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EUA querem obrigar Alphabet a vender o Google Chrome. E agora?

A decisão final só deverá ser conhecida em abril de 2025, mas para as advogadas Sofia Matos e Mariana Narciso Rolo, a Alphabet não terá uma saída fácil.

Não há dúvidas que o Google Chrome, o mais popular navegador de Internet do mundo, é um dos produtos mais valiosos da sua empresa-mãe, a Alphabet – mas pode não o ser durante muito mais tempo. Tudo porque o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ), a par de um grupo de estados norte-americanos, quer punir a empresa por práticas anticoncorrenciais. A decisão final só acontece em abril de 2025, mas Sofia Matos e Mariana Narciso Rolo, sócia e advogada da J+legal, acreditam que a Alphabet está em maus lençóis. Saiba tudo neste descodificador.

Silas Stein/picture-alliance/dpa/AP Images

Por que razão quer o governo dos EUA que a Alphabet venda o Google Chrome?

A proposta segue-se a uma decisão de agosto que determinou que a Google tinha mantido um monopólio ilegal no mercado de serviços de pesquisa e publicidade online através de práticas anticoncorrenciais. O juiz Amit P. Mehta, que detém o caso no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito de Colúmbia, recebeu do governo a proposta de venda do Chrome para promover a concorrência: mas estão também em cima da mesa as possibilidades de a Alphabet ser impedida de fazer acordos pagos para que o Google seja o motor de busca automático em smartphones e navegadores, de deixar os rivais mostrar os resultados da Google e estes acederem aos dados durante uma década, ou ainda ter que escolher entre vender o sistema operativo Android, ou impedir que os serviços Google sejam obrigatórios em smartphones Android.

As propostas do governo dos EUA são exageradas?

A Alphabet chamou-lhes "extremamente excessivas", mas o DoJ garante que são não só proporcionais, como necessárias "para corrigir o impacto das práticas anticoncorrenciais da Google", apontam as advogadas, em resposta à SÁBADO via email. "Estas medidas, apesar de rigorosas, são essenciais para corrigir barreiras artificiais criadas pela Google. Este tipo de intervenção não visa apenas restaurar a livre concorrência, mas também proteger os consumidores e a inovação, promovendo um mercado mais justo e equilibrado a longo prazo."

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O que significa este caso para outras grandes empresas tecnológicas como a Apple, Amazon e Meta?

Para Sofia Matos e Mariana Narciso Rolo, o caso é desde já "um marco na aplicação da legislação anti-trust contra as gigantes tecnológicas e pode ser interpretado como uma tentativa do governo norte-americano de redefinir os limites das práticas comerciais admissíveis no setor digital".

"Para empresas como a Apple, Amazon e Meta, o caso serve como um alerta. Estas empresas, que detêm posições dominantes em mercados específicos (como o iOS no caso da Apple, o comércio eletrónico no caso da Amazon e as redes sociais no caso da Meta), podem enfrentar ações similares caso venham a ser identificadas práticas anticoncorrenciais nos seus modelos de negócios", salientam.

Que empresa pode comprar o Google Chrome?

Caso a venda avance – e recorde-se que além da decisão de abril de 2025, a Alphabet pode recorrer ao Tribunal de Recurso do Circuito de D.C. e, se este aceitar, ao Supremo Tribunal –, o Chrome pode valer cerca de 20 mil milhões de dólares (19 mil milhões de euros), segundo uma estimativa da Bloomberg.

Para as advogadas, a compra seria feita por "provavelmente uma entidade independente ou um consórcio de investidores", excluindo "empresas concorrentes diretas da Google, como Apple ou Microsoft devido às possíveis violações antitrust que poderiam surgir com tal aquisição".

Além disso, Sofia Matos e Mariana Narciso Rolo consideram "improvável que uma venda do Chrome possa ser limitada exclusivamente aos EUA", apesar de o DoJ só se referir ao mercado norte-americano. "O Chrome é uma plataforma digital global, com operações e infraestruturas integradas que tornam difícil segmentar a propriedade e o controlo por jurisdição. Além disso, reguladores noutras jurisdições, como a União Europeia, que já atuaram contra práticas da Google no passado, poderiam seguir este precedente e lançar investigações ou impor exigências semelhantes."

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Como pode a Alphabet travar as pretensões do governo dos EUA?

Até dezembro, a empresa tem que dar alternativas para responder "às preocupações do DoJ", apontam as advogadas. Podem passar pela cessação dos contratos de exclusividade; pela revisão das práticas de integração que obrigam, por exemplo, a pré-instalar aplicações como o Chrome; pela abertura de API (interfaces de programação) e dados; pela separação funcional de serviços de forma a que o Chrome seja independente da empresa; e pela monitorização e supervisão externas, comprometendo-se a Alphabet a "auditorias regulares realizadas por entidades independentes".

Há também a possibilidade de acordo entre o governo norte-americano e a empresa, caminho escolhido no caso United States v. Microsoft Corp. em 2001, recordam as advogadas da J+Legal. Este "evitou a divisão da empresa, impondo restrições comportamentais como maior transparência, proibição de contratos exclusivos e supervisão externa das práticas comerciais", sendo agora um caso "referido como uma solução pragmática para evitar litígios prolongados e medidas estruturais drásticas."

Porém, as propostas apresentadas pelo Departamento de Justiça "refletem uma abordagem mais dura e uma maior determinação em restaurar a concorrência no mercado digital", o que dificulta a possibilidade de acordo.

"Para que um acordo seja alcançado, a Alphabet terá de demonstrar uma disposição genuína para adotar mudanças substanciais. Apesar disso, o equilíbrio entre as exigências do governo e a preservação do modelo de negócios da Alphabet será um desafio crítico e decisivo", sublinham.

Além da Microsoft, o governo dos EUA já tentou algo semelhante?

Sim. Em 1984, a American Telephone and Telegraph Company (AT&T) foi desmantelada em "várias entidades regionais independentes, as chamadas "Baby Bells", o que permitiu o desenvolvimento de novas empresas e fomentou a concorrência", contam Sofia Matos e Mariana Narciso Rolo. "No caso da AT&T, o problema residia no controlo total da infraestrutura de telecomunicações, que impedia a entrada de concorrentes no mercado."

"A principal diferença reside na natureza dos mercados. O setor das telecomunicações da AT&T era estático e regional, enquanto o setor digital da Google é global, dinâmico e altamente interligado, com a recolha e uso de dados a desempenharem um papel essencial. Dividir a Google, como foi feito com a AT&T, teria implicações complexas, não só para os seus serviços, mas também para os seus parceiros, anunciantes e utilizadores. Assim, enquanto a solução estrutural foi eficaz no caso da AT&T, no caso da Google, soluções semelhantes podem ser mais difíceis de implementar, exigindo alternativas mais adaptadas ao contexto digital."

As práticas de mercado da Alphabet foram danosas para o mercado? Qual é o limite?

"Apesar de se poder pensar que o limite legal seria a existência de monopólios, cumpre esclarecer que o direito antitrust norte-americano não proíbe o monopólio em si, mas sim a sua obtenção ou manutenção através de meios anticompetitivos. O limite legal é ultrapassado quando uma empresa utiliza a sua posição dominante para excluir concorrentes ou consolidar o seu poder de mercado de forma indevida, em prejuízo da concorrência e dos consumidores. Neste caso, o tribunal concluiu que as práticas da Alphabet violaram a Secção 2 do Sherman Act, ao criar barreiras artificiais e reforçar o seu domínio através de contratos exclusivos e da integração obrigatória de serviços", consideram as advogadas.

"Embora a inovação e o sucesso empresarial sejam desejáveis, devem ser alcançados dentro de limites que respeitem a concorrência leal. As práticas da Alphabet, ao excluir rivais e criar um ciclo de dependência através de dados recolhidos pelo Chrome, ultrapassaram esses limites e tornaram-se prejudiciais para o mercado", concluem Sofia Matos e Mariana Narciso Rolo.

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