Sábado – Pense por si

Ana Gabriela Cabilhas
Ana Gabriela Cabilhas Nutricionista e deputada do PSD
03 de junho de 2024 às 08:56

O peso da má alimentação 

Estima-se que o excesso de peso e a obesidade já pesem, de forma direta, em 10% das despesas de saúde em Portugal.

As primeiras estratégias no desenho de políticas alimentares tinham como preocupação assegurar o aporte suficiente de alimentos essenciais a todos. Só mais tarde se começou a associar a perda de anos de vida saudável à alimentação inadequada, com objetivos claros em melhorar o estado nutricional e a saúde das populações. 

Nunca se falou tanto de políticas de alimentação e nutrição como nos dias de hoje e nunca as pessoas estiveram tão sensíveis para aquilo que comem, com quem, quando e onde fazem as suas refeições. Ainda assim, a perceção pessoal sobre ter uma alimentação saudável é complexa e reflete as experiências culturais, sociais e o ambiente envolvente, mas também o grau de literacia alimentar e de literacia em saúde. A desinformação, que grassa nas redes sociais ou até em livros de culinária, alimenta ideias erradas e atribui um peso indesejado a dietas da moda e receitas milagrosas. O passa-a-palavra chega a ser demasiado eficiente. Também sabemos que as desigualdades económicas, o poder de compra e o impacto da inflação influenciam as nossas escolhas alimentares. 

O peso da má alimentação reflete-se na vida das pessoas, porque o acréscimo de anos de vida que foram conquistados estão a ser substituídos por anos de vida com doença, e na própria sustentabilidade dos serviços sociais e de saúde. Estima-se que o excesso de peso e a obesidade já pesem, de forma direta, em 10% das despesas de saúde em Portugal. E, de forma paradoxal, somos dos países da OCDE com menor gasto per capita em prevenção em saúde.  

Esta semana foram divulgados os resultados de 2021 do Global Burden Disease Study. Os hábitos alimentares inadequados dos portugueses foram o quinto fator de risco que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudável e o terceiro fator de risco que mais contribuiu para o total de mortes. Quando o estudo olhou para a evolução dos determinantes da doença e dos anos de vida saudável perdidos na última década, verificou-se que o excesso de peso ganhou maior preponderância, ocupando agora a segunda posição nesta lista, ultrapassando já o tabaco.  

Dos hábitos alimentares inadequados que mais concorreram para que os portugueses vivessem menos anos com saúde destacam-se o elevado consumo de carne vermelha, carnes processadas e sal e o consumo insuficiente de cereais integrais, fruta e hortícolas (a boa notícia é que estes fatores são preveníveis e modificáveis). Embora a Dieta Mediterrânica seja um modelo alimentar com grandes benefícios para a saúde, longevidade e qualidade de vida, este património parece não estar a passar de geração em geração e a sua adesão mantém-se aquém do desejável.  

Se o progresso científico abriu caminho para permitir uma melhor compreensão do consumo alimentar das populações e o seu impacto na saúde, integrando áreas desde a agricultura, ao ambiente, coesão social e economia, então estes avanços não podem deixar de ser refletidos nas políticas de saúde. Se o fardo da má alimentação é demasiado pesado, então deve ser devidamente ponderado na balança das políticas públicas.

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