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Sente-se triste com a chuva de outono? É saudável

08:00
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Os dias curtos criam uma melancolia que permite parar e pensar no que pode mudar. “Aceitar a tristeza é um ato de coragem e não uma fraqueza”, garante a psicóloga Gina Tomé.

Está a chover lá fora e só lhe apetece enrolar-se numa manta no sofá. Não se preocupe. Está a ter uma reação natural ao outono e a tristeza que sente deve ser abraçada. “Só quando é compreendida é que a tristeza se transforma em aprendizagem e não em sofrimento prolongado”, explica à SÁBADO a psicóloga Gina Tomé, autora do livro Tristeza e Solidão, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. 

Os dias mais curtos proporcionam momentos de melancolia
Os dias mais curtos proporcionam momentos de melancolia DR

Também a solidão faz parte da vida, mas em doses pequenas. “Pode até ter uma função positiva, permite-nos estar connosco, escutar o que precisamos e reorganizar as nossas relações e prioridades”, diz a psicóloga. Mas prolongada no tempo é um risco acrescido de mortalidade e é cada vez mais prevalente nos jovens. Gina Tomé explicou à SÁBADO porquê.

A chuva e o frio do outono podem aumentar os níveis de tristeza?

Sim. O outono e o inverno estão associados a uma diminuição da exposição à luz solar, o que tem impacto direto no nosso equilíbrio biológico e emocional. A luz influencia a produção de serotonina (um neurotransmissor ligado ao bem-estar, conhecido como hormona da felicidade) e a regulação da melatonina, que afeta o sono e o humor. Quando os dias são mais curtos e há menos luz natural, é comum sentirmos mais cansaço, menos energia e até uma maior tendência para a introspeção.

É uma tristeza saudável?

Nem sempre a tristeza é patológica. Pode ser uma resposta natural a um período em que o corpo e a mente precisam abrandar. O problema surge quando essa tristeza se prolonga, afeta o funcionamento diário ou se transforma em desânimo constante. Nestes casos, é preciso dar-lhe mais atenção e estar mais alerta. O essencial é reconhecer que o inverno pode trazer alguma melancolia, mas também pode ser um tempo de recolhimento e reorganização interior, uma oportunidade de pausa que, quando bem vivida, pode favorecer o autoconhecimento e o equilíbrio emocional.

A tristeza transformou-se numa emoção que ninguém quer mostrar. Porque se não se aceita a tristeza?

Vivemos numa época em que a felicidade é quase uma obrigação, é como uma imposição. Ou estamos felizes ou é melhor não “estarmos”, não aparecermos! As redes sociais, a cultura da produtividade e a pressão para “estar sempre bem” criaram a ideia de que sentir-se triste é sinal de fraqueza ou de falhanço. No entanto, a tristeza é uma emoção natural e necessária, uma emoção como todas as outras emoções. Ajuda-nos a fazer pausas, a refletir e a reorganizar a vida depois de perdas, desilusões ou mudanças. A tristeza confronta-nos com a vulnerabilidade e esta continua a ser socialmente desconfortável. É mais fácil mostrar sucesso do que mostrar dor. Mas evitar a tristeza, ou fingir que ela não existe, não a faz desaparecer, pelo contrário, pode torná-la mais intensa e persistente.

Porque temos dificuldade em aceitar emoções negativas?

Talvez por termos sido ensinados, desde cedo, a valorizar apenas as emoções positivas. A maior parte de nós cresceu a ouvir frases como “não chores”, “anima-te”, “pensa positivo”, o que nos leva a acreditar que sentir tristeza, medo ou raiva é algo errado. Assim, aprendemos a esconder as emoções negativas, em vez de as compreender. Todas as emoções, positivas e negativas, têm uma função adaptativa. As emoções negativas alertam-nos para o perigo, para a perda ou para a necessidade de mudança e ajudam-nos na adaptação à nova situação. Quando as evitamos, perdemos a oportunidade de aprender com elas e de desenvolver competências como a autorregulação emocional.

Não é saudável ignorar a tristeza. Porquê?

Ignorar a tristeza é como tentar silenciar um sinal de alarme. A tristeza tem uma função reguladora, indica que algo precisa de atenção, que houve uma perda, uma mudança ou um limite ultrapassado. Quando a ignoramos, esse sinal mantém-se ativo, e o mal-estar tende a crescer, podendo evoluir para estados de ansiedade, irritabilidade ou mesmo depressão. A tristeza não desaparece por ser reprimida, pelo contrário, transforma-se. Pode manifestar-se através do corpo (fadiga, dores, insónias) ou de comportamentos de isolamento e desmotivação. Por isso, é essencial escutá-la e compreendê-la.

Qual é a função da tristeza na saúde mental e emocional?

Aceitar a tristeza é um ato de coragem e não uma fraqueza. Ao reconhecermos o que ela nos quer comunicar, o que precisa de ser mudado, o que nos magoou ou o que ficou por resolver, estamos a permitir que a emoção cumpra o seu papel e volte ao seu equilíbrio natural. Só quando é compreendida é que a tristeza se transforma em aprendizagem e não em sofrimento prolongado. É também uma emoção protetora. Ao levar-nos a abrandar, permite conservar energia e permite um afastamento temporário de situações que exigem demasiado de nós. Essa pausa é fundamental para que o corpo e a mente recuperem o equilíbrio. Do ponto de vista adaptativo, a tristeza estimula a empatia e o vínculo social, quando partilhamos a nossa dor, abrimos espaço para a ligação com os outros. Assim, longe de ser uma emoção “inútil”, a tristeza é um mecanismo natural de autorregulação emocional e uma oportunidade de crescimento psicológico.

Também não devemos ignorar outras emoções negativas?

Aceitar emoções negativas é essencial para a saúde psicológica. Isto não significa resignar-se ao sofrimento, mas reconhecê-lo como parte da experiência humana. A flexibilidade emocional, a capacidade de acolher e gerir diferentes estados internos, é o que nos permite crescer, e não a ausência de emoções desagradáveis.

Quais são as estratégias para lidar com a tristeza?

O primeiro passo, e mais importante, é aceitar a emoção sem julgamento. Dizer a nós próprios “estou triste e isso é humano” já é um gesto de cuidado. Depois, é importante tentar compreender a origem dessa tristeza, o que mudou, o que se perdeu, o que precisa de ser reconstruído. No dia a dia, há estratégias simples que podem ajudar muito: ligar a um amigo que não se vê há algum tempo, dar um passeio, rir sem ter motivo, cantar no carro, cozinhar algo de que se gosta, ouvir música ou tomar um banho demorado são gestos que reconectam com o prazer e aliviam o corpo da tensão. Também é fundamental não se isolar. Aceitar um convite, ou fazer um convite, tomar café com alguém, conversar com um vizinho ou simplesmente estar acompanhado já é uma forma de quebrar o ciclo da tristeza. A proximidade humana é, muitas vezes, o melhor remédio.

Que rotinas diárias são importantes?

Criar rotinas que transmitam segurança, como dormir o suficiente, manter horários regulares, cuidar da alimentação e praticar alguma atividade física. Pequenas pausas conscientes, abrir a janela, respirar fundo, observar o que se sente, ajudam a recuperar o equilíbrio emocional. É importante encontrar as próprias estratégias de autocuidado, o que resulta para uns pode não resultar para outros. Cada pessoa deve descobrir, o que lhe traz conforto e bem-estar.

Quando é que a tristeza passa a ser patológica?

A tristeza faz parte da vida e é, em regra, uma emoção passageira. Torna-se patológica quando deixa de ser uma resposta temporária e passa a ser um estado constante, que interfere com o dia a dia. Quando a pessoa perde o interesse por atividades que antes lhe davam prazer, sente uma falta de energia persistente, tem alterações do sono ou do apetite, e começa a acreditar que “nada vai mudar”, é importante procurar ajuda. Falar com um profissional pode ajudar a transformar a tristeza em aprendizagem e não em sofrimento.

Qual a diferença entre a tristeza e a depressão?

A diferença está sobretudo na duração, intensidade e impacto. A tristeza ajuda-nos a reorganizar a vida, enquanto a depressão bloqueia essa capacidade de reorganização. Na depressão há um sofrimento prolongado, sentimentos de desesperança, culpa excessiva e, em alguns casos, pensamentos sobre a morte. Por isso, se a tristeza se mantém por demasiado tempo (cada um de nós tem o seu tempo), sem sinais de melhoria, e começa a afetar o trabalho, as relações ou o autocuidado, é essencial procurar apoio profissional. Pedir ajuda é uma forma de cuidar de si e de impedir que uma emoção natural se transforme num sofrimento profundo.

A solidão é também uma emoção natural?

Sim. Tal como a tristeza, a solidão é uma experiência humana universal e natural. Todos, em algum momento da vida, sentimos solidão, seja na infância, na adolescência, na idade adulta ou na velhice. Em pequenas doses, pode até ter uma função positiva, permite-nos estar connosco, escutar o que precisamos e reorganizar as nossas relações e prioridades. Do ponto de vista psicológico, a solidão funciona como um sinal de alerta emocional, semelhante à dor física, pode indicar que precisamos de ligação ou de proximidade. Quando escutada, pode ajudar-nos a reforçar os laços afetivos e a valorizar as relações que realmente importam. Só se torna preocupante quando é persistente e acompanhada de sentimentos de vazio, isolamento ou desvalorização pessoal. Aprender a reconhecer a solidão e a cuidar dela é essencial para manter o equilíbrio entre o tempo que precisamos para nós e o tempo que precisamos com os outros.

É possível sentirmo-nos sós rodeados de pessoas?

Isso é mais comum do que se pensa. A solidão não é a ausência física de pessoas, mas sim a sensação de não pertencer, de não ser verdadeiramente visto ou compreendido. Podemos estar rodeados de colegas, amigos ou até familiares e, ainda assim, sentir-nos sós. A solidão é, sobretudo, um sentimento subjetivo, nasce da diferença entre as relações que temos e as relações que gostaríamos de ter, tanto em qualidade como em proximidade. Por isso, alguém pode ter uma vida social ativa e sentir-se vazio, enquanto outra pessoa, com poucos contactos, se sente emocionalmente preenchida. A solidão está ligada à qualidade das relações. Relações autênticas, onde há escuta, afeto e segurança emocional, reduzem a sensação de isolamento. Já as relações superficiais, mesmo numerosas, podem acentuar a solidão.

Associamos a solidão aos idosos. Também afeta os jovens? 

Sim, e cada vez mais. A solidão não é um fenómeno exclusivo dos idosos, atinge todas as idades, inclusive crianças e adolescentes. Os estudos mais recentes (como o Health Behaviour in School-age Children, da organização Mundial de Saúde) revelam um aumento significativo de sentimentos de tristeza, isolamento e infelicidade entre os jovens portugueses. Muitos sentem-se nervosos, irritados, tristes ou pouco confiantes nas suas capacidades, o que demonstra uma fragilidade crescente na saúde psicológica das novas gerações.

O que explica esta solidão juvenil?

Entre os fatores que explicam este fenómeno estão as mudanças sociais e tecnológicas. Vivemos hiperconectados, mas emocionalmente mais distantes. As redes sociais, embora aproximem em aparência, podem gerar comparações constantes, medo de exclusão e relações pouco autênticas. Isso aumenta a solidão mesmo em contextos de grande interação digital. A adolescência é, por natureza, uma fase de transformação e procura de identidade. Quando há dificuldades nas relações com os pares, rejeição, bullying, transições escolares ou familiares, é fácil que surjam sentimentos de solidão e não pertença. Por isso, é importante olhar para a solidão nos jovens como um sinal de alerta, e não como um problema passageiro. Promover espaços de escuta, relações presenciais de qualidade e oportunidades de pertença, na escola, na comunidade ou na família, é essencial para prevenir o isolamento e fortalecer

É necessário reduzir o acesso às redes sociais?

O problema não está na tecnologia em si, mas no uso excessivo e substitutivo que dela fazemos. Quando as redes sociais passam a ocupar o espaço do encontro presencial, do olhar e da escuta real, o contacto humano enfraquece. Essa “comunicação à distância” pode diminuir a qualidade das relações interpessoais e potenciar a solidão em todas as idades, das crianças aos idosos. Além disso, as redes sociais podem promover a comparação constante e a exposição de vidas idealizadas, o que pode gerar sentimentos de inadequação e afastamento. Usadas com moderação e consciência, as redes sociais podem manter laços e apoiar relações. Mas quando substituem o contacto verdadeiro, tornam-se um espelho do vazio, quanto mais tempo se passa “ligado”, maior pode ser a sensação de desconexão interior.

Qual é o impacto da solidão a longo prazo?

A solidão persistente tem impactos significativos na saúde física, psicológica e mental. Quando a solidão se mantém por muito tempo, deixa de ser apenas uma experiência emocional e passa a ter efeitos mensuráveis no corpo e no comportamento. Do ponto de vista psicológico, a solidão prolongada está associada a maior risco de ansiedade, depressão e declínio cognitivo. Viver desligado dos outros pode alterar o modo como pensamos e sentimos, diminuindo a autoestima, a esperança e a perceção de sentido de vida. Também pode reduzir a motivação e a capacidade de confiar e criar vínculos, o que perpetua o ciclo de isolamento.

Pode mesmo ser um fator de risco para doenças crónicas?

A nível físico, vários estudos demonstram que a solidão crónica aumenta a vulnerabilidade a doenças cardiovasculares e está associada a um risco superior de mortalidade precoce. A explicação está na forma como o corpo reage ao isolamento, níveis mais altos de stress, alterações hormonais e um enfraquecimento do sistema imunitário. No plano social, a solidão prolongada também tem consequências comunitárias, reduz o sentimento de pertença, a participação social e a confiança nos outros. Promover laços autênticos, criar espaços de encontro e investir em redes de apoio são formas de quebrar o ciclo do isolamento e reconstruir bem-estar a longo prazo.

Quais as estratégias para superar a solidão?

A primeira estratégia é reaproximar-se dos outros, mesmo quando não apetece. Telefonar a alguém de quem se gosta, enviar uma mensagem a um amigo antigo, marcar um café ou aceitar um convite são gestos simples que reativam o sentimento de pertença. A solidão tende a crescer quando nos afastamos, o contacto, mesmo pequeno, é o primeiro antídoto. Também é útil criar novas rotinas sociais, como por exemplo, inscrever-se num curso, num grupo de leitura, de caminhadas ou numa atividade cultural da comunidade. O objetivo não é “encher o tempo”, mas encontrar espaços onde seja possível estar com outros de forma genuína e regular, com interesses partilhados e sem pressa. Outra estratégia é participar em atividades com propósito, como o voluntariado, cuidar de alguém, ajudar uma associação local, colaborar num projeto comunitário. Estas ações aumentam o sentimento de utilidade e reforçam os vínculos sociais, funcionando como um poderoso fator de proteção contra a solidão. A convivência intergeracional é outro recurso importante. Estar com pessoas de diferentes idades, crianças, jovens, adultos, idosos, permite trocar experiências, aprender e sentir que faz parte de algo maior. Pequenos encontros familiares, atividades escolares abertas à comunidade ou projetos locais podem criar essas oportunidades. E quando o isolamento se prolonga e a pessoa sente que já não consegue dar o primeiro passo, procurar apoio psicológico pode ser uma forma de reabrir o caminho para o encontro. O profissional ajuda a compreender os bloqueios, a reativar redes de apoio e a desenvolver competências relacionais.

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