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Apreensões de cocaína a crescer: "Portugal tem de aprender com os erros que o Brasil cometeu"

Débora Calheiros Lourenço 21 de novembro de 2025 às 07:00

A SÁBADO falou com Artur Vaz, Hugo Costeira e Roberto Uchôa sobre o aumento da quantidade de cocaína que chega a Portugal e a forma como o nosso país é usado como ponto de entrada na Europa por vários grupos internacionais.

O da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária de 2024 indica que a cocaína foi a droga mais apreendida em Portugal – 23.011,890 quilos, o valor mais elevado desde 2006. Artur Vaz, diretor da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE), partilha com a SÁBADO que “ainda não existem dados consolidados sobre 2025 e falta um mês e meio para acabar o ano”, pelo que “é precipitado avançar com números” para de 2025. “Mas os volumes apreendidos até ao momento são bastante elevados em relação aos que temos visto”.
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Foto: DR
As grandes quantidades de cocaína apreendida tem sido por via marítima
“O grosso da cocaína é apreendido num número muito reduzido de operações”, isto porque, quando são dirigidas ao tráfico que chega a Portugal por via marítima, “falamos de muitos quilos”. “Mas não existem centenas de grandes operações, a maior parte resultam em pequenas apreensões”, refere Artur Vaz.  O relatório refere que em 79% dos casos não foi possível identificar o transporte utilizado e que as apreensões são sobretudo de pequenas quantidades, caraterizadas por Artur Vaz como pertencendo “à distribuição interna ou a droga que está de saída para Espanha, cuja via de entrada não foi possível identificar”. O diretor da UNCTE considera ainda que, apesar de ser numa escala menor, a via aérea representa a apreensão de “quantidades muito significativas”.  No que toca à forma de entrada do estupefaciente no país, Artur Vaz considera que “nestas questões as organizações movem-se por razões de oportunismo”, isto porque “quando a fiscalização aumenta nos portos, as entradas aumentam por via aérea e vice versa”.  

Portugal enquanto porta de entrada 

Artur Vaz alerta que, apesar de “estas 23 toneladas não terem de seu grosso modo Portugal como destino final, mas sim como ponto de distribuição”, “não é correto afirmar que o nosso pais é a principal porta de entrada de cocaína na Europa”.   Isto porque “existem outros pontos importantes e países com portos muito maiores” onde a cocaína chega em “grandes contentores”.   É claro para o diretor da UNCTE que “as águas internacionais são utilizadas por muitas organizações criminosas para trocarem drogas” e as autoridades portuguesas levam a cabo muitas operações que acabam com apreensões de cocaína que nem era dirigida ao território nacional: “É um trabalho feito em coordenação com os restantes países europeus e pelo bem de toda a Europa”.   Hugo Costeira, ex-presidente do Observatório de Segurança Interna e especialista em defesa e segurança, concorda com esta visão: “Lembro-me de quando era pequeno, e vivia no Minho, de ouvir falar do tráfico de droga na Galiza. Também o sul de Espanha e os Países Baixos são historicamente pontos importantes de entrada”.   Mas o especialista considera que “quem quer traficar trafica". "Se o Porto de Leixões estiver com um controlo muito apertado, passam a usar o de Vigo. E se Vigor estiver difícil, procura-se outro. A Europa está cheia de portas”.   Roberto Uchôa, ex-polícia federal e atual membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também reforça esta visão, referindo que "Amesterdão e Antuérpia eram os principais pontos de entrada de cocaína na Europa, mas hoje Portugal tornou-se também num importante ponto”. O também investigador da Universidade de Coimbra refere que Portugal enfrenta a dificuldade acrescida de combater a diversidade de formas de envio, incluindo “barcos, narcosubmarinos, drones subaquáticos e pequenas lanchas”.  

A presença de organizações internacionais em Portugal 

O diretor da UNCTE admite que “diferentes organizações têm procurado utilizar o território nacional para o tráfico de drogas devido à natureza de Portugal”. No entanto, opta por não as personificar, referindo apenas que “determinadas circunstâncias podem favorecer mais ou menos a sua entrada no país”, como é o caso da existência de uma “língua comum, relações económicas próximas ou a existência de grandes comunidades” instaladas em Portugal.   Hugo Costeira considera que “o tráfico da cocaína dentro daquilo que é a criminalidade organizada é altamente lucrativo” por isso é normal que “organizações como o PCC, o Comando Vermelho, as tradicionais máfias italianas, cartéis sul-americanos ou até grupos terroristas que são financiados pelo tráfico de droga operem em Portugal”.   O especialista considera que estas várias organizações “operam de forma diluída” no nosso país, pelo que “nem sempre sabemos a afiliação dos pequenos traficantes”. Hugo Costeira concorda com a posição de Artur Vaz e explica que “pode nem ser benéfico sabermos, tendo em conta a existência de outras investigações”. “Quando especulamos dados cometemos erros”, acrescenta.  
“É normal que organizações como o PCC, o Comando Vermelho, as tradicionais máfias italianas, cartéis sul-americanos ou até grupos terroristas que são financiados pelo tráfico de droga operem em Portugal” Hugo Costeira, ex-presidente do Observatório de Segurança Interna
No entanto, é claro para Hugo Costeira que “podemos depreender pelo panorama internacional que estas organizações estão em Portugal”. A presença de várias organizações “aumenta a concorrência dentro do negócio e dificulta a identificação por parte das autoridades nacionais”.   É preciso entender que algumas organizações criminosas “têm maior capacidade de recrutar do que outras”, assim como “diferentes capacidades para corromper as autoridades locais”.  

Primeiro Comando da Capital: é preciso “entender o perigo para o Estado” 

Apesar de estarem presentes várias organizações criminosas em território nacional, muitas têm sido as notícias sobre membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) que operam em Portugal. Ainda esta semana, mais conhecido como Hulk, foi detido num condomínio privado em Cascais.   Roberto Uchôa partilha com a SÁBADO que “não é fácil fazer o acompanhamento das organizações criminosa brasileiras, porque estamos a falar de um país com mais de 80 e pelo menos duas delas – o PCC e o Comando Vermelho – são hoje verdadeiras organizações transnacionais”.   O ex-polícia federal recorda que “o Brasil sofre muito para combater o tráfico de cocaína” e neste momento “tornou-se o principal corredor de saída para África e Europa”.   Roberto Uchôa alerta que “o Estado tende a ser muito reativo e pouco preventivo”, ao contrário do que acontece com estas organizações que trabalham para “aproveitar os desenvolvimentos tecnológicos”. “Portugal tem de aprender com os erros que o Brasil cometeu”, aconselha.  O investigador recorda que o atual diretor-geral da polícia federal esteve em Portugal" e disse que o PCC não era "o problema”. “Mesmo assim assinou um papel de cooperação para resolver um não problema”, ou seja, “as informações atuais são muito dúbias”.   “O PCC não trabalha para existirem grandes mortes e alaridos, quer sim no domínio imobiliário, em comprar equipas de futebol, patrocinar campanhas de políticos que depois defendam os interesses da organização. No caso da cocaína o principal interesse é entregá-la aqui, ser intermediário, não vender localmente”, explica.   Roberto Uchôa acredita que “existe uma ilusão de que fechar as portas [à imigração] vai resolver os problemas”, até porque as organizações criminosas "também estão presentes nos Estados Unidos, onde as fronteiras são mais reguladas”. Existe “um grande poder monetário e facilidade em corromper as autoridades para obterem vistos falsos”. Ainda assim admite que “é preciso ter controlo sobre quem vem, sem cuidado para não estigmatizar toda uma comunidade”. 
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