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Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
20 de dezembro de 2024 às 16:55

Valores natalícios

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Edição de 5 a 11 de agosto

O sistema económico em que vivemos foi capaz de deturpar completamente o espírito natalício nas últimas décadas, empurrando as sociedades ocidentais para o consumo excessivo e irrefletido, quase como uma imposição social.

Chegou a época do ano em que se respira um ar diferente. Quer seja pelo espírito de partilha e solidariedade que asola as escolas, empresas e sociedade em geral, quer seja pela azáfama que se sente nas ruas das cidades e centros comerciais para garantir que compramos tudo o que precisamos para a noite de Natal.

Comprar. Foi precisamente sobre isso que esta época passou a ser. Comprar presentes para quem gostamos e até para quem não gostamos. Comprar comida para ter uma mesa de Natal farta, mesmo que a comida acabe por estragar-se nos dias seguintes. Comprar para que, na ressaca das festas, possamos aproveitar os saldos e trocar aquilo que recebemos, continuando a comprar.

O sistema económico em que vivemos foi capaz de deturpar completamente o espírito natalício nas últimas décadas, empurrando as sociedades ocidentais para o consumo excessivo e irrefletido, quase como uma imposição social. E o resultado é um impacto ambiental devastador: quilos de desperdício alimentar, toneladas de papel de embrulho usado apenas uma vez, milhares de quilowatts gastos em iluminações decorativas e milhares de euros em prendas que muitas vezes ficam guardadas na gaveta, sem qualquer utilidade, tudo em nome de um consumo desmedido. A Associação Quercus analisou os dados de consumo relativos a esta época do ano e estimou que, em 2021, em Portugal, foram para o lixo após o Natal 1200 toneladas de pinheiros de Natal, 54 toneladas de luzes, 6 milhões de pratos cheios de comida desperdiçada e 12 milhões de rolos de papel de embrulho. Uma época que poderia ser usada para refletir sobre como podemos enfrentar a emergência climática em que vivemos, acaba, na realidade, por ser combustível para perpetuar esse mesmo caos.

Ao mesmo tempo, as marcas aproveitam esta época particularmente sensível para demonstrar preocupação com a sociedade, mesmo que tal não seja uma prática reiterada durante o resto do ano. É nesta altura que chegam campanhas que revertem donativos para organizações sociais, publicidades que nos deixam com a lágrima no canto do olho e tantas outras estratégias de marketing que se aproveitam da sensibilidade das pessoas para garantir que estas continuam a consumir o que precisam e o que não precisam.

É o verdadeiro social washing, uma técnica que visa capitalizar a responsabilidade social das empresas, usando-a como estratégia de marketing em que se demonstra o espírito de solidariedade e generosidade caraterístico desta época, mesmo que não haja um verdadeiro alinhamento com as práticas habituais das empresas.

Isto porque o Natal passou a ser uma época de ter, e não de ser e estar. Passou a ser mais um pretexto para o consumo desenfreado, sem que o consumidor se aperceba disso. E esse excesso de consumo, tão enraizado nesta época, empurra-nos para um ponto sem retorno. Ao amor, solidariedade e partilha junta-se a compra, e esses passaram a ser valores natalícios dos nossos dias.

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