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Como se recupera de um AVC? Um processo adaptado e com acompanhamento psicológico

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O objetivo final é que a reabilitação permita ao doente ser o mais autossuficiente possível, com uma equipa e um plano adaptado às suas necessidades e metas tangíveis.

Sofrer um AVC - como aconteceu recentemente com o humorista Nuno Markl -, pode causar danos irreparáveis mas a reabilitação oferece um sentimento de esperança e alívio. Esta fase é um processo multidisciplinar, que é adaptado às necessidades do doente, que tem como objetivo reestruturar as capacidades perdidas e por vezes trabalhar na aquisição de novas capacidades.

Como se recupera de um AVC? Um processo adaptado ao doente e com acompanhamento psicológico
Como se recupera de um AVC? Um processo adaptado ao doente e com acompanhamento psicológico Getty Images

À SÁBADO o neurologista Luís Maia, que acompanha a médio e longo prazo os doentes com AVC, explica que depois do diagnóstico, são determinadas as causas e é criado um plano “para prevenir a recorrência do AVC”. “O dano às células do cérebro resulta de uma perda de função, que é tão pior quanto maior for o AVC”, explica, acrescentando que existem métodos de reabilitação diferentes “dependendo da dimensão e da sua localização”. 

Geralmente o AVC atinge um dos lados do cérebro, “se atingir o hemisfério dominante, que é o esperado, pode atingir a linguagem, a capacidade de falar, de transmitir a ideia. Um doente que tenha isto afetado vai ter dificuldade em seguir instruções e colaborar” e nesses casos têm de ser desenvolvidas estratégias “para melhorar a comunicação”, uma vez que pode não conseguir interpretar as instruções que lhe estão a ser dadas. 

Se atingir o hemisfério direito, "em alguns AVC pode atingir a área que permite à pessoa reconhecer o seu corpo”, apesar de conseguir comunicar bem, “não reconhece que o braço não é seu e não tendo essa consciência vai ter de se fazer um trabalho para alertar e que reconheça o seu corpo e colabore”. 

Ainda, fatores como o estado do doente antes do AVC, a sua funcionalidade, a presença ou ausência de doenças neurológicas, a idade e a qualidade de reabilitação podem ser determinantes para o sucesso. “A recuperação funcional tem que ser adaptada ao doente”, sendo um processo “multidisciplinar, coordenado e individualizado”. É importante também “estabelecer metas em função da capacidade” do doente. 

Por exemplo, caso a capacidade de falar tenha ficado mais afetada “e não houver grandes problemas relacionados com a parte motora”, a reabilitação vai ser mais “focada na terapia da fala”. Se o doente “perder a força muscular, que normalmente é lateralizado, o trabalho envolve o fisioterapeuta, terapeuta da fala, deveria envolver uma terapeuta ocupacional para ajudar na adaptação do ambiente físico e para responder a uma série de funções, como trabalhar a capacidade de passar de uma cadeira para a cada e de se deslocar para dentro ou fora de casa”. 

Esta reabilitação deve “começar tão breve quanto possível” assim que o doente esteja estabilizado. Uma equipa multidisciplinar, dependendo das necessidades do doente e das capacidades perdidas, pode abranger terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, “uma equipa de enfermagem especializada em reabilitação de doentes”, em certos casos uma assistente social e médicos da área da neurologia e fisiatria. 

Outro aspeto da reabilitação importante é o acompanhamento psicológico que o neurologista considera “fundamental”. A falta de acompanhamento e de reabilitação num doente de AVC “leva à depressão, diminui a qualidade de vida e tem um impacto na capacidade de retornar ao trabalho”. O acompanhamento psicológico e psiquiátrico ajuda também no processo da reaquisição de algumas funções perdidas. 

Este tipo de acompanhamento é importante para perceber “o impacto que o AVC pode ter”, uma vez que é uma “doença que afeta de forma tão dramática o cérebro” e acaba por ter um impacto na “parte cognitiva”. “Crê-se que um trabalho de neuroreabilitação com psicólogos pode ajudar na reabilitação cognitiva destes doentes”, reforça. 

Há sempre uma tentativa de reabilitar o máximo possível, mesmo quando a recuperação total não é possível. “O que se tenta estabelecer é otimizar e maximizar a funcionalidade de um doente”, explica o neurologista, “imaginando que um doente perde a capacidade de marcha, será otimizada a forma de transporte, a capacidade de fazer transferências de uma cadeira para uma cama, ou adaptar o veículo automóvel” se a condução for possível. 

No caso de um doente não conseguir atar os atacadores do sapato, poderão ser utilizados sapatos com velcros. Se tiver dificuldade em segurar a faca, pelo cabo ser muito fino, serão feitas alterações para que isso seja possível. Se um doente sofre lesões ao hemisfério direito, “onde perdem a noção do corpo e do espaço do lado esquerdo, podem ser feitas intervenções, por exemplo, no ambiente de trabalho ao colocar pistas luminosas ou com cores berrantes para chamar à atenção do doente e atentar a esse lado que parece que esqueceu”. 

Contudo, a fase de reabilitação não se limita ao doente, “estende-se a quem contacta” com ele. Os familiares poderão adotar estratégias e usar pistas que ajudem. Por exemplo, "o simples facto de o doente ter perdido a visão do lado esquerdo e a porta da casa de banho ser do lado esquerdo” faz com que ele não a encontre e se “perca” na sua própria casa. Nesses casos o médico aconselha os familiares a implementarem pistas. Se o doente está habituado a fazer o caminho do corredor até à casa de banho de norte para sul, que o faça ao contrário, dessa forma vai encontrar a porta à sua direita, onde não tem a visão impedida.

O objetivo final é que a reabilitação permita ao doente ser o mais autossuficiente possível, com uma equipa e um plano adaptado às suas necessidades e metas tangíveis. 

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