Sábado – Pense por si

Mariana Esteves
Mariana Esteves Economista
22 de julho de 2024 às 07:09

O movimento popular contra o Alojamento Local

Em Portugal, a habitação é a terceira maior preocupação, depois do aumento do custo de vida e da saúde, segundo o Eurobarómetro.

O movimento popular "Referendo pela Habitação" está a lutar para que não seja permitido o registo de alojamento locais (AL) em imóveis destinados à habitação. Recolheu já as 5 mil assinaturas necessárias para que seja votado na Assembleia Municipal de Lisboa e, se aprovado, seguirá para o Tribunal Constitucional. A confirmar-se, este será o primeiro referendo local de Lisboa e a primeira vez que a habitação será referendada.

Esta é também a primeira vez que ouvi falar em referendos locais. Este instrumento de democracia direta permite chamar as pessoas a votar sobre assuntos da sua freguesia/município e existe na Constituição desde 1982. Dezassete anos depois,  realizou-se o primeiro referendo local em Portugal, na aldeia de Serreleis, Viana do Castelo. Discutia-se a construção de um polidesportivo nas traseiras do Salão Paroquial. De um lado a igreja, que não queria distração e barulho nas suas imediações, do outro a junta, que via no campo de jogos uma oportunidade de melhorar a freguesia. O debate foi intenso e gerou muitas divisões, como documenta a excelente reportagem da revista Shifter. Dos mil habitantes, quase 77% votaram e o "não" ao campo de jogos acabou por vencer.

Desde então, foram realizados em Portugal mais 7 referendos, mas nenhum alcançou a participação mínima de 50%, necessária para tornar a decisão vinculativa. O último foi o ano passado, na freguesia de Benfica, em Lisboa, e a abstenção chegou aos 70%. O referendo pela habitação estende-se a todo o município de Lisboa e os seus promotores esperam que se realize até à Primavera de 2025. As já 9 mil assinaturas anunciadas no site, que superam largamente as necessárias, mostra bem o apoio popular por trás da iniciativa.

Não é de estranhar, já que esta é uma das maiores preocupações entre os cidadãos por toda a Europa. Em Portugal, é a terceira maior preocupação, depois do aumento do custo de vida e da saúde, segundo o Eurobarómetro. Apesar de o AL não ser a única causa para a carência habitacional que se vive nas grandes cidades europeias, há já evidencia empírica sobre os benefícios da regulamentação destas atividades para baixar o preço das casas. Em 2018, a regulamentação que impediu novos registos de AL em certos bairros de Lisboa e do Porto, permitiu baixar o preço de venda das casas em 9%, como mostra o estudo dos economistas Duarte Gonçalves, Susana Peralta, João Pereira dos Santos.  

Em 2022, o Supremo Tribunal de Justiça aprovou um acórdão que proíbe que as casas destinadas à habitação sejam utilizadas para AL. Os promotores do referendo querem por isso apenas que esta decisão seja cumprida. Caso o "sim" ganhe, a Câmara Municipal de Lisboa ficará obrigada a devolver estas casas à sua função de habitação. Em cidades como Lisboa, que é já a cidade europeia com mais casas registadas no Airbnb, regular esta atividade é especialmente importante.

Desconfio que não sou a única que não sabia da existência de referendos locais. Estamos pouco habitados a usar estas formas mais diretas de democracia e, cada vez mais desligados dos bairros e das comunidades em que vivemos. Casos como o "Referendo pela Habitação" demonstram que a organização comunitária é possível e que todos podemos beneficiar com ela.

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