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Trump quer acabar com cidadania por nascimento. Que regras são seguidas no mundo?

Luana Augusto 16 de fevereiro de 2025 às 11:05

O presidente dos EUA assinou uma ordem executiva para colocar um fim à cidadania norte-americana automática a qualquer pessoa nascida dentro de fronteiras. Há vários países que seguem outras regras.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou no início do seu mandato uma ordem executiva para negar a cidadania norte-americana aos filhos de imigrantes que estão no país ilegalmente ou com vistos temporários, o que gerou algumas contestações jurídicas.

REUTERS/Elizabeth Frantz/File Photo

Dois juízes federais norte-americanos bloquearam esta diretriz por considerarem que estaria a violar a 14ª Emenda da Constituição dos EUA, adotada há quase 160 anos para resolver o estatuto legal dos escravos libertados. O momento deixou as famílias de imigrantes numa profunda incerteza.

"Há limites à ação presidencial e uma questão delicada como essa não pode ser unilateralmente decidida", explica à SÁBADO a professora da Universidade do Minho, Isabel Estrada Carvalhais. "Repensar a lei da nacionalidade é algo muito sério. No caso da 14ª Emenda, ela é tão só a trave-mestra que define a própria identidade norte-americana."

De acordo com a BBC, a regra aplicar-se-ia somente a crianças nascidas a partir de 19 de fevereiro de 2025, não afetando assim qualquer outra nascida antes desta data. Mas como é que as leis para a cidadania funcionam em todo o mundo?

Os diversos tipos de lei

O direito à cidadania por nascimento num determinado país, ou jus soli (critério do solo) não se aplica a nível global. Segundo Isabel Estrada Carvalhais, esta regra, que concede cidadania automática a qualquer pessoa nascida dentro de fronteiras, aplica-se a "muitos poucos países". A maioria concentra-se "historicamente no continente americano".

Em contrapartida, muitos países da Ásia, Europa ou até mesmo África adotam o princípio de jus sanguinis (critério do sangue) em que as crianças herdam a nacionalidade dos pais independentemente do local de nascimento. Segundo a investigadora do CICP - Escola de Economia, Gestão e Ciência Política, este é "o regime mais comum na gestão do acesso à nacionalidade".

Alguns países acabam, no entanto, por aplicar uma combinação de ambas as regras. Isabel Estrada Carvalhais frisa até mesmo que "é comum que ambos estejam presentes nas leis que regem a atribuição e a aquisição da nacionalidade". É o caso de Portugal.

"Portugal é precisamente um ótimo exemplo de um regime misto", começou por definir Isabel Estrada Carvalhais. "A lei orgânica 2/2006 não diminuiu a força do jus sanguinis mas veio repor a primazia do jus soli, fundamental para permitir que milhares de pessoas imigrantes, filhas de imigrantes, residentes em Portugal, pudessem aceder à cidadania nacional."

Isabel Estrada Carvalhais acredita que "o ideal será sempre uma política de equilíbrio, de regime misto". "Se o país tem um perfil emigratório por tradição, deverá ter um regime de nacionalidade que não aliene a sua diáspora no mundo, mas, simultaneamente, também deve permitir a aquisição da nacionalidade pelos imigrantes e filhos de imigrantes que residam no seu território."

Como funciona no mundo?

Nos últimos anos, vários países reformularam as suas leis da cidadania, restringindo ou revogando o direito à cidadania por nascimento, devido a preocupações com a imigração.

A Índia, por exemplo, concedeu cidadania automática a qualquer pessoa nascida no seu território, contudo, com o tempo, as preocupações com a imigração ilegal, principalmente do Bangladesh, levou a que fossem implementadas algumas restrições. Desde dezembro de 2004 que uma criança nascida na Índia só é indiana se ambos os pais forem indianos, ou pelo menos se um dos pais for cidadão natural da Índia e o outro não for considerado um imigrante ilegal.

Muitas nações africanas, que historicamente seguiram o jus soli, também acabaram por apertar esta política depois de terem conquistado a independência. Atualmente, a maioria destes países exige que pelo menos um dos pais seja cidadão ou residente permanente.

"O que tem havido em muitos casos, é um apertar das condições de acesso por via desse critério, o que é diferente de dizer que o mesmo é abandonado", explica Isabel Estrada Carvalhais.

A cidadania é ainda mais restrita na maioria dos países asiáticos. Em países como a China, Malásia ou Singapura, é determinada com base na descendência. A própria Europa também passou por mudanças significativas.

A Irlanda, por exemplo, foi o último país a permitir o jus soli irrestrito. Aboliu esta política após uma votação onde, em junho de 2024, 79% dos eleitores aprovaram uma emenda constitucional que exige que pelo menos um dos pais fosse cidadão residente permanente ou residente temporário legal.

O governo justificou na altura a mudança como sendo necessária, porque as mulheres estrangeiras estariam a viajar para a Irlanda para dar à luz, a fim de obter um passaporte da União Europeia para os filhos.

Uma das mudanças mais drásticas ocorreu na República Dominicana, onde em 2010 uma emenda constitucional redefiniu a cidadania para excluir os filhos de imigrantes indocumentados. 

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