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Mariana Esteves
Mariana Esteves Economista
27 de maio de 2024 às 07:30

O jovem IRS jovem 

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Edição de 5 a 11 de agosto

Mantem-se a discriminação pela idade através da determinação de limite arbitrário até ao qual se tem acesso ao benefício fiscal. Isto cria situações de injustiça e compromete a progressividade do imposto.

A nossa Constituição diz-nos que um imposto sobre o rendimento pessoal (IRS) visa a diminuição das desigualdades. Acrescenta ainda que este deve ser único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos de cada agregado familiar. Por outras palavras, o IRS deve englobar todas as fontes de rendimento (ser único), ter em conta a nossa capacidade contributiva (ser progressivo) e considerar não apenas o indivíduo, mas sim o agregado familiar (se tem dependentes, por exemplo). É, portanto, uma medida redistributiva destinada a diminuir as desigualdades.

Na última quinta-feira, o governo anunciou uma proposta de lei que pode pôr em causa estes princípios. O novo regime do IRS Jovem, com uma taxa marginal máxima de 15% para todos os jovens até aos 35 anos, pretende substituir o criado pelo PS em 2022. No entanto, não só mantém os mesmos problemas, como acrescenta outros. O que mantem é a discriminação pela idade através da determinação de um limite arbitrário até ao qual se tem acesso ao benefício, criando situações de injustiça e comprometendo a progressividade do imposto.

Para avançar para o segundo (e novo) problema, terei de aceitar a arbitrariedade desta idade limite. Antes de o fazer, não quero deixar de relembrar que a geração que hoje tem entre 36 e 40 anos entrou no mercado de trabalho em plena grande recessão. Os efeitos negativos a curto e longo prazo disso estão bem documentados nos relatórios da Comissão Europeia, que estima um impacto de 10 anos de atraso na progressão salarial. Ainda assim, são deixados de fora deste regime. Parece que afinal os 40 não são os novos 30.

Nota feita, avancemos para o novo problema criado pelo jovem IRS Jovem. No regime atual, a proporção da isenção é igual para todos os níveis de rendimento. A distorção da idade mantém-se, mas a progressividade é assegurada entre os "jovens". Pelo contrário, no mais jovem IRS Jovem, quem ganha mais beneficia mais. Por exemplo, quem ganha um salário bruto de mil euros mensais vai poupar 55 euros por mês (5,5% do rendimento). Para rendimentos brutos de 5000 euros, a poupança mensal é de 1000 euros (20%). Assim, à medida que o salário vai aumentando, também aumenta a proporção da poupança.

Olhando para a realidade do país, percebemos que o benefício desta medida concentra-se desproporcionalmente numa pequena fatia da população. Para a maioria dos jovens entre os 25 e os 34 anos, que têm uma remuneração bruta de pouco mais de mil euros, a poupança é importante, mas significativamente inferior à daqueles que, mesmo precisando menos, conseguem poupar mais. 

Além disso, o custo orçamental que o governo estima para esta medida é de 1200 milhões de euros. São mais mil milhões que deixam de estar disponíveis para investir nos serviços públicos, por exemplo, para resolver o problema da habitação, tão caro aos jovens; ou da saúde, que está no topo das preocupações dos portugueses. São escolhas. Neste caso, são escolhas em que quem mais perde são os que mais dependem desses serviços públicos e pouco ou nada beneficiam com este jovem IRS.

Não perca mais um episódio do podcast Mão Visível, sobre os programas do Bloco de Esquerda e Livre para as eleições europeias: 

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