João Rendeiro disse a verdade na entrevista? Um perito responde
É pouco provável, defende Alexandre Monteiro. O especialista ouvido pela SÁBADO encontrou vários sinais de manipulação e de mentira.
Se viu a entrevista de João Rendeiro e começou a pensar num hotel à beira-mar, num país onde se fala português... esqueça. O mais provável é estar a seguir pistas falsas, defende o profiler e especialista em decifrar pessoas Alexandre Monteiro, a quem aSÁBADOpediu que analisasse a entrevista do ex-banqueiro aoTal & Qual/CNN. Primeira dica: "As respostas mais verdadeiras começam por sim ou não. Quando mente, o inconsciente evita dizer sim ou não, porque não se quer comprometer." E o que nos diz a posição da câmara escolhida pelo fugitivo mais procurado do País? "Se não for estudado, indica superioridade. As pessoas que se filmam de baixo para cima geralmente têm um ego elevado."
João Rendeiro vai mesmo ao ginásio e à praia?
É pouco provável, defende Alexandre Monteiro: "Repare que quando o jornalista lhe pergunta se tem uma vida normal, a primeira coisa que ele faz é acenar que não com a cabeça. O corpo responde sempre primeiro." Só depois o aceno passa a afirmativo. O "absolutamente" normal também é pouco credível. "É uma compensação. A verdade é simples, geralmente começa com sim ou não. O absolutamente visa tornar a história mais credível." Além disso, acrescenta, João Rendeiro usa o passado para falar da sua vida: diz "ia ao ginásio", por exemplo. Quando mentimos "temos tendência a usar o passado para nos referirmos ao presente". Conclusão: apesar de querer aparentar uma vida normal, tudo indica que esteja, na verdade, condicionado.
Admite regressar a Portugal?
Aqui, a resposta é diferente. "Não, não vejo nenhum cenário em que isso possa acontecer. O único cenário possível seria não haver condenações ou, havendo condenações, haver um indulto do Presidente." Primeira nota doprofiler: a primeira palavra que usa é não. "A vontade dele não é regressar a Portugal e não tem ideia de o fazer. Quando se refere às condenações e à hipótese de não ser acusado, até faz um afastamento para trás - o que significa que fala nisso, mas não acredita que seja uma hipótese."
Tem alguma outra nacionalidade que não a portuguesa?
João Rendeiro não quer dizer sim ou não - "é uma pergunta bem informada à qual peço desculpa de não responder" - mas esse não é o único sinal que indicia uma mentira provável. "Ainda antes de responder, emite a microexpressão de raiva e, depois, por frações de segundos, a microexpressão de felicidade", explica Alexandre Monteiro. Tradução: o mais provável é que não tenha conseguido esconder totalmente a sua ira por alguém ter descoberto uma coisa que não queria que se soubesse. Depois, também não disfarçou a felicidade por sentir que conseguiu enganar a Justiça. "Quando alguém nos faz uma pergunta destas e nos rimos, em sinal de felicidade, isso indica alguma culpabilidade." É fácil estas microexpressões passarem despercebidas a um leigo - afinal, duram apenas um quarto de segundo. Mas ainda há outros dois indícios: "Antes de responder faz uma oxigenação, uma inspiração mais profunda. Quando queremos fugir de alguma coisa, ou lutar, os músculos precisam de mais oxigénio"; repete, também, a sua microexpressão mais típica nesta entrevista, a de desprezo, um sorriso unilateral, com apenas um lado da boca, que indica manipulação.
Tem falado português desde que saiu de Portugal?
Apesar do "sim, sim, já falei português com pessoas onde estou", não parece ser assim tão claro. "Ele emite duas vezes a microexpressão de desprezo e usa o tempo passado. Se fosse um local onde se falasse português, diria falo português." Resumindo, ou não fala português com ninguém, ou está num local onde o português não é a língua corrente. "Esta microexpressão de desprezo é muito comum em personalidades manipuladoras, ou que de alguma forma se sentem superiores." É possível evitar estes gestos? Com treino, sim, "mas é difícil aguentar o tempo todo, sobretudo com a quantidade de stress que ele revela". E como sabemos que João Rendeiro está tenso? O sinal mais evidente, explica Alexandre Monteiro, é o piscar de olhos quase permanente durante toda a entrevista.
Sente-se responsável pelo que aconteceu à mulher?
É quando se dirige à mulher, ou quando fala sobre Maria de Jesus, que João Rendeiro parece mais sincero, defende oprofiler. "Em alguns momentos até tem tendência a mostrar as mãos, o que revela isso mesmo." Mais: "Repare que ele diz logo ‘sim, claro’ [que me sinto responsável pelo que aconteceu à minha mulher]. Normalmente, nas outras perguntas, ou não responde, ou evita o sim e o não." O sorriso unilateral também aparece aqui. "É muito frequente, o que indica que ele se sente orgulhoso e superior por ter conseguido sair do País sem que ninguém percebesse." Mas, mesmo em relação à namorada de sempre, o mais provável é haver informação escondida. Quando diz que a Justiça, não o podendo apanhar a ele, apanhou a mulher, e quando afirma que "o Ministério Público não tem uma única prova que ligue Maria ao descaminho", faz um levantar de ombros, o que significa que está a omitir informação. "Ele sabe que há alguma coisa em que o Ministério Público pode pegar, mas quer esconder isso." Da mesma forma, antes de falar nas [alegadas] obras de arte falsificadas, projeta a língua para a frente, "mais um sinal de manipulação e de que está a construir a resposta". E há ou não risco de fuga no caso da sua mulher? "João Rendeiro não acredita nisso. Quando diz que acusar a Maria de perigo de fuga é uma injustiça do tamanho do mundo não emite nenhum sinal de manipulação."
Não trabalha onde está fugido, certo?
Antes de dizer "sem trabalhar já não concordo", Rendeiro faz um aceno afirmativo com a cabeça. O normal seria um aceno negativo. Depois, "começa a usar compensações como ‘a verdade’, ‘felizmente’. Se ele trabalhasse, diria logo, eu trabalho", defende Alexandre Monteiro. Mais: quando diz "e, e, e, portanto, o dinheiro que eu ganho" há uma hesitação e um afastamento do corpo. "Não é congruente. Quando acreditamos naquilo que estamos a dizer inclinamo-nos para a frente. Pelo contrário, quando mentimos, tendemos a afastar-nos, com medo de ser apanhados. Nesta resposta ele também tem um piscar de olhos mais demorado, o que indicia que está a pensar numa resposta." E o "trabalho em termos internacionais", uma generalização, juntamente com um compasso de espera antes desta afirmação, parece mostrar que "tem medo de dizer alguma coisa que possa comprometê-lo".
Tem mantido contacto com a sua mulher?
Depois de garantir que apenas tem contacto indireto com Maria de Jesus Rendeiro, o ex-banqueiro sorri e faz uma microexpressão de desprezo. "Isto quer dizer que, muito provavelmente, há aqui alguma forma pela qual ele está a comunicar diretamente com a mulher." Depois, quando afirma que a participação de Maria de Jesus [nos crimes] "é praticamente nula", oprofilertambém não acredita: "Pelas pistas que vemos antes não acredito que estivesse envolvida na venda dos quadros, por exemplo, mas provavelmente teria conhecimento. A participação ou é nula ou não é. Não há praticamente."
Os clientes receberam todos o seu dinheiro?
"Lá está, o que é que ele faz? O sorriso unilateral. Os clientes receberam todos o seu dinheiro? Não me parece." Quando acrescenta que "o Estado recebeu o empréstimo que concedeu", mas que "falta um pequeno acerto", engole em seco. "Isto indicia uma aflição. Quando há picos de adrenalina, porque estamos a mentir, a garganta fica mais seca. Há aqui um desafio ou então não era este o desfecho que ele desejava." Em seguida, na resposta "não há lesados", volta a fazer um compasso de espera e a engolir em seco.
E o imóvel comprado pelo motorista por mais de 1 milhão de euros?
No caso do imóvel vendido em 2015 a Florêncio de Almeida, Rendeiro também quer esconder informação, defende Alexandre Monteiro. Primeiro ao tratar o motorista por "aquela pessoa", uma forma de se afastar dele. "Quando mentimos tendemos a distanciar-nos, porque o inconsciente detesta mentir." Depois ao usar expressões como "pergunta engraçada" e respostas que detalham o currículo do motorista. "Normalmente as pessoas que mentem usam uma técnica que é a névoa, ougaslighting, para descredibilizar as pessoas que acusam. É engraçado e ele vai explicar porquê..." Já a resposta com o currículo e a repetição de "em 2015, em 2015" e de "eu vendi, eu vendi" indicam processos de raciocínio e uma resposta construída.
"Não estava ainda determinado que eu não regressaria a Portugal"
Aqui, João Rendeiro levanta o ombro, o que significa que está a esconder informação, e volta a repetir a microexpressão de desprezo. É normal, defende o especialista: "Quando mentimos temos padrões e não saímos muito deles. Acredito que já estava planeado ele não voltar a Portugal [quando viajou para Londres]." Uma mentira provável que contrasta com a última parte da entrevista. "Quer deixar uma mensagem à sua mulher?", pergunta Júlio Magalhães. "Eu quero", responde Rendeiro, sem conseguir disfarçar a emoção. "Aqui está a ser verdadeiro. Primeiro, começa logo com o pronome pessoal eu. Quando dizemos a verdade, normalmente usamos o eu e, quando mentimos, fugimos aos pronomes pessoais. Depois, usa o presente e emite um sorriso, uma microexpressão de felicidade. Em seguida os lábios sobem e quando diz ‘não consigo’ [falar] tem uma expressão de tristeza em que as sobrancelhas se unem e sobem." Está a ser sincero, defende oprofiler. "A única pessoa que para mim no mundo é verdadeiramente especial é a Maria." Alexandre Monteiro não tem dúvidas: "Aqui, é verdade."
Edições do Dia
Boas leituras!