O psicólogo falou com a SÁBADO sobre como devemos criar diálogos capazes de construir pontes, mesmo com aqueles com quem temos mais diferenças.
No dia-a-dia é comum vermo-nos encurralados numa conversa difícil, até pode ser com alguém que nos é próximo mas com quem discordamos profundamente sobre um tema que, na nossa prespetiva, só tem uma resposta. Foi numa tentativa de resolver estas situações que o psicólogo Nuno Costa escreveu o livro Já Não Sei Que Te Diga! O Papel do Diálogo Construtivo no Nosso Dia-a-Dia e é também sobre estas dificuldades que falou com aSÁBADO.
Vítor Mota/Sábado
O que faz com que tenhamos mais dificuldade em ouvir e aceitar as opiniões dos outros?
Acho que sempre existiram dificuldades em dialogar com as outras pessoas. Mas existem alguns estudos, ainda não muitos, especialmente nos Estados Unidos, que mostram que nos últimos anos a polarização tem aumentado. A polarização feita exatamente das ideias que se encontram em polos completamente opostos, sem existir um intermédio onde se cruzam, o que dificulta muito a comunicação.
Além das ideias estarem mais polarizadas, acho que elas nos chegam de uma forma mais carregada, o que dificulta muito encontrámos pontos em comum. A polarização só por si não traz problemas, na verdade, até é bom nós termos ideias que são diferentes, o problema são as consequências da polarização que podem fazer com que, por exemplo, duas pessoas que trabalham juntas tenham posições tão diferentes que não são capazes de ter uma conversa ou beber um café juntos, o mesmo acontece com familiares, amigos.
No livro refere que precisamos de fazer uma "transição para um diálogo construtivo". Existe algum ponto em que esse diálogo chega a ser impossível?
Esta é uma questão que me colocam algumas vezes e a resposta é um bocadinho como aquela dos limites do humor, depende de pessoa para pessoa, mas eu diria que uma linha vermelha é claramente sentir que a outra pessoa não me respeita e não me valoriza ou não valoriza as minhas ideias, há pessoas que até me denigrem enquanto ser humano ou não me reconhecem a humanidade e eu acho que isto é uma linha vermelha.
Mas no geral depende do que é que cada um de nós está disposto, podem existir ideias sobre as quais nem queremos conversar, mas depois há outras para as quais nós temos uma maleabilidade maior.
O problema pode ser quando quase todos os assuntos passam a ser indiscutíveis?
Exatamente, e foi também essa ideia que me levou a escrever este livro. O livro parte de uma dificuldade minha com um amigo, a quem chamo Leonardo. À medida que fui falando com ele, fui percebendo que tínhamos visões diferentes, eu achava uma coisa, ele outra. Discordávamos e eu pensava, ok, se calhar não vou por aqui, mas depois íamos para outro tema e chegávamos à discórdia outra vez e depois íamos a outro tema e chegávamos à discórdia.
Até que pensei: 'será que tenho de deixar de ser amigo desta pessoa porque ela pensa de uma forma diferente de mim? Ou tenho de encontrar aqui uma nova forma de estar na relação com ele?' Foi assim que cheguei à questão do diálogo, porque se estiver a discutir com ele ou a argumentar, estou a tentar convencê-lo pela lógica, ganhar pela racionalidade. Mas se estiver a dialogar, só tenho de me preocupar com três coisas:ir para aquela conversa com abertura e com curiosidade; apreciar a discórdia, apreciar mesmo o facto de estarmos a ser capazes de ver ali perspetivas diferentes; e sair daquela conversa com a relação um bocadinho melhor do que ela estava no início. Portanto, quero continuar a falar sobre aqueles temas, a discutir aqueles temas, porque fomos capazes de o fazer de forma elevada, com respeito, mostrando empatia e compreensão por aquilo que cada pessoa defende.
Como é que a psicologia pode assumir um papel neste processo de construirmos pontes e conseguirmos dialogar?
Durante todo o livro explorei estratégias da psicologia que me ajudassem a ter conversas com este meu amigo, a manter um diálogo em aberto. Cada um tem que as adaptar à relação que tem, mas podemos aqui sinalizar algumas coisas, nomeadamente, partirmos para a relação e para a conversa com mentalidade cientista. Isto significa que temos um ponto de partida com poucas ideias fechadas, mas com muita curiosidade, partimos de um ponto em que tentamos pensar 'como é que o meu modo de ver o mundo pode estar errado? Que evidências é que a outra pessoa tem para mim?' Porque muitas vezes, se nos predispomos a mudar, ajudamos também a outra pessoa a dar esse passo. Outra questão, é que geralmente focamo-nos muito nos factos, nos argumentos e na racionalidade, quando as nossas ideias vêm muito da nossa história, das relações mais próximas que tivemos, do nosso contexto de vida e conhecer a história da outra pessoa, o que é que a faz acreditar naquilo que a move, é muito importante para podermos não só dialogar, mas para também a ajudar a mudar de alguma forma.
Devemos também pensar, por exemplo, sobre os nossos valores partilhados. Temos a ideia de que as nossas visões do mundo são totalmente distintas, mas até defendemos linhas muito semelhantes, defendemos valores que são semelhantes, só que de uma forma diferente. Precisamos mesmo de uma mudança de mentalidade. Mesmo no espaço público, tenho sempre alguma dificuldade em encontrar quem esteja a ter um diálogo construtivo e não necessariamente um debate onde a pessoa está a querer ganhar ou um artigo de opinião em que está a defender a sua ideia. Temos esta ideia de que as ideias que nós defendemos são parte da camisola identitária que vestimos e, por isso, pode ser muito assustador mudar de ideias. Até porque as nossas ideias não são ilhas, dentro das nossas ideias estão, provavelmente, as nossas pessoas de referência que defendem também aquelas ideias e atacá-las é atacar todo este mundo.
A época festiva é uma altura em que as pessoas se juntam e é muito fácil as discussões escalarem. Como é que podemos lidar melhor com estes momentos?
Ainda não fizeram um filme sobre o grande mistério do Natal de se quererem resolver todos os problemas do mundo à mesa e eu ainda não percebi o porquê. Mas há qualquer coisa, a família junta-se, senta-se e pensa: Só saímos daqui quando resolvermos todos os problemas do mundo. Por um lado, é legítimo nós não queremos ter conversas dessas à mesa de jantar, até porque possivelmente não vai ser o sítio mais produtivo para as termos. É possível excluirmo-nos e dizermos "Vou ver o Sozinho em casa, fiquem lá vocês aí a ter essa conversa". Por outro, podemos participar na conversa definindo os moldes em que o queremos fazer. Podemos fazê-lo definindo logo à partida os limites, ou seja, vou participar nesta conversa, mas se estivermos a chegar a uma altura em que nos estamos a exaltar, vamos decidir entre todos mudar o tema. Ou seja, definirmos os termos da conversa, podemos também estar atentos aos pontos que temos em comum e isto é um exercício que é sempre muito difícil. Podemos também aproveitar para valorizar a identidade familiar, em vez destas iniciativas quase competitivas, podemos antes ativar um modo de cooperação, seja ver um filme, falar sobre o que é que a pessoa foi capaz de fazer durante o ano, recordar as histórias de família.
Referiu no livro que a primeira vez que se sentiu enganado foi ao descobrir que o Pai Natal não existia. Hoje em dia muitos pais questionam se devem introduzir as crianças neste imaginário, por poder ser considerado um engano. Existe alguma resposta para este dilema a nível psicológico?
Do ponto de vista social, acreditar no Pai Natal pode ter alguma influência positiva, mas não sei muito bem qual a importância disto. Quando escrevi sobre essa questão estava mais a pensar, no fundo, sobre a exposição a uma ideia falsa. A ideia do Pai Natal é a minha primeira exposição a desinformação, digamos assim. Porque é uma ideia que nos chega por parte de uma figura de autoridade, que são os nossos pais, pessoas em que confiamos cegamente, é uma ideia que é replicada por todos os meios de comunicação e em que todas as pessoas da nossa idade também parecem acreditar. Apesar de defender que a discussão racional é muito importante, precisamos de uma outra dimensão, que é exatamente esta do social, porque acreditar no Pai Natal cria uma espécie de comunidade em torno disso, também as ideias falsas, também a desinformação, têm este pendor de criar um grupo em torno disto.
Os diálogos construtivos também estão a faltar na esfera política?
Se formos ouvir os debates ouvimos muito essa linguagem polarizadora. Há muita coisa que a população não tem acesso, por exemplo, as reuniões entre diferentes partidos e lá, se calhar, até usam mecanismos de diálogo entre uns e os outros, porque de facto é necessário diálogo para conseguirem avançar políticas. Mas o que transparece para a população são os debates e aí a linguagem é sempre muito polarizadora. Os políticos podem também ter um papel importante neste processo, um papel de expor as suas ideias sem necessariamente as fechar em torno de uma só ideologia.
Nuno Costa: "A polarização faz com que dois colegas deixem de conseguir beber um café juntos"
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