Não posso aceitar que Nuno Markl espalhe aos quatro ventos uma associação grave e caluniosa entre a minha pessoa e a de suspeitos de assédio sexual e moral, de violação de mulheres e de abandono de sinistrado.
Há cerca de mês e meio, numa conversa na Livraria Martins com a escritora Ana Bárbara Pedrosa, moderada por Miguel Szymanski, abordámos o tema da autoficção como género literário. A dado passo do diálogo, após ter falado longamente do livro Leme, de Madalena Sá Fernandes, comentei o marketing do mesmo, designadamente as imagens que a autora usa para promover a sua pessoa e as duas obras que até hoje escreveu, Leme e Deriva.
No fluir da conversa, utilizei uma expressão muito infeliz, ao aludir à "exuberância dos atributos" da autora, mas disse também que, e cito, "o problema não está nela, acho que ela faz muito bem, o problema está em mim, que tenho um problema de comunicação, pois o meu marketing é muito pobre, não sou nada moralista nestas coisas".
Na semana passada, Madalena Sá Fernandes indignou-se, de forma justificada, e partilhou publicamente essa sua indignação. Apesar do manifesto exagero com que o fez (ao dizer aos seus mais de 200 mil seguidores no Instagram "Ouçam porque vão aprender que há um rosto para a violência doméstica", fazendo-me passar, apenas com base num deslize de linguagem, como o "rosto da violência doméstica"), e apesar da forma como manipulou o vídeo da minha conversa com Ana Bárbara Pedrosa (destacando-me da gravação original e aumentando a minha figura, como um alvo a abater), apesar de tudo isso, dizia, não hesitei um segundo em dirigir-lhe um pedido público de desculpas, divulgando-o de imediato no Instagram da própria, bem como na minha página de Facebook (deixando-o acessível a qualquer pessoa, dentro ou fora daquela rede social).
Assumi aí que "referir a aparência de uma mulher tem um longo historial na cultura patriarcal e machista e que convocar esse elemento numa conversa pública é errado e infeliz. Peço assim desculpa por tal associação de ideias, porém, não era essa a minha intenção".
Palavras a que poucos ligaram, desde logo a própria Madalena Sá Fernandes, que continuou a divulgar nas redes sociais insultos a mim dirigidos, seja por parte de cidadãos comuns, seja por parte de "famosos" ou "celebridades" do nosso meio artístico e cultural.
De então para cá, tenho sido alvo de uma campanha injuriosa e aviltante, por parte de pessoas que nem se deram ao trabalho de ouvir na íntegra o que eu efectivamente disse ao longo de quase uma hora de conversa, onde inclusive tive palavras de elogio para a obra de Madalena Sá Fernandes, a qual, de resto, já veio reconhecer, uma semana depois do seu post no Instagram, que "JPG, no meio do resto, tinha elogiado o livro. Como autora, só posso ficar feliz com essa parte".
Ontem, porém, e como sempre sucede nestas ondas geradas nas redes sociais, imperou o imediatismo, a ignorância, o insulto fácil, a condenação sumária. E depois falam de Trump?
A todos esses, pergunto: Se é legítimo, como eu sempre disse que era, fazer produções fotográficas sofisticadas para promover obras literárias, não será também legítimo discutir esses novos meios de marketing da literatura? Não será pertinente debater os festivais literários, os eventos mundanos da cultura, as teias de amizades e cumplicidades, as redes sociais onde tudo se mostra e tudo se exibe, até o efémero e o plástico? Não será legítimo discutir a obsessão ou sofreguidão pelos "famosos da literatura" e pelos "consagrados", para assim obter um reconhecimento extraliterário e até social?
Mais: onde ficarão os autores, mulheres e homens, que não alinham nem queiram alinhar nestas formas de promover e divulgar o seu trabalho? Onde ficarão aqueles que só queiram falar das suas obras, ao invés de exporem as suas pessoas como produtos de merchandising? E, com a actual hegemonia das "redes" e do Tik-Tok, conseguirá a literatura de qualidade, independente dos grandes grupos editorais, sobreviver a esta tirania das selfies, da exposição do rosto e do corpo, do desejo obsessivo de reconhecimento, do narcisismo patológico, da vaidade desmedida?
Ao longo da minha vida profissional, como sociólogo especializado no campo da literatura e da cultura, tenho analisado a promiscuidade entre os júris dos prémios literários e os premiados, o discurso cúmplice dos suplementos culturais dos jornais, as côteries e os amiguismos do meio literário português, o peso dos "pais" e "padrinhos" na construção da imagem e da fama, os mecanismos de autopromoção nas badanas e contracapas dos livros, o compadrio e a corrupção ou a lógica do elogio mútuo, plasmada na máxima "tu és um génio, eu sou um génio".
Nesse sentido, tenho criticado, por exemplo, os critérios da crítica literária dos suplementos do Público e do Expresso, a colaboração de Mega Ferreira com o regime do Estado Novo, a falta de transparência nos concursos e nos patrocínios, os milhões gastos com a "biblioteca" de Alberto Manguel, as verbas despendidas no festival FeliCidade. Noutras ocasiões, coloquei-me ao lado de Joacine Katar Moreira contra os ataques desprezíveis de que foi alvo, do mesmo modo que fui um dos subscritores do manifesto "Todas Sabemos" de apoio a denunciantes de assédio e na defesa de uma
Qual não foi o meu espanto, para dizer o mínimo, quando, num "post" de Nuno Markl, me vi colocado ao lado de Boaventura Sousa Santos, de um influencer acusado de ter atropelado uma mulher e fugido do local, e de dois adolescentes suspeitos de uma violação em Loures.
Foi então que decidi escrever este texto. Não posso aceitar que Nuno Markl espalhe aos quatro ventos (tem 747 mil seguidores no Facebook e 928 mil no Instagram, entre os quais as minhas filhas) uma associação grave e caluniosa entre a minha pessoa e a de suspeitos de assédio sexual e moral, de violação de mulheres e de abandono de sinistrado.
Da mesma maneira que apresentei de imediato as minhas desculpas pela tremenda infelicidade das declarações que proferi, espero que Nuno Markl faça o mesmo. Fomentar o ódio de forma impensada e irresponsável (tenho recebido ameaças de morte) não é uma forma digna, nem justa, de celebrar a liberdade conquistada há 50 anos. E não, não é "tanto barulho para nada", como diria o outro. É uma questão séria e grave, mais séria do que pensamos, para aqueles que queiram pensar.
Não posso aceitar que Nuno Markl espalhe aos quatro ventos uma associação grave e caluniosa entre a minha pessoa e a de suspeitos de assédio sexual e moral, de violação de mulheres e de abandono de sinistrado.
Julgo, modéstia à parte, que cumprimos integralmente a missão. Mas tudo tem um fim e esta é a nossa última crónica. O nosso reinado sobre estas duas páginas termina aqui.
Outro ponto essencial, demasiado evidente para que possa ser constantemente esquecido na receita do êxito destas obras, é a “ostentação de distância” destas autoras em relação ao meio literário.
Não raro, o motor da acção é a exaltada paixão amorosa entre uma dama mimada por pais ricos, severos, autoritários e resistentes a qualquer emoção, e um maltrapilho determinado e perseverante, que lhe incendeia o coração e lhe vira a vida do avesso.
Queria ser arrancado do meu torpor. Tomar consciência do mundo em que vivo. Mas, para isso, era necessário primeiro sair dele, atravessando o espelho, mudando a rotina de me interessar apenas por obras que carregam o peso da eternidade.
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