre à página 4.968. Trata-se do caso da OPA da Sonae à PT. Ivo Rosa recusa a interpretação do Ministério Público de que Henrique Granadeiro e Zeinal Bava foram subornados por Ricardo Salgado para chumbar a operação. Além de considerar (apenas através das leituras das atas do Conselho de Administração) que as decisões foram colegiais, ou seja, que aqueles gestores não decidiram nada sozinhos, Ivo Rosa valorou de forma diferente o que disseram algumas testemunhas.
É o caso de Luís Pacheco de Melo, ex-administrador financeiro da PT: "Questionado se havia também uma proximidade entre o Dr. Ricardo Salgado e Zeinal Bava, o depoente diz que sim, embora ache que é muito mais profissional do que pessoal e, na sua opinião pessoal, acha que o Dr. Ricardo Salgado tinha consideração pela capacidade do Eng. Zeinal Bava enquanto gestor e enquanto comunicador com os mercados internacionais, mas que, para ser sincero, acha que ele não confiava a 100% no Eng. Zeinal Bava.
Ou seja, Salgado nem sequer confiava totalmente em Bava, segundo a opinião desta testemunha.
Por outro lado, Ivo Rosa já não valorou a opinião doutra testemunha, Rafael Mora, ex-administrador da PT. "Na sua convicção, o Dr. Ricardo Salgado era quem efetivamente definia as decisões a tomar no âmbito da PT através de inúmeras reuniões que eram mantidas na sede do BES, onde se deslocavam quer o Zeinal Bava, quer o Henrique Granadeiro."
Diz Ivo Rosa: "Facilmente se constata que se trata de uma manifestação de meras convicções pessoais da testemunha [Rafael Mora] sobre um determinado assunto, sem que tenha indicado qualquer elemento factual, nomeadamente uma data ou um período temporal, quanto ao que afirmou."
Ou seja, Ivo Rosa considerou suficiente o que a testemunha Luís Pacheco de Melo achou, mas considerou insuficiente o que a testemunha Rafael Mora achou porque estava apenas a achar.
São referidos ainda dois depoimentos de dois administradores do BES (Amílcar Morais Pires e Joaquim Goes) que corroboram a tese da influência direta, recorrente e muito presente de Ricardo Salgado na gestão da PT através de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava.
Ivo Rosa considerou que estes testemunhos não são fortemente indiciários da influência de Salgado na gestão que a PT teve no caso da OPA da Sonae.
O que dizia Amílcar Morais Pires?
"(...) que as questões estratégicas para a PT eram aliás discutidas directamente entre Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado, que eram amigos e que discutiam entre si tais grandes questões, de tal forma que o depoente, embora administrador da PT, era informado, a posteriori, pelo Ricardo Salgado, sobre as decisões que haviam tomado. O mesmo veio acontecer também com o Zeinal Bava, quando assumiu o lugar de CEO da PT, mantendo frequentes reuniões de trabalho directamente com o Ricardo Salgado, sem a presença do depoente ou do Dr. Joaquim Goes, que eram os administradores designados pelo BES."
E Joaquim Goes:
"No mesmo sentido referiu a testemunha Joaquim Aníbal Freixal Goes (administrador não executivo da PT entre 2000-2014 indicado pelo BES) a fls. 37150, ao dizer que: no exercício dessas funções refere que as grandes questões estratégicas eram decididas directamente entre accionistas, designadamente entre o Dr. Ricardo Salgado e o Dr. Henrique Granadeiro, e posteriormente eram-lhe comunicadas as decisões tomadas e a posição que deveria assumir. O mesmo acontecia com o relacionamento com o accionista Estado. No quadro da PT/ BES nunca reuniu ou teve outros contactos com membros do Governo, sendo os mesmos mantidos directamente pelo Dr. Ricardo Salgado ou pelo Dr. Henrique Granadeiro, que até era amigo do Sr. Primeiro-ministro José Sócrates. Para o Dr. Ricardo Salgado e para o Grupo GES/BES a PT era muito importante não só por ser um grande cliente de diversas empresas do grupo, designadamente do BESI mas também por razões de influência, atenta a dimensão e posição estratégica que assumia no país."
Ivo Rosa não concorda com a acusação e concorda com a tese de que a PT recusou porque não gostou do preço oferecido pela Sonae, entre outras razões mais estruturais. Ivo Rosa não vê indícios de qualquer influência de Ricardo Salgado sobre os dois gestores para lá da que decorre de liderar o maior acionista da PT. A relação entre os três era apenas "institucional" e "não nos permite inferir, só por si, que tinha subjacente um acordo com vista a satisfazer os interesses patrimoniais do BES e do arguido Ricardo Salgado em troca de uma compensação financeira. "
O juiz não tem ainda dúvidas que "a atuação do arguido Zeinal Bava no âmbito da operação OPA, foi pautada por critérios de racionalidade".
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Boas leituras!