Sábado – Pense por si

Mariana Esteves
Mariana Esteves Economista
04 de março de 2024 às 10:20

Que respostas tem a direita para a crise na Habitação?

A solução que a direita nos apresenta para a crise na habitação é que confiemos que o mercado que nos levou a esta situação, nos vai tirar dela.

Sabemos que não existe uma solução mágica que permita a curto prazo resolver todos os problemas da crise da habitação. Ainda assim os programas dos partidos de direita, Aliança Democrática (AD), Iniciativa Liberal (IL) e Chega, têm uma resposta comum: todos diagnosticam o problema da habitação como um problema de falta de oferta e, por isso, uma vez criadas as condições para que a oferta aumente, o mercado encarregar-se-á de fazer baixar o preço das casas.

Antes de vermos o que propõem estes partidos, convém relembrar que, nos últimos anos, os preços reais da habitação cresceram mais rápido do que os fatores que tipicamente explicam esses preços. Segundo o estudo da FFMS, que analisou a dinâmica do mercado imobiliário nas grandes cidades, esta crise não é explicada pelo aumento do rendimento disponível, nem das taxas de juro, nem da população ativa, nem pelo investimento em habitação. O estudo aponta a pressão da procura e a baixa oferta como possíveis razões para o aumento fora do normal dos preços da habitação.

Do lado da procura, o relatório do INE, apresentado no início de fevereiro, mostrou que o valor das casas adquiridas por estrangeiros não residentes é 43% mais elevado do que as adquiridas por nacionais. Nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, a disparidade é de 83% e 57%, respetivamente. Até ao ano passado, este problema foi alimentado pelos vistos gold, um regime que atribuía autorizações de residência a quem investisse no país. "Investir no país" podia significar criar pelo menos 10 postos de trabalho, investir em investigação científica, comprar imobiliário com valor acima de meio milhão de euros, entre outras opções. Feitas as contas, segundo dados do SEF, 90% dos vistos gold foram atribuídos através da compra de imobiliário.

Assim, sobre o pretexto de atrair investimento estrangeiro, os vistos gold distorceram o mercado, redirecionando durante mais de uma década a construção para o setor de luxo. Para além disso, como alerta o Transparency Internacional Portugal, o imobiliário é um setor especialmente vulnerável ao branqueamento de capitais e os vistos gold podem ter facilitado a lavagem de "vários milhares ou até mesmo milhões de euros de dinheiro sujo, produto da corrupção, num único negócio". Ironicamente, o Chega é o único partido que defende o regresso deste regime no seu programa. Apesar de não constar do programa, a AD também não exclui a hipótese de reintroduzir os vistos gold.

Também o crescimento rápido e desordenado de habitações turísticas tem uma papel nesta crise, mas a direita parece estar coletivamente a ignorá-lo. Os três partidos exigem o fim das restrições ao Alojamento Local (AL) que, segundo Gonçalves et al. (2020), ajudaram a diminuir em 9% os preços das casas nos bairros históricos com maior pressão turística. Querer acabar com todas as limitações é ignorar que o impacto desta atividade não é uniforme e que, em algumas regiões, a falta de regulação pode ter mais custos que benefícios.

Mas falta o mais importante: baixar impostos. A IL propõe reduzir o IVA da nova construção de 23% para 6% para aumentar a oferta, porque "se a habitação é um bem essencial não pode ser taxado como bem de luxo". Não podia estar mais de acordo. A habitação não pode ser um bem de luxo, mas quando se torna mais lucrativo construir para o setor de luxo, o mercado responde e a oferta de habitações acessível diminui. Reduzir o IVA para todo o tipo de construção é capaz de aumentar a oferta, mas não do tipo que precisamos.

Ainda sobre tributação, IL e Chega querem acabar com o adicional sobre o IMI que é pago por proprietários de imóveis de luxo com valor patrimonial (inferior ao de mercado!) a partir de 600 mil €. A taxa marginal do imposto é, no máximo, 1.5% e apenas é aplicada a indivíduos com imóveis com valor patrimonial superior a 2 milhões €. Para empresas, a taxa marginal é ainda mais baixa (0.4%) e, ainda assim, este imposto arrecada todos os anos mais de 140 milhões € para a Segurança Social. Relembro também que este é, atualmente, o único imposto sobre a riqueza que existe em Portugal.

Assim, a solução que a direita nos apresenta para a crise na habitação é que confiemos que o mercado que nos levou a esta situação, nos vai tirar dela. Até lá, a habitação continuará a ser vista como um ativo financeiro, e o direito à habitação, consagrado na Constituição, continuará a ser violado. 

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