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Ana Gabriela Cabilhas , A Direção
06 de janeiro de 2025 às 08:00

Analfabetismo deste século

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Edição de 5 a 11 de agosto

O relatório "O consumidor de comunicações eletrónicas" da ANACOM mostra que 20% dos portugueses entre os 55 e os 64 anos nunca acedeu à internet e que o valor ascende aos 42% entre os 65 e os 74 anos, enquanto a média europeia é de 8% e 22%, respetivamente.

Mais um dia de azáfama numa grande superfície comercial com as trocas das prendas de Natal. Entrei numa loja de vestuário quase lotada. Para quem não desejava realizar trocas – cuja fila era enorme - e queria apenas fazer compras, a melhor solução foi a caixa de pagamento automático ao invés da caixa de pagamento tradicional. Dirigi-me depressa ao terminal automático. Admirei a eficiência do uso da tecnologia, que aos meus olhos promete um processo mais rápido e prático e, como tal, uma melhor experiência. Assim foi, com a própria máquina a fazer a listagem dos produtos e a informar o valor total da compra. Tudo isto em menos de um minuto. 

Contudo, logo ao meu lado, um casal de idade mais avançada lutava para compreender o funcionamento do sistema. Estava claramente desconfortável, confuso e à procura de ajuda para acompanhar o ritmo frenético da transformação digital. Só com auxílio concluiu a compra. Esta experiência (que não podemos aceitar que seja repetida) reflete um dos maiores desafios da transição digital, que tem estado a erguer barreiras e a tornar-se num fator de exclusão, principalmente para as franjas da população que já são mais vulneráveis. 

Este episódio não pode ser dissociado da realidade nacional. O relatório "O consumidor de comunicações eletrónicas" da ANACOM mostra que 20% dos portugueses entre os 55 e os 64 anos nunca acedeu à internet e que o valor ascende aos 42% entre os 65 e os 74 anos, enquanto a média europeia é de 8% e 22%, respetivamente. O motivo mais referido pelas famílias para não usarem internet em casa é não saberem utilizar, seguindo-se razões associadas ao custo e, depois, por considerarem pouco útil ou interessante. A proporção de portugueses em situação de reforma e com menor nível de escolaridade que nunca usou internet é elevada (39% e 27%, respetivamente), e bem superior à média europeia (17% e 14%, respetivamente). O último relatório sobre o estado da Década Digital da Comissão Europeia aponta desafios significativos na melhoria das competências digitais dos portugueses. Apenas 56% da população possui, pelo menos, o nível de competências digitais básicas, quando a iliteracia digital é o analfabetismo deste século. 

"O digital não pode ser uma ferramenta para alguns, mas uma oportunidade para todos". Assim diz a Estratégia Digital Nacional, recentemente apresentada pelos Ministros da Juventude e Modernização e da Educação, Ciência e Inovação, que merece destaque pelo caminho traçado. Saliento um dos objetivos, ambicioso, mas necessário: 80% das pessoas entre os 16 e os 74 anos terem, pelo menos, competências digitais básicas até 2030. A literacia digital é essencial para uma inclusão digital bem-sucedida e para uma participação plena e segura numa sociedade onde a tecnologia tem de estar ao serviço das pessoas. 

Só com visão, objetivos estratégicos, metas, programas estruturados e planos de ação com medidas concretas é que evitamos que a transição digital se torne mais numa fonte de problemas do que numa fonte de soluções. A Estratégia Digital Nacional traz um novo fôlego. Se o desafio é digital, a transformação é um esforço humano e um compromisso conjunto. O histórico de estratégias e planos que nunca saíram do papel não é mais do que isso mesmo, passado. Portugal está hoje com uma determinação inabalável para seguir em frente e progredir na construção de um País renovado, moderno, mais justo e competitivo.  

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