Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
27 de dezembro de 2024 às 07:46

Dividir para conquistar

Capa da Sábado Edição 5 a 11 de agosto
Leia a revista
Em versão ePaper
Ler agora
Edição de 5 a 11 de agosto

O desafio de hoje é superar as divisões impostas por estas narrativas e construir uma resistência unificada que seja capaz de travar o fascismo e a guerra, ao mesmo tempo que evitamos o colapso climático.

Na Roma Antiga, os gladiadores eram figuras marcadas pela brutalidade e pela tragédia. Homens escravizados, prisioneiros ou indivíduos desesperados viam na arena sua última chance de redenção ou sobrevivência, enfrentando lutas sangrentas em condições desumanas. Transformados em mercadoria, podiam ser abatidos pelo capricho de quem financiava os espetáculos, ao mesmo tempo que a elite romana consumia o sofrimento destes seres para entretenimento pessoal.

Os gladiadores, embora de origens diversas, compartilhavam um destino comum: a submissão total ao sistema que lhes era imposto. O método utilizado pelas elites era inspirado na máxima romana de "dividir para conquistar", tornando-os inimigos para que combatessem uns contra os outros até à morte. Usavam essa mesma estratégia também no campo militar, promovendo a divisão entre os povos das regiões que iam conquistando. Ao transformá-los em inimigos uns dos outros, garantiam que esses povos se esqueciam do verdadeiro inimigo comum, tornando-os assim mais fáceis de dominar e controlar.

Séculos após o colapso do Império Romano, podemos traçar alguns paralelismos com as sociedades contemporâneas. As elites económicas e políticas da atualidade perpetuam o seu poder ao lucrarem com o sofrimento das populações mais vulneráveis, ao mesmo tempo que têm vista privilegiada para o desenrolar das crises que elas mesmas alimentam. Estas elites, que representam apenas 1% da população mas detém para si dois terços da riqueza mundial criada, financiam a destruição e o caos, quer seja através do financiamento das campanhas eleitorais da extrema-direita, da indústria fóssil ou do armamento que alimenta o genocídio na Palestina. Usam como narrativas discursos racistas, xenófobos e fascistas para plantar desconfiança entre grupos sociais e voltar as pessoas umas contra as outras, fazendo-as esquecer que têm um inimigo comum que perpetua as desigualdades de que essas mesmas elites sempre beneficiaram.

Os gladiadores modernos são os trabalhadores precários, os imigrantes marginalizados e os cidadãos que enfrentam a crise climática, social e política ao mesmo tempo que lutam pela sobrevivência diária. São estes que involuntariamente apontam o dedo ao seu vizinho, tornam-se sectários e dividem as lutas que enfrentam, acabando por fortalecer o seu inimigo comum.

O desafio de hoje é superar as divisões impostas por estas narrativas e construir uma resistência unificada que seja capaz de travar o fascismo e a guerra, ao mesmo tempo que evitamos o colapso climático. Tal como os gladiadores na arena ou os povos conquistados pelos romanos, enfrentamos um inimigo comum. E só conseguiremos fazê-lo se evitarmos a separação que nos querem impingir. O movimento The Surge é uma resposta a isso mesmo, numa mobilização internacional contra o fascismo,

pela libertação da Palestina e pela justiça climática tem o objetivo de unificar as lutas contra uma ameaça comum.

Apenas a consciencialização não será suficiente para nos salvar. Reconhecer que estas ações visam transformar-nos em gladiadores modernos é apenas o primeiro passo. Precisamos de agir e unir esforços, mobilizando-nos de forma coletiva, pois todas essas lutas, no fundo, fazem parte de uma única luta comum. Só assim podemos resistir ao sistema que lucra com o sofrimento humano enquanto destrói o planeta. Que esta analogia histórica seja mais do que um alerta e se torne o impulso para nos unirmos e enfrentarmos, de forma coletiva e organizada, aqueles que lucram com o caos.

Mais crónicas do autor
21 de fevereiro de 2025 às 21:54

A chegada do navio

Depois do verão mais quente de sempre e dos mais recentes tsunamis geopolíticos, que têm comprometido a estabilidade global e os compromissos internacionais para o combate às alterações climáticas, esta organização traz consigo uma vontade redobrada de fazer cumprir os compromissos portugueses quer ao nível nacional e internacional.

07 de fevereiro de 2025 às 13:32

Ciência ou ideologia?

Estas propostas foram rotuladas como "terrorismo ideológico e ambientalista", ignorando os dados científicos que as fundamentam.

24 de janeiro de 2025 às 19:34

Os donos disto tudo

Este descuido permitiu que os oligarcas da era digital minassem os sistemas económico e político, enquanto que a União Europeia tenta agora recuperar a autoridade que lhe escapou por entre os dedos.

10 de janeiro de 2025 às 21:53

Karma ou Causalidade?

As imagens apocalípticas dos incêndios parecem, assim, uma premonição do caos que se avizinha, especialmente tendo em conta que acontecem mesmo antes da tomada de posse de Donald Trump, um dos mais notórios promotores do negacionismo climático a nível internacional.

03 de janeiro de 2025 às 22:05

O relógio não para

As odes de revertermos a situação climática para onde caminhamos parecem cada vez mais escassas e o aproximar do final da década deixa-nos cada vez com menos tempo.

Mostrar mais crónicas