Sábado – Pense por si

Governo garante que nunca houve acordo sobre não entrega de declarações ao TC

Ricardo Mourinho Félix diz que a isenção de apresentar as declarações de rendimento e património pelos administradores da CGD foi falada de forma "esporádica"

O secretário de Estado adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, considera que o antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos António Domingues "materializou como realidade" algo que não o era, a isenção de apresentar as declarações de rendimento e património. O governante respondia a questões do deputado do PSD José Silvano numa audição parlamentar na segunda comissão de inquérito sobre o banco público, que investiga o processo de nomeação e a saída de António Domingues da liderança executiva da CGD. 

"O doutor António Domingues teve a percepção de algo que materializou como sendo a realidade", de que a alteração no Estatuto do Gestor Público traria a isenção de apresentar as declarações no Tribunal Constitucional (TC), algo "que não se materializou", disse Mourinho Félix.

Depois, a deputada do PS Odete João considerou, como antes o havia defendido o parlamentar comunista Miguel Tiago, que o objecto desta comissão de inquérito está "esgotado", e o "cerne das questões que interessam aos portugueses" e depositantes da CGD está no processo de recapitalização do banco.

Mourinho Félix considerou que uma eventual resolução da CGD "teria efeitos imprevisíveis" e, comparando com o que sucedeu ao BES, teria um efeito "muito superior" nas famílias portuguesas, embora talvez menor no que refere às empresas, mais ligadas ao banco que era liderado por Ricardo Salgado.

Confrontado pelo PSD e CDS com declarações do governador do Banco de Portugal, na segunda-feira, de que nunca esteve em causa a resolução do banco público, o secretário de Estado confirmou que esse cenário "nunca foi iminente, para a semana que vem". "O que existia era a perspectiva de ter de se recapitalizar um banco público num contexto de ajuda de Estado e isso implicaria a resolução", disse.

Na audição, que durou cerca de três horas e meia, o secretário de Estado foi questionado pelas várias bancadas com perguntas sobre o tipo de informação a que António Domingues teria tido acesso sobre a Caixa, enquanto ainda era administrador do BPI, e sobre pormenores da contratação de uma sociedade de advogados e de uma consultora.

"Quem contratou foi António Domingues, não o Governo", garantiu Mourinho Félix, acrescentando que, como o beneficiário desse trabalhou foi a Caixa, acabou por ser o banco público a "internalizar os custos" dessas contratações, cenário a que o Governo não se opôs.

Mourinho Félix admitiu que, para a elaboração da lei que isentou os administradores da CGD do estatuto do gestor público, existiram conversações com essa sociedade de advogados, situação que classificou como natural. "Mas quem legisla é sempre o Governo", assegurou.

O secretário de Estado recusou também que António Domingues pudesse ter violado o segredo de negócio entre os dois bancos, dizendo confiar na sua experiência de banqueiro de mais de duas décadas.

Ao longo da audição, o governante insistiu que não houve qualquer acordo entre o Governo e António Domingues relativamente à isenção de entrega de declarações no Tribunal Constitucional, matéria que apenas terá sido abordada "de forma esporádica", e garantiu que "não há nenhum documento" na troca de correspondência entre as partes que mencione esse assunto até 15 de Novembro, já depois de a polémica ser pública.

Contudo, Mourinho Félix admitiu que, pessoalmente, teve o entendimento, num primeiro momento, de que a isenção ao estatuto do gestor público também isentaria os administradores da Caixa de entregarem as declarações ao TC, sublinhando que tal não implicaria "um vazio de transparência".

As explicações não convenceram PSD e CDS, partidos que pediram potestativamente (de forma obrigatória) esta comissão. "Tudo fizeram para evitar essa entrega, a transparência passaria para um segundo plano", acusou a deputada do PSD Fátima Ramos. "Há uma série de contradições que considero que não estão esclarecidas", corroborou o deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro.

A segunda comissão de inquérito sobre a CGD tem por objecto avaliar a actuação do actual Governo na nomeação e demissão da anterior administração do banco público, liderada por António Domingues.

A audição do secretário de Estado adjunto e das Finanças foi a terceira desta comissão de inquérito, que tem como um dos pontos centrais apurar se "é verdade ou não que o ministro [das Finanças] negociou a dispensa da apresentação da declaração de rendimentos [de António Domingues]", o que tem sido negado por Mário Centeno e que será ouvido na quinta-feira.