Sábado – Pense por si

João Carlos Barradas
João Carlos Barradas
13 de setembro de 2025 às 10:00

Calamidades, hambúrgueres, torresmos

Nestes dias nem sequer valem hambúrgueres ou torresmos aos críticos de Ventura que não o consigam enfrentar com obra feita, seriedade e integridade.

Tempos de ruptura anunciam-se tumultuosos e incertos à medida que se sucedem, sem consternação de maior, eventos que ainda há pouco seriam classificados como calamitosos.

O governo de Israel ordenou o bombardeamento da capital de um estado onde aceitara levar a cabo conversações indirectas com o Hamas para matar dirigentes da organização terrorista palestiniana.

O ataque em Doha rompeu convenções negociais e, por implicar conivência ou inoperância de vigilância aérea de estados árabes vizinhos – Jordânia e/ou Arábia Saudita, Iraque, Koweit – e anuência de Washington, comprovou a irrelevância de compromissos de segurança na região.

A escalada aos extremos da coligação de direita e extrema-direita de Benjamin Netanyahu em Gaza e na Cisjordânia, em campanhas de violência incontida por parte dos Estados Unidos, tende a isolar Israel para seu próprio mal, maior agrura e ódio de palestinianos, desnorte em todo o Médio Oriente.

Telavive veiculou, entretanto, informalmente a estados europeus que o Irão salvaguardou, depois dos ataques israelitas e norte-americanos de Junho, quantidades suficientes de urânio, sobretudo em estado gasoso, susceptíveis de enriquecimento para fins militares a médio prazo.

Esta apreciação coincidiu com a ameaça avançada no início deste mês da Grã-Bretanha, França e Alemanha de solicitarem a reactivação de sanções da ONU contra Teerão por violação do acordo de 2015 sobre o programa nuclear iraniano.

Ameaça em contraplacado

Para os estados europeus da NATO não há como esconder a suma inoperância dos seus meios de defesa ante a provocação russa na Polónia.

A intrusão de dezanove drones sem cargas explosivas direccionados a partir da Belarus e Rússia, visando aparentemente área próxima de Rzeszów, um dos principais pontos de abastecimento de armamento à Ucrânia, no sudeste da Polónia, obrigou a recorrer de urgência a meios aéreos da NATO.

Três drones foram abatidos, de acordo com a verão corrente da Nato. Foi, portanto, escassa a eficácia da onerosa mobilização de meios da NATO para derrube dos drones Gerbera, adaptações baratas em contraplacado de madeira e esferovite dos Shahed 136 iranianos, usados para reconhecimento ou engodo.

Paris, Copenhaga, Londres, Berlim, assumiram de imediata a urgência no reforço das defesas e Washington desvalorizou o incidente.

O enredo desta semana não diverge daquilo a que se tem vindo a assistir desde a anexação da Crimeia e a guerra no Donbass em 2014.

A debilidade política dos chefes de estado e governo europeus é, todavia, estarrecedora ante a determinação de Vladimir Putin em obrigar à capitulação política da Ucrânia.

Em Londres, o primeiro-ministro trabalhista Keir Starmer, após perder a sua vice Angela Rayner, afundou-se mais ainda ao ter de demitir o embaixador em Washington, o famigerado negocista Peter Mandelson.

O embaixador terá contribuído para a conclusão de um acordo comercial aceitável com os Estados Unidos, mas é fraco e incerto consolo para Starmer.

A nomeação em Fevereiro do Príncipe das Trevas da era Blair fora controversa e ao acabar defenestrado pelas inconveniências da sua muito pública amizade interesseira com o pedófilo Jeffrey Epstein é a sagacidade do chefe do governo que fica em causa.

Se Starmer peca por obtusidade persistente, a perspicácia de Emmanuel Macron também não é de invejar.

Sébastien Lecornu tornou-se no quinto primeiro-ministro no segundo mandato de Macron que insiste em nomear gente próxima.

A nomeação deste terceiro chefe de governo desde a dissolução da Assembleia Nacional de 2024 é, tal como as anteriores, um exercício de

estilo arrogante de um presidente privado de maioria legislativa.

O impasse e o descalabro financeiro da França irão enterrar no ano de 2027 as ambições liberais modernizadoras de Macron e a Convergência Nacional de Marine Le Pen e Jordan Bardella tem tudo a ganhar até lá.

Tiro a tiro

Na véspera do aniversário dos ataques de 11 de 2001, o universo em expansão da direita conservadora e do radicalismo trumpista perdeu um dos seus organizadores e propagandistas mais eficazes entre os jovens.

O assassínio de Charlie King, cujo teor e estilo de campanha era particularmente efectivo junto de integristas cristãos, inquinou, ainda mais, a recorrente polémica norte-americana sobre discursos de ódio à direita e à esquerda.

O atentado aparenta vir a dar, sobretudo, mais força às tiradas de Trump sobre a necessidade de medidas de combate à proliferação de emergências – o pretexto para ampliação anticonstitucional de poderes presidenciais – em questões de segurança.

Punir, retaliar contra inimigos da MAGA, sejam juízes do Supremo Tribunal Federal de Brasília – culpados da condenação de Jair Bolsonaro –, traficantes de droga venezuelanos, governadores ou presidentes de câmara democratas, é a linha inexorável de Trump.

Com as eleições intercalares para o Congresso de Novembro de 2016 na mira, tão importante quanto a inflação, emprego ou segurança será, no entanto, a imagem que venha a ser feita do valor das promessas do presidente.

Apesar da guerra que declarou ao The Wall Street Journal por causa de notícias acerca da sua relação com o Jeffrey Epstein, Trump muito possivelmente não terá ficado desiludido com uma das notícias desta semana.

Num bastião conservador dos media – Fox News, New York Post, na vertente radical, além do influente e reputado The Wall Street Journal – e entretenimento, a News Corp. e a Fox Corp., Rupert Murdoch definiu, finalmente, aos 94 anos, os termos de herança.

Na partilha entre as quatro filhas e dois filhos do magnata australiano será Lachlan, aos 54

anos, quem herdará o controlo accionista e a direcção executiva que lhe incumbia desde 2023 da News Corp. e da Fox. Corp., cujo valor de mercado ascende actualmente a 42 mil milhões de dólares.

A orientação distintamente conservadora prevalecerá, portanto, com Lachlan Murdoch no conglomerado de media dos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, cuja importância ultrapassa o mundo de língua inglesa.

Torresmos e cidadãos

Desta semanada para nós restou a imbecilidade descarada e ignara do líder da direita radical.

André Ventura, sempre nas bocas do mundo, tem, contudo, manha suficiente – tapando um disparate com uma mentira, saltitando de exagero em calúnia – para grão a grão encher o papo por falta de firmeza, carácter, mediocridade e desvario político dos demais.

O Chega sobe nas intenções de voto à conta das notícias caídas gota a gota sobre inoperância, disfunções e irresponsabilidades na administração pública, nas empresas, urgências hospitalares fechadas, crimes impunes, conivências dúbias.

Nestes dias nem sequer valem hambúrgueres ou torresmos aos críticos de Ventura que não o consigam enfrentar com obra feita, seriedade e integridade.

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