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Mariana Esteves
Mariana Esteves Economista
08 de julho de 2024 às 07:15

Como taxar os ricos

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Edição de 5 a 11 de agosto

Segundo o Relatório sobre a Evasão Fiscal Global 2024, os países da União Europeia são os que mais perdem com o desvio de dinheiro para paraísos fiscais. Aproveitando a concorrência fiscal entre países, esta é uma forma relativamente simples e rápida de atrair capital estrangeiro e aumentar a receita fiscal de um país.

No último ano, mais de520milhões de euros de impostos não foram pagos pelos grandes contribuintes. A dificuldade de tributar efetivamente os mais ricos e a consequente injustiça fiscal entre capital e trabalho não é uma novidade, mas talvez valha a pena parar para pensar porquê. Sabemos que a maior mobilidade do capital face ao trabalho torna difícil garantir que ambos contribuam proporcionalmente. Um jovem não emigra porque paga demasiado IRS (apesar de alguns acharem que sim), mas a Google vai para a Irlanda e um milionário não pensa duas vezes em mudar as suas contas para um paraíso fiscal e pagar menos impostos. Será que estamos condenados a não taxar o capital para não o afugentar?

Segundo o Relatório sobre a Evasão Fiscal Global 2024, os países da União Europeia são os que mais perdem com o desvio de dinheiro para paraísos fiscais. Aproveitando a concorrência fiscal entre países, esta é uma forma relativamente simples e rápida de atrair capital estrangeiro e aumentar a receita fiscal de um país. Esta estratégia criativa pode parecer distante, coisa de uma ilha paradisíaca, mas também existe em Portugal, na Zona Franca da Madeira, onde as empresas podem pagar apenas 5% de IRC, cumprindo certos requisitos.

Porque é que isto é um problema? Não podem as Bahamas, as ilhas Virgem ou as Seicheles escolher a taxa de imposto que mais lhes convém para aumentar a sua receita fiscal? Podem. No entanto, a competição fiscal não é isenta de consequências e não afeta apenas o território que decide baixar impostos. Quando os países competem para oferecer as menores taxas de imposto e maximizar a sua receita fiscal, puxam para baixo todas as receitas fiscais globais, essenciais para financiar serviços públicos, como saúde, educação e infraestruturas.  Por ano, a perda global de receita fiscais por desvio para paraísos fiscais atinge já os 10%, de acordo relatório sobre evasão fiscal citado no parágrafo anterior. Há também um grave problema de segurança, já que a opacidade destas transferências as torna ideias para lavagem de dinheiro.

A importância da cooperação internacional para combater estes mecanismos de concorrência fiscal levou o Observatório Fiscal da União Europeia a apresentar esta semana uma nova proposta: um imposto mínimo de 2% sobre a riqueza dos bilionários. Esta medida pretende garantir que os ultra-ricos paguem uma parte justa dos seus rendimentos, corrigindo a falha dos sistemas fiscais atuais que, frequentemente, resultam em taxas de imposto efetivas mais baixas para o topo da distribuição da riqueza.

Este não seria o primeiro consenso internacional sobre este tema. Já em 2021, cerca de 140 países participaram num acordo histórico que estabelece um limite mínimo de 15% para as taxas de imposto sobre os lucros das empresas multinacionais. Após um atraso de seis meses e um processo da Comissão Europeia contra o Estado português por violação do direito europeu, o ministro Miranda Sarmento anunciou finalmente a transposição da diretiva para a lei portuguesa na passada quinta-feira. De acordo com o Observatório Fiscal da UE, esta medida gerará 100 milhões de euros de receita para Portugal. Para a UE serão mais 83 mil milhões, o que corresponde a 6% da despesa em saúde na união.

Apesar do passo na direção em torno de mais justiça fiscal, por aqui, continuam a ser anunciados projetos focados na concorrência fiscal para atrair capital estrangeiro – diminuição do IRC de 21 para 15% até 2027, novos Residentes Não Habituais, novos Vistos Gold. Dizem que fazem parte do programa "Acelerar a Economia", mas a corrida é para o fundo e na meta perdemos todos.

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