Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
29 de março de 2024 às 10:34

Ministério sem ação climática

Estes anos exigem grandes transformações para acelerar a transição energética, repensar a mobilidade e reinventar os métodos de produção.

Depois de todo o alvoroço eleitoral, surgem finalmente os nomes que irão encabeçar os ministérios do novo governo. Desde a saúde à defesa, passando pela habitação e ambiente, novos rostos ganham destaque na esperança de conseguirem aguentar uma legislatura que se avizinha bastante turbulenta.

Para além de todos os conflitos ativos que nos rodeiam além fonteiras, a crise de habitação sem precedentes e a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde, a década 2020-2030 é considerada crucial para o combate às alterações climáticas ao nível europeu. Estes anos exigem grandes transformações para acelerar a transição energética, repensar a mobilidade e reinventar os métodos de produção. Caso os países europeus não assumam essa responsabilidade climática, será muito difícil garantir que o planeta se mantenha abaixo do aumento da temperatura média global de 1.5º Celsius até 2050, tal como previsto no Acordo de Paris. Esta meta torna-se ainda mais ambiciosa ao considerarmos que, neste momento, a temperatura já aumentou cerca de 1.2º Celsius, após 2023 ter sido o ano mais quente da história.

Ao mesmo tempo que lutamos para cumprir estes objetivos, é igualmente necessário criar condições para que o país tenha uma resposta resiliente às múltiplas crises que se avizinham, tal como a seca, quebras de produção na agricultura, subida do nível médio das águas do mar e eventos extremos imprevisíveis que já estão a pôr à prova este jardim à beira-mar plantado. Assim, parece-me quase irónico que no mesmo dia em que a capital do país é asolada por um tornado repentino e cheias intensas, a Ação Climática desapareça do novo Ministério do Ambiente e Energia.

A mudança de nome pode ser considerada por muitos pormenor insignificante, mas demonstra as prioridades governativas que existem. O tornado e as cheias ilustram perfeitamente a necessidade de vermos a ação climática como prioritária para o país, pois a gestão eficaz do meio ambiente e da própria energia, decorrerá da capacidade de sermos resilientes perante a crise climática e não o contrário. A crise climática deveria ser a prioridade central do ministério, sendo a preservação do ambiente e a transição energética apenas duas das múltiplas frentes são necessárias de atacar.

A liderar este ministério temos a professora Maria da Graça Carvalho, eurodeputada e ex-ministra da Ciência e do Ensino Superior. Apesar de saber da sua proximidade com os temas da energia, surpreende-me que alguém com o seu currículo e que está tão próxima das políticas dos restantes países europeus permita que a Ação Climática deixe de estar no nome da sua pasta ministerial. Até porque, olhando para outros países da Europa, vemos que muitos deles, têm a indícios da palavra clima em pelo menos um dos seus ministérios. Tal é o caso da Alemanha (Assuntos Económicos e Ação Climática), dos Países Baixos (Assuntos Económicos e Política Climática), da Dinamarca (Clima, Energia e Serviços Públicos), do Luxemburgo (Ambiente, Clima e Biodiversidade) e da Bélgica (Clima, Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Pacto Verde).

Mais importante que o nome do ministério será a ação que este será capaz de alavancar. Há uma Lei de Bases do Clima por cumprir, com planos de mitigação e adaptação às alterações climáticas por implementar. Há diretivas europeias para serem transcritas e metas para serem alcançadas. Há um distanciamento da sociedade civil que precisa de ser encurtado e uma necessidade gritante de aumentar a literacia climática na população. Há eventos extremos imprevisíveis que precisam de soluções rápidas e eficazes.

Acima de tudo, há um país que precisa urgentemente de respostas para uma crise que tem o potencial de agravar todas as outras e, portanto, deve ser vista como prioritária. O Ministério do Ambiente e Energia terá de ser o principal responsável por trazer este tópico para o centro da agenda política, caso contrário corre o risco de ficar conhecido como ministério sem ação climática.

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