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Mosquito da dengue em Portugal: "Só algumas espécies conseguem transportar estes vírus”

Débora Calheiros Lourenço
Débora Calheiros Lourenço 12 de novembro de 2025 às 17:27
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Miguel Castanho, investigador no Instituto de Medicina Molecular, explica que apesar da presença do mosquito em território português a situação não é alarmante.

O mosquito Aedes albopictus, responsável pela transmissão de doenças como a dengue, chikungunya e zika, foi detetado em quatro novos municípios em Portugal durante o ano de 2025: Condeixa-a-Nova, Covilhã, Lagos e Portimão. Anteriormente já tinha sido detetado em Penafiel (2017), Albufeira, Alcoutim, Castro Marim, Faro, Lagoa, Loulé, Olhão, São Brás de Alportel, Tavira, Vila Real de Santo António, Silves, Mértola, Serpa e Portalegre (2018), Lisboa e Oeiras (2023), Cascais, Valongo e Gondomar (2024) e Vila Verde (2025). 

Um mosquito tigre pousado na pele humana
Um mosquito tigre pousado na pele humana Direitos Reservados

A informação foi avançada pela Direção-Geral da Saúde (DGS) ao , e Miguel Castanho, diretor do Instituto de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, explicou à SÁBADO que “em Portugal, a deteção do mosquito ainda é relativamente episódica, nunca aparecem numa quantidade muito grande”.  

A DGS referiu também que, apesar de os mosquitos se encontrarem em Portugal, entre 1 de janeiro e 9 de outubro foram registados apenas 37 novos casos de dengue e 35 deles foram contraídos fora do território nacional, tendo os restantes dois ocorrido na Madeira. A não existência de infeções no território continental, apesar da presença dos mosquitos, é justificada por Miguel Castanho: “Existem diferentes espécies de mosquitos e só algumas muito específicas é que conseguem transportar estes vírus”. Além disso, esta é uma doença que não é transmitida entre os humanos, é sempre necessária uma picada de um mosquito infetado. 

Isto ocorre porque “tal como no caso dos humanos, os vírus têm especificidades para os mosquitos” e para que tenham a capacidade de infetar um humano é preciso que “o vírus esteja adaptado ao mosquito, sobreviva e se mantenha vivo dentro do mosquito antes do momento da picada”. Assim sendo, o também investigador no Instituto de Medicina Molecular não considera que o caso português “seja alarmante”, até porque “não existam vagas de contágio”.  

Segundo o os sintomas da dengue incluem febre, que normalmente dura entre dois a sete dias, dor de cabeça, dor muscular e articular, dor em redor dos olhos, vómitos, manchas vermelhas na pele e hemorragias. Estes sintomas surgem, geralmente, entre 4 a 7 dias depois da picada do mosquito infetado. Miguel Castanho alerta que “a sintomatologia da doença dos vários vírus é muito semelhante”, pelo que “só se sabe se se trata de dengue com testes laboratoriais, que muitas vezes demoram vários dias a ser feitos”. Ainda assim, “para a esmagadora maioria das pessoas, a doença é passageira” e não requer um tratamento específico pelo que não é preocupante.

Porém, numa minoria, os “casos são mais preocupantes, sejam grávidas ou no caso de invasão, por parte do vírus, do sistema central, podem surgir problemas neurológicos”. Estas infeções mais graves ocorrem “sem ser possível prever”. O SNS alerta que pessoas que fazem parte de grupos de risco – como doentes crónicos, idosos, mulheres grávidas e pessoas que foram alvo de cirurgia ou traumatismo craniano recentes – têm maior probabilidade de contrair a infeção.

O especialista considera que o maior perigo da dengue é mesmo “a possibilidade de se tornar muito infecioso e a prestação de cuidados de saúde falhar”, algo que considera difícil acontecer em Portugal: “Os surtos criam problemas porque o sistema de saúde pode falhar, o que não quer dizer que isso seja uma inevitabilidade”.  

Sobre a necessidade de recorrermos à vacina contra a dengue, Miguel Castanho explica que este é um vírus com a capacidade de adaptação “e uma segunda infeção beneficia da anterior através de uma ampliação dependente de anticorpos”, este é um fenómeno imunológico em que um anticorpo que pretende neutralizar um vírus acaba por aumentar a sua capacidade de entrada em células pelo que existe muita discussão no meio científico sobre a validade da vacina e faz com que o especialista considere que, por vezes, pode nem ser benéfica.  

O site do SNS 24 refere que as pessoas que vivem em Portugal continental não se devem preocupar com o risco de infeção pelo vírus da dengue uma vez que “não existe evidência de transmissão em território nacional”. Miguel Castanho recorda que “já houve um grande surto de dengue na Europa e ocorreu na Madeira”, entre 2012 e 2013 mais de 1.080 casos foram confirmados na ilha portuguesa, especialmente no concelho do Funchal. “Nessa altura houve uma série de turistas infetados que regressaram aos seus países e desenvolveram lá a doença, o que significa que se nessa altura já existissem grandes populações destes mosquitos na Europa poderiam ter originado surtos”.

O mesmo mosquito capaz de transmitir dengue pode também infetar os humanos com os vírus da chikungunya e zika e Miguel Castanho alerta para a possibilidade de infeção com zika, especialmente nos casos das grávidas: “O zika é bastante prejudicial para os fetos porque pode causar anomalias no sistema nervoso”.

O mosquito-tigre-asiático é um mosquito invasor da região Ásia-Pacífico que está amplamente disseminado pela América do Sul e África e Miguel Castanho partilha que “nos últimos vinte e tal anos temos um problema de invasão da Europa” isto porque em “meados dos anos 90 existiam pequenas bolsas na zona mediterrânea da Europa, mas agora já existem grandes invasões na Europa Central, assim como em toda a bacia mediterrânica”.

Segundo o investigador, esta invasões para diferentes regiões podem ser justificadas “pelo aquecimento global, mas também pela mobilidade humana devido ao aumento das grandes viagens internacionais e às companhias low-cost, que possibilitam que os mosquitos viajam com as pessoas através das suas bagagens”.

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