Sábado – Pense por si

Rui Maciel
Rui Maciel Economista
01 de julho de 2024 às 07:33

O PCJC (Processo de Corrosão da Justiça em Curso)

A violação do segredo de justiça alimenta uma constante mediatização, que leva a julgamentos populares e ao sentimento que "na política são todos uns gatunos". Pior que este sentimento é a sua normal e perigosa conclusão "de que o era preciso era alguém que limpasse isto tudo".

Desde que nasci que ouço dizer que um dos maiores problemas de Portugal é a corrupção. Em pequeno, lembro-me dos vários casos falados, desde o BragaParques ao FreePort aos grandes casos com grandes banqueiros, como Miguel Rendeiro ou Ricardo Salgado, já depois da crise financeira. Agora o que mais me recordo são osvídeos de Rui Riona sua varanda a perguntar sarcasticamente qual era a estação de televisão que estava a cobrir as buscas em sua casa para poder ligar à outra estação para "não haver concorrência desleal".

Neste pequeno parágrafo de introdução, julgo já enunciar os dois principais problemas a meu ver enfrentados pela justiça portuguesa: a morosidade na condenação de casos de corrupção e as fugas constantes ao segredo de justiça. Estes dois problemas juntos são um cocktail explosivo que ameaça uma democracia funcional.

Lembro-me de ficar confuso ao ouvir notícias sobre escutas que diziamque António Costa tinha dito a João Galamba que seria necessário despedir a CEO da TAP por razões políticas"Segundo a escuta telefónica a que a CNN Portugal teve acesso em primeira mão". Nestas situações apelo ao sentimento crítico de quem está desse lado. Em primeiro lugar, qual é o objetivo de uma informação não judicial sair do segredo de justiça? Em segundo lugar, qual é a relevância desta chamada para uma investigação judicial visto tratar-se de um facto político? São perguntas que me deixam a questionar se quem deveria estar a defender o segredo de justiça o está a fazer.

Além disso, nos dias de hoje, a violação do segredo de justiça alimenta uma constante mediatização, que leva a julgamentos populares e ao sentimento que "na política são todos uns gatunos". Pior que este sentimento é a sua normal e perigosa conclusão "de que o era preciso era alguém que limpasse isto tudo". A corrupção é um tema peculiar: mais importante do que ela existir ou não, é a perceção se ela existe ou não. Algo que me fascina é como na época do Estado Novo havia corrupção a céu aberto, como conluios nos quais o Estado trocava favores com certos grupos económicos de forma indiscriminada (algo que hoje seria visto como um grande caso de corrupção), mas a ideia geral da população é que naquele tempo não havia corrupção. A razão para tal é exatamente os meios de informação da altura serem completamente censurados e a propaganda do Estado Novo branquear estes conluios.

Vive-se num constante clima de justiça popular, no qual as pessoas, por causa da morosidade dos grandes casos mediáticos, acabam por fazer elas próprias o julgamento. Casoscomo o de Sócrates, que se arrasta desde a sua detenção a 22 de novembro de 2014, não podem continuar a acontecer.Mesmo o caso de Ricardo Salgado, que se arrasta desde a queda do BES, levanta um sentimento de impunidade para um certo grupo de pessoas que não é saudável para uma democracia. E, no limite, é importante dizer que durante este tempo todo estes cidadãos foram castigados em praça pública, sendo tratados como culpados, quando ainda não há uma sentença judicial definitiva.

Este texto é uma enumeração de problemas. Infelizmente, sinto não ter capacidade jurídica para aprofundar soluções. Contudo, como cidadão interessado, vejo-me na obrigação de falar sobre este problema porque as consequências do funcionamento da justiça em Portugal são bastante palpáveis no ambiente político. Recentemente, certas decisões judiciais levaram diretamente à queda de dois governos democraticamente eleitos em Portugal num espaço de 6 meses e crescem a olhos vistos forças anti-democráticas que usam narrativas do mau funcionamento da justiça para proveito próprio.

Por esta razão, subscrevo oManifesto dos 50. Jovem "Manifesto Jovem de Apoio a uma Reforma da Justiça", que vem em consequência doManifesto dos 50. O meu objetivo é convidar todos os juristas que contribuam para o debate para resolver este processo com boas soluções técnicas, porque infelizmente desde que nasci o clima só tem piorado. Por último, relembro que sem justiça não há democracia que funcione e sem democracia não há quem possa erguer a voz para mudar as coisas. E voltar aos tempos de Salazar, em que a corrupção era algo a céu aberto, não é opção.

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