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Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
12 de fevereiro de 2025 às 07:30

Já não podemos continuar parados

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Edição de 5 a 11 de agosto

A UE só tem a ganhar, aparecendo como o novo mediador neutro no contexto internacional, com acordos comerciais verdadeiramente apetecíveis para os mercados dominados pelos Estados Unidos, assumindo a liderança comercial.

Com os Estados Unidos da América a retrair-se para uma política de protecionismo agressivo e a China a expandir silenciosamente a sua influência, a União Europeia enfrenta um dilema existencial: ou assume um papel central na nova ordem mundial, ou arrisca-se a tornar-se um mero espectador do seu próprio declínio. A guerra comercial global não é apenas um desafio e um risco – tornou-se na oportunidade perfeita para o continente europeu se reindustrializar, afirmar a sua liderança tecnológica e sustentável e tornar-se o verdadeiro pólo de equilíbrio do século XXI.

O mundo nunca esteve tão globalizado como se encontra atualmente, e vemos as guerras comerciais lançadas pelos Estados Unidos como uma ameaça não só ao globalismo como às economias ocidentais. Apesar das tarifas e sanções poderem parecer ameaças a uma dita estabilidade económica, é também uma oportunidade de ouro para a União Europeia se fortalecer com a tão desejada autonomia estratégica, especialmente nos domínios da transição energética e da inovação tecnológica, captando empresas e produtos ligados não só à sustentabilidade, mas também à ciência e tecnologia. Com a queda de investimentos e mudança de prioridades americanas, demasiadas empresas estratégicas vão ficar órfãs de financiamento e de suporte. Na área da sustentabilidade já se sente esse fenómeno, com muitas empresas a olharem para a Europa como um novo espaço apetecível, e é precisamente aí que precisamos de apostar. Se quisermos reforçar o nosso papel estratégico e a nossa força económica enquanto player mundial, temos de saber identificar as prioridades certas para investir. Precisamos de apostar massivamente em sectores de alto valor acrescentado. Apesar de na área da Inteligência Artificial já termos começado atrasados, o facto de ainda sermos dependentes de energia externa

(nomeadamente dos Estados Unidos da América), de materiais raros, para defesa e segurança, juntado à luta pela democracia que se vai sentir esta década internamente, esta talvez seja a derradeira oportunidade para tornar a UE uma força verdadeiramente competitiva a nível mundial, com o risco de colapsar se tal não acontecer.

Também na parte diplomática e de relações entre países cria-se um vazio com o fim das ajudas externas dos Estados Unidos da América. Além de uma oportunidade, este cenário traz um perigo ainda maior, algo que a China já identificou e começou a explorar: enquanto EUA retiram o seu dinheiro; a China investe cada vez mais na ajuda externa, sem as contrapartidas exigidas pelos EUA assim como a União Europeia quando o faz. Todas estas decisões da nova governação de Trump parecem ter o efeito oposto do que foi referido na sua campanha, com consequências já a nível de mercado interno com subida de preço de produtos alimentares e com uma perda considerável do respeito e liderança internacional, tudo em apenas semanas de governação. Juntando isto à loucura das suas nomeações e novos planos a curto prazo para a redução do papel do Estado na sociedade americana, podemos prever certamente um aumento das consequências negativas internas e externas e um aumento do espaço de influência chinês no domínio internacional. Numa guerra protecionista, a China tem a vantagem de já ter um mercado interno perto dos mil milhões de pessoas, ter uma autonomia consideravelmente superior ao dos outros países e uma influência sobre mercados periféricos bem superior à americana. A UE só tem a ganhar, aparecendo como o novo mediador neutro no contexto internacional, com acordos comerciais verdadeiramente apetecíveis para os mercados dominados pelos Estados Unidos, assumindo a liderança comercial. Durante as últimas décadas, a Europa transferiu grande parte da sua produção para mercados periféricos com o intuito de reduzir custos de produção, mas com a globalização e as guerras comerciais, ficam mais vulneráveis a disrupções na cadeia de abastecimento, deixando de ser tão competitivas. Torna-se assim o catalisador necessário para trazer uma nova reindustrialização do continente europeu, incentivando a inovação, criação de emprego e resiliência económica, sendo também um ponto de força contra a extrema-direita que se aproveita da fragilidade económica da população.

Naturalmente para tudo isto se concretizar vai ser preciso uma unidade, liderança e visão estratégica que ainda não conseguimos ver na União Europeia. A história mostra que os momentos de turbulência no nosso continente, podem também ser momentos de reinvenção. Se soubermos jogar as nossas cartas, apresentarmos a proactividade tão necessária e assumirmos a nossa liderança no plano internacional, essas guerras comerciais globais podem ser a rampa de lançamento tão desejada para uma União Europeia que se encontra a tentar colar os seus próprios cacos.

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