Sábado – Pense por si

Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
19 de fevereiro de 2025 às 10:29

Nunca houve falta de dinheiro

A União Europeia passou de aliada estratégica dos Estados Unidos da América para uma mera observadora externa num dos processos diplomáticos mais relevantes deste século para o território europeu.

Por estes dias, há algo de chocante mas não necessariamente surpreendente. No volte-face geopolítico mais rápido desde a invasão da Ucrânia, numa questão de apenas dias, a União Europeia passou de aliada estratégica dos Estados Unidos da América para uma mera observadora externa num dos processos diplomáticos mais relevantes deste século para o território europeu. Isto mostra a incapacidade da UE liderar, evidenciando a sua fragilidade e peso na ordem mundial.

A exclusão da União Europeia não é só um golpe diplomático, é também a prova que o ritmo interno que as instituições e as suas lideranças tomam é insatisfatório para gerir crises e ameaças. Perante um estado de alarme, a velocidade da resposta europeia situa-se ainda em níveis decepcionantes. As consecutivas reuniões entre líderes europeus e chefes de estado europeus parecem não acelerar qualquer tipo de movimentação, desconhecendo-se ainda o plano de ação, ou melhor reação. Se o objectivo é mesmo ter um lugar à mesa das grandes decisões, não basta enviar comunicados e fazer reuniões "especiais".

O problema central levantado pela ausência da UE nas negociações de paz não é apenas a frustração de não estar presente num acordo sobre território europeu, mas algo bem mais grave: a percepção global sobre a verdadeira relevância da UE. Ao ser ignorada pelos próprios aliados, porque é que outros não o poderiam fazer? Principalmente, num momento multipolar, a passividade europeia mostra que o continente continua ausente de autonomia estratégica. Mais, ver a China, frequentemente criticada pelos europeus, vítima de guerras comerciais europeias para servir os interesses dos nossos "aliados", defender a inclusão da UE e Ucrânia nas negociações de paz é uma chapada de luva branca na dita aliança estratégica atlântica.

Diante este cenário, a União Europeia precisa de agir. Precisa de agir definindo a sua estratégia para a ação continental e global. Precisa de assumir a sua autonomia estratégica, até de aliados estrangeiros. Precisa de ter capacidade independente e decisiva na defesa dos valores de liberdade e democracia. Mas o que não precisa é de mais soluções que hipotecam o presente e futuro das gerações europeias e mundiais. Nesta semana ouvimos vários líderes defenderem mais uma bazuca europeia, mas desta vez para reforçar a indústria de defesa e complexo militar europeu, para cumprir o acordo da NATO. O que não ouvimos foi a mesma sugestão para resolver problemas graves sociais, no pós-crise financeira de 2008 (onde a resposta foi precisamente contrária). Não ouvimos esta solução para resolver problemas das desigualdades dentro e fora dos países europeus. Não ouvimos para resolver os problemas de habitação que assolam o continente europeu. Não ouvimos como forma de financiar o combate às alterações climáticas. Não ouvimos para estimular a educação. Simplesmente nunca ouvimos para resolver os problemas que afetam as pessoas.

Desengane-se quem ache que não haverá cortes no estado social para financiar este novo investimento. Não há apenas uma maneira de assegurar a independência e segurança territorial. Para além do complexo militar e de defesa, a independência energética é crítica no "combate" aos inimigos externos. O investimento em tecnologia protegendo infraestruturas críticas, dados governamentais/cidadãos e sistemas financeiros. A garantia do abastecimento seguro de alimentos e água potável, monitorizando as cadeias de produção e interiorizá-las no continente. A facilidade com que se substitui prioridades sociais por outras que alimentam um sistema desigual mostra apenas que nunca houve falta de dinheiro, houve e há falta de vontade política de eliminar as desigualdades e injustiças sociais. Perante tudo isto, uma desconexão total entre líderes e povo, entre políticos e cidadãos, como pode aguentar uma democracia?

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