Ouvido no Parlamento, o governador do Banco de Portugal criticou a administração de Jorge Tomé e justificou ter decidido a resolução no final de 2015
O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, apontou o dedo à arquitectura europeia relativa ao sistema financeiro, criticando a descoordenação entre entidades e a falta de escrutínio público sobre as decisões que são tomadas. "A experiência adquirida com o caso Banif suscitou uma série de questões e preocupações que tenho vindo a transmitir às autoridades europeias e nacionais", lançou o responsável durante a sua audição na comissão parlamentar de inquérito ao Banif, esta terça-feira.
"No actual quadro institucional europeu em que temos uma União Bancária incompleta, existe uma assimetria entre quem tem poder de decisão sobre uma instituição bancária e quem tem a responsabilidade pela estabilidade financeira", assinalou, ainda, para especificar: "as autoridades nacionais permanecem responsáveis pela estabilidade financeira, mas a sua decisão está condicionada pelas decisões em matéria de supervisão, de resolução e de aplicação das regras de concorrência que são tomadas no plano europeu".
Segundo Carlos Costa, "esta limitação de poderes e de instrumentos das autoridades nacionais enfraquece a sua capacidade para garantir a estabilidade do sistema financeiro e, dado que não é perceptível pelo cidadão comum, atribui-lhes uma responsabilidade que não tem correspondência em matéria de competência".
O governador realçou que, "em contrapartida, furta os decisores europeus ao escrutínio da opinião pública dos países onde as suas decisões têm impacto".
O líder do regulador da banca portuguesa apontou ainda para "a multiplicidade de entidades a definir e a executar políticas com impacto material na evolução sectorial e nacional do sistema financeiro". Em causa estão o Mecanismo Único de Supervisão, o Mecanismo Único de Resolução e a Comissão Europeia, "cuja actuação não é adequadamente coordenada, nem consistente, apesar das evidentes externalidades negativas que daí resultam", rematou.
Para Carlos Costa, nem a comissão de inquérito dedicada a perceber as razões que levaram ao colapso do Banif devia ser realizada no Parlamento Europeu.
A liquidação teria "efeito sistémico"
Carlos Costa defendeu que a única solução para o Banif era a resolução, que foi tomada de urgência e "na ausência de alternativas viáveis". Para o Governador do Banco de Portugal, a liquidação representava maiores custos e teria um "efeito sistémico" que poria em causa a estabilidade do sistema financeiro. "Apesar de ter uma quota de 3,2% do total de activos do mercado, o Banif era líder nos Açores e na Madeira, com quotas de 45% e 28% nos depósitos e no crédito respectivamente", afirmou Carlos Costa. "Tinha um papel singular na economia dos dois arquipélagos, razão pela qual uma interrupção dos serviços teria impacto necessariamente grave nas duas regiões", explicou. "O BdP concluiu que a operação de recapitalização pública do Banif era a que melhor assegurava a estabilidade financeira e os menores custos para o Estado", afirmou Costa.
O que levou à deterioração do banco?
De acordo com Carlos Costa, a deterioração do banco resultou de cinco factores. O primeiro foi o rápido crescimento do crédito, sem a adequada gestão de risco e com grande concentração; o segundo, uma estrutura de custos operacionais muito pesada face à actividade desenvolvida, com destaque para a expansão no exterior; o terceiro, o reconhecimento de 500 milhões de euros de imparidades, na sequência das inspecções levadas a cabo no quadro da troika e devido a auditoria especial realizada em 2012. Já o quarto motivo foram as maiores exigências impostas pelo Banco de Portugal aos bancos nacionais, na sequência do programa de ajustamento que anteciparam o cumprimento de rácios; finalmente, o quinto foi a degradação da situação económica que conduziu a mais perdas no crédito.
Soluções estudadas pelo regulador a partir de 2012
O Banco de Portugal começou a estudar soluções para resolver a situação do Banif em 2012, quando confrontado com o incumprimento dos rácios de capital. Por isso, o regulador impôs um plano de recapitalização e racionalização de custos e política de crédito. Ao não se conseguir atrair investimento estrangeiro, foi necessário estudar outras opções: a liquidação, mais cara, ou a resolução, que implicava um banco de transição e custaria entre 2500 a 4600 milhões de euros.
Banif: Carlos Costa aponta o dedo às autoridades europeias
Em 2012 optou-se então pela recapitalização pública e foram injectados 1100 milhões de euros (700 milhões em acções e outros 400 por instrumentos híbridos, chamados CoCos, segundo o Jornal de Negócios). Em 2017, no final do plano de recapitalização cuja segunda fase seria suportada por privados, o Banco seria viável. Tal ocorreu com a "garantia da administração do Banif de que conseguia cumprir o plano".
Costa apontou que a viabilidade da instituição bancária "depende essencialmente da capacidade da sua equipa de gestão", criticando a administração liderada por Jorge Tomé.
Banco não se poderia financiar a nível europeu sem resolução ou venda
"Uma resolução em 2016 implicaria uma capitalização interna extensiva que abrangeria os depósitos não protegidos e seria um facto da maior relevância do ponto de vista da confiança dos depositantes do sistema bancário, com risco de contágio a todos os demais bancos do sistema", afirmou Carlos Costa aos deputados, justificando a resolução aplicada em 2015.
Segundo o Governador do BdP, o Banco Central Europeu (BCE) avisou o banco central de Portugal de que uma eventual solução em 2016 envolveria depósitos não protegidos e o prolongar da indefinição em torno do banco teria um "alcance imprevisível" no que refere à "estabilidade financeira nacional".
Banif: Carlos Costa aponta o dedo às autoridades europeias
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