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Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
19 de janeiro de 2024 às 08:05

Na cauda da Europa

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Edição de 5 a 11 de agosto

Olhando rapidamente para a constelação de linhas férreas europeias, a discrepância portuguesa face a estas redes internacionais é bem visível: Portugal é um país desconectado de si mesmo, da mesma maneira que está desconectado do resto da Europa.

Comboios obsoletos, horários pouco fiáveis e linhas maioritariamente concentradas no litoral, são estes os principais traços que caraterizam a linha férrea portuguesa. Apesar de já termos perdido a conta da quantidade de vezes que ouvimos falar na modernização da ferrovia, ventos de mudança vindos da Europa parecem tornar esta promessa uma realidade.

A modernização da ferrovia é considerada um pilar essencial na adaptação às alterações climáticas no continente europeu. Esta tem a capacidade de diminuir radicalmente as emissões de gases com efeito de estufa no setor dos transportes que, no caso português, representam mais de um quarto das emissões produzidas anualmente. Para além disso, pode conectar o país de Norte a Sul, Este a Oeste, dando maior oferta de mobilidade às populações e potenciando o seu desenvolvimento económico e social. Nesse sentido, milhares de euros vindos de fundos externos foram disponibilizados para que a esta modernização fosse possível.

Olhando rapidamente para a constelação de linhas férreas europeias, a discrepância portuguesa face a estas redes internacionais é bem visível: Portugal é um país desconectado de si mesmo, da mesma maneira que está desconectado do resto da Europa. Encontra-se nos últimos lugares dos rankings da construção da ferrovia e nos primeiros na construção de estradas, tendo sido o terceiro país da União Europeia que mais investiu na rede rodoviária desde 1995. Este investimento foi mais do triplo daquele que foi investido na ferrovia para o mesmo período de tempo. Por isso, por mais que os fundos europeus ajudem, não são suficientes para reverter a situação de um país que durante tantos anos teve as prioridades trocadas. Um país que durante décadas teve como maior preocupação política a criação de infraestruturas que incentivassem o uso do carro, ao mesmo tempo que se deixava centenas de kilómetros de linha férrea ao abandono.

Numa tentativa de alterar este cenário e acompanhar o resto da Europa, é lançada a abertura do concurso público para a construção da linha de alta velocidade capaz de ligar Lisboa-Porto numa hora e 15 minutos. Contudo, este desejo de Portugal acompanhar o ritmo europeu nas transições para uma mobilidade ambientalmente mais sustentável, parece ser fogo de vista. Apesar dos comboios de alta velocidade serem imperativos para competir com a rapidez que o avião, prevê-se que esta linha apenas esteja concluída depois de 2030. E se acontecer como outros projetos ferroviários já em curso, pelo andar da carruagem, só lá para 2050.

Esta linha vem acrescentar velocidade ao serviço alfa-pendular já existente ao mesmo tempo que acentua as desigualdades ferroviárias entre o interior e o litoral. Pensando especificamente no comboio alfa-pendular, a sua ligação é de alta qualidade e relativamente rápida mas cara quando comparado com o preço do autocarro ou até mesmo do avião. O problema não é necessariamente a rapidez, mas sim a falta de preços acessíveis e incapacidade de cumprir horários.

Numa altura em que se fala tanto em coesão territorial, as prioridades deveriam ser na construção de linhas do interior enquanto se criam incentivos para maior utilização das linhas do litoral. Antes de começar construções megalómanas, é fundamental reformar o que já existe. Para isso é preciso maior regularidade de horários, reforço de comboios nas horas de ponta e promoção da intermodalidade. É também crucial praticar preços capazes de competir com qualquer outro meio. Estas medidas não precisam de grande infraestrutura e não são exclusivas dos grandes centros urbanos, podendo ser praticadas nos comboios de todo o país caso haja essa necessidade. Mais do que isso, não precisam de esperar por 2030 para que sejam aplicadas.

A modernização da ferrovia pode ter um papel fundamental para unir o país ainda esta década, mas apenas se houver vontade e visão política. Esta deve ser uma política pública central e prioritária para do desenvolvimento do país, transversal a qualquer cor partidária, caso contrário continuaremos eternamente na cauda da Europa.

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