Tarifas de Trump: "Portugal é dos países mais protegidos dentro da UE"
O presidente norte-americano prometeu aplicar tarifas à União Europeia, como fez ao México e ao Canadá. Dois economistas avaliam o impacto que essas medidas podem ter a nível comunitário e em Portugal.
Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos, anunciou a vontade de aplicar tarifas à União Europeia (UE), à semelhança do que fez com o Canadá e com o México. O impacto dessas tarifas não ameaça de forma expressiva e direta a economia portuguesa, referem dois economistas, mas pode ter efeitos perniciosos a nível comunitário, tanto económico como político.
"A UE é muito, muito má para nós. Portanto, eles vão enfrentar tarifas. Não aceitam os nossos automóveis nem os nossos produtos agrícolas. De facto, não aceitam muita coisa. É a única maneira de termos justiça", afirmou o 47.º presidente dos EUA durante uma conferência de imprensa na Casa Branca. O presidente norte-americano não revelou quando ou em que moldes pretende aplicar as tarifas, mas é de esperar que entrem em vigor tão rapidamente como aconteceu com as tarifas impostas ao Canadá, ao México (entretanto suspensas por 30 dias) e à China.
Em resposta à ameaça, a UE prometeu retaliação: "Se houver necessidade de defender os nossos interesses económicos, nós vamos responder na mesma moeda", declarou Valdis Dombrovskis, Comissário do Comércio, à CNBC.
Mas a retaliação é a melhor moeda? Os economistas não concordam, sublinhando que o protecionismo é inimigo da globalização e da competitividade. Filipe Garcia, presidente e economista da IMF - Informação de Mercados Financeiros, espera que a UE não retalie, referindo que "ao entrar numa verdadeira guerra comercial, não sabemos os impactos que isso pode ter na economia". "Mas ainda é cedo, o mundo está todo a tentar perceber como vai lidar com esta situação", reconhece o economista. "O que não podemos fazer é culpar nas tarifas a falta de crescimento da Europa. No quarto trimestre a UE cresceu 0% e a Alemanha já estava em recessão sem as tarifas, não é por elas que vai obrigatoriamente piorar. Não podemos dizer que estava a correr tudo bem e que vieram as tarifas estragar tudo."
"Os economistas, em geral, não gostam de tarifas porque servem para proteger indústrias da concorrência e há perdas de eficiência e no final, quem paga, é o consumidor", comenta Pedro Brinca, professor da Nova SBE e economista, mas sublinha que existe um racional por trás da decisão de as impor.
O mercado norte-americano é um dos principais destinos de exportação para os automóveis de passageiros da UE. Em 2023, foram exportados 40,2 mil milhões de euros (mais de 800 mil unidades), segundo a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA). Já em relação a Portugal, a Associação Automóvel de Portugal (ACAP) informa que, em 2024, a Europa continuou a ser o principal mercado de exportação dos veículos produzidos no nosso território, com uma quota de 87,6%. Segue-se África (5,8%), Ásia (3,4%), Oceânia (2,3%) e, finalmente, a América do Norte (0,9%) com a quota mais pequena de todas.
Quarto maior importador, mas sem expressão global
Ainda assim, os Estados Unidos são o quarto maior destino das exportações de produtos produzidos em Portugal. O mercado americano representa quase 7% das exportações portuguesas e um valor que chega perto dos nove mil milhões de euros. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o peso dos EUA nas exportações de Portugal passou de 5% em 2019 para 6,8% em 2023, com o país a ocupar a quarta posição entre os principais destinos das exportações portuguesas.
"Apesar de Portugal, dentro da UE, ser dos países mais protegidos, que serão menos afetados pelas tarifas norte-americanas. Até porque desde que não haja problema com a entrada de pessoas, Portugal pode continuar a usufruir do turismo norte-americano", garante Filipe Garcia, sublinhando que não vê nenhuma forma das tarifas beneficiarem os consumidores portugueses.
Filipe Garcia relembra que as exportações para os EUA representam 20% das exportações da UE que é um valor significativo mas que não se compara com o Canadá que são 80%. E que há países, como Portugal e Itália cujo peso das exportações para os EUA não é muito significativo, enquanto outros, como a Alemanha, têm um valor mais elevado.
Pedro Brinca, professor da Nova SBE, considera que "as estimativas de impacto de possíveis tarifas impostas por Trump, neste momento, são relativamente baixas". E nota que existem diferentes níveis de impacto tanto a nível sectorial como geográfico. "Há países com sectores que dependem muito do comércio com os EUA que podem ser afetados e também países que serão afetados de forma diferente consoante o nível de negócios com os EUA", refere o economista dando o exemplo da Itália que sentirá pouco o efeito de tarifas enquanto a Alemanha poderá ser mais afetada devido ao volume e tipo de negócios que mantém com os EUA. "A França, por exemplo, tem um grande volume de exportação no setor dos químicos e pode sofrer com as tarifas sobre estes produtos", ressalva.
O economista sublinha que calcular o verdadeiro impacto destas tarifas é difícil já que 50% do comércio mundial não é de produtos acabados, mas sim de bens intermédios, o que "torna muito difícil e incerto prever quão disruptivo será nas cadeias de valor", sendo difícil assim fazer cálculos de como serão impactados os países e o bloco europeu. "E apesar de Portugal ter uma exposição direta baixa, as tarifas sobre a UE que impactarem os produtos alemães vão impactar as nossas próprias importações e exportações de e para a Alemanha."
E o presidente da IMF espera que estas possíveis tarifas não levem os países a tentar negociar unilateralmente com os Estados Unidos. "Isso chocaria contra a política comercial comum e iria enfraquecer a UE. E nesta questão estou mais preocupado com a coesão política da União Europeia do que com a sua balança comercial."
Brinca partilha desta opinião, sublinhando que a "UE sairá sempre prejudicada se não negociar em bloco e ceder à tentação dos Estados-membros negociarem diretamente com os EUA".
Em reação às declarações de Trump, o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, acredita que a UE vai ser capaz de convencer os Estados Unidos a não sobrecarregar o bloco com pesadas tarifas. "Os EUA são um parceiro comercial, um parceiro político de primeira linha da UE. E não há razão para não termos capacidade de demonstrar, com argumentação, as virtudes de termos trocas comerciais que não estejam marcadas por uma excessiva carga tarifária", disse em Bruxelas, onde participa num encontro com líderes europeus.
"Um maior protecionismo envolvendo as maiores economias mundiais — em particular, a imposição de tarifas aduaneiras pelos EUA e de medidas retaliatórias pelos países visados — poderá também pôr em causa as projeções para a atividade mundial, reduzindo o crescimento do comércio internacional", avisou o Banco de Portugal no boletim económico de dezembro.
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