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Na música e no amor, "libertação": 10 canções para lembrar Sara Tavares (1978-2023)

Em 1994 tornou-se uma estrela e durante a carreira foi gravando música que terá agora de ser redescoberta e reavaliada. Sem nunca parar de se inventar, Sara Tavares morreu este domingo, com 45 anos.

Gonçalo Correia 20 de novembro de 2023 às 13:34
Ana Trindade / D. R.

Quando a respiração é canto, a oração torna-se canção e o amor é um caminho de "libertação", a magia musical revela-se. Sara Tavaresmorreu este domingo, com apenas 45 anos. O legado que deixa terá agora de ser reavaliado, porque Sara não foi nunca, apenas, a "miúda do Chuva de Estrelas" ou a cantora deChamar a MúsicaeEu Sei, duas canções que fizeram sucesso nos anos 1990. 

Tão espiritual quanto física, tão cósmica quanto vivida, a música deixada por Sara Tavares foi-se renovando com os anos. Recentemente, chegavam pistas de que ainda não a conhecíamos totalmente - como nos cantava em 2009, "verbo ser é verbo nascer". Estas são dez canções que servem de súmula (incompleta, parcial) de uma carreira invulgar.

Chamar a Música (1994)

No mesmo ano em que vence a primeira edição do concursoChuva de Estrelas- graças a uma interpretação melodiosa e nada histriónica da exigente One Moment in Time, de Whitney Houston -, Sara Tavares apresenta-se no Festival da Canção e vence o concurso da RTP com aquela que se tornaria a canção mais reconhecida da sua carreira.

Com composição musical de João Oliveira e letra de Rosa Lobato de Faria, Chamar a Música já foi alvo de versões (por exemplo, de Samuel Úria, incluída num disco em que a própria Sara Tavares se atira deliciosamente a Problema de Expressão, dos Clã) mas continua insuperável na versão original.

https://youtu.be/1wN4lK8cwGg?si=GDEHUVc2n_ytWNZb

Eu Sei... (Insp. no Salmo 139) (1999)

Depois de um primeiro álbum gravado com uma banda de gospel, revelador das suas origens (começou a cantar na igreja) e ainda à procura do seu espaço e da sua linguagem musical, Sara Tavares edita em 1999 o seu primeiro álbum a solo,Mi Ma Bô. A espiritualidade deEu Sei, escrita com influência bíblica, é ainda hoje sintomática de uma visão sobre a vida e o mundo terreno muito própria. É outro êxito que logrou resistir ao tempo.


Balancê (2005)

Embora o género world music - expressão vista hoje por muitos como etnocêntrica - fosse redutor para os caminhos de liberdade sonora, estética e lírica procurados por Sara Tavares, que procurava incorporar a tradição sem a mimetizar, o seu segundo álbum,Balancê, é um dos momentos de maior aproximação de Sara Tavares à tradição da canção cabo-verdiana e à incorporação de ritmos tradicionais de outros países africanos.

O álbum, editado internacionalmente e cuja repercussão interna talvez tenha ficado aquém do que se impunha, tem excelentes momentos, comoEss Amor,Guisa,NovidadiouDe Nua(dueto com Ana Moura), mas a canção que deu título ao álbum, que tem agora de ser redescoberto, foi um sucesso previsível, peloswinge pelo balanço quente e envolvente do tema. 


Bom Feeling (2005)

Do mesmo disco editado em 2005,Balancê, constava estaBom Feeling, outra canção que terá ficado na memória dos portugueses (a utilização do tema num anúncio publicitário terá certamente contribuído para tal) e de uma leveza que serve também como boa carta de apresentação.

https://youtu.be/RfSQ5E3a8MI?si=nTwU8xcx5XJoyId0

Ponto de Luz (2009)

SeBalancêprecisa de ser redescoberto, o raciocínio aplica-se ainda com mais acuidade aXinti, álbum editado em 2009, estranhamente subvalorizado e seguramente um dos marcos da música portuguesa e da música lusófona neste século. Disponível em plataformas digitais como o Spotify, poderia estar aqui representado em várias das suas canções - da excelentePE na StradaaDi Alma, passando porBué (Você É)eSo d'Imagina- mas como não destacarPonto de Luz, espécie de ansiolítico natural escorrendo mel, transbordando de ternura? 


Coisas Bunitas (2017)

Não foi Sara Tavares que chegou cedo de mais à música portuguesa, foi Portugal que chegou tarde de mais a uma apreciação mais livre, descomplexada e massificada dos ritmos musicais afro-portugueses e afro-descendentes.Fitxadu, o último álbum de Sara Tavares editado em vida, saiu em 2017, numa altura em que a música negra finalmente começava a ganhar o espaço reivindicado nomainstream. Ainda assim, talvez por preconceitos sobre a identidade artística da cantora (pelo sucesso deChamar a MúsicaeEu Sei, porventura),Fitxadu, nomeado à época para um Grammy Latino, não teve o reconhecimento devido em critérios como a originalidade e a inventividade musical.

Ouvida com alguma atenção,Coisas Bunitasé quase indiscutivelmente uma das grandes canções da música portuguesa nos últimos largos anos. Como em grande parte da carreira, doce, envolvente e luminosa.

Ter Peito e Espaço (2017)

No mesmo álbum,Fitxadu, outra obra-prima absoluta.Apresentada na final da Eurovisão 2018, em Lisboa, numa versão alternativa, remisturada por Branko e com o rapper Plutonio como convidado,Ter Peito e Espaçoé na sua versão original melodica e poeticamente arrepiante, um exercício místico-musical além terreno, tão cósmico quanto físico:

https://youtu.be/HihIFI52SQ8?si=lQo-3QZi5pKZ_4zp


Não é a última canção revelada pela cantora e autora - essa foiKurtidu, há meros dois meses, sendo que nos últimos tempos saíram aindaPresensaeMumentu- mas estaGrog d'Pilha, lançada há um ano (novembro de 2022), é extraordinária, nova prova de que Sara Tavares estava a renovar-se e a encontrar novos ritmos e novos versos para a sua canção. Não se tratava apenas de estar sintonizada com o presente, mas de o estar a inventar como portal para o futuro. Que a dança sirva de homenagem.

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