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Acordo comercial obriga México a importar milho dos EUA perigoso para a saúde pública

O México é o principal cliente de derivados de milho dos EUA e devido a um acordo comercial, não pode negar os carregamentos, mesmo que se trate de uma questão de saúde pública.

Em 2020 o governo mexicano anunciou a proibição da utilização de milho geneticamente modificado para o consumo humano, assim como o uso de glifosato, devido a preocupações sobre o seu perigo para a saúde pública. No entanto, tem um acordo comercial com os Estados Unidos, o Acordo EUA-México-Canadá, onde está abrangida a exportação de milho geneticamente modificado. 

milho nativo méxico
milho nativo méxico Fernando Llano/AP

Como resposta as estas limitações, os EUA apresentaram uma denúncia formal a um painel de resolução de litígios, alegando que as medidas apresentadas pelo governo do então presidente Andrés Manuel Obrador não tinham uma base científica e afetavam o acesso dos seus produtos no mercado mexicano. Agora, o painel decidiu a favor dos EUA, dando a vitória ao governo de Joe Biden.

Apesar de o México ter apresentado estudos científicos sobre os perigos cancerígenos da utilização de glifosato, o painel decidiu a favor de todas as sete reivindicações legais dos EUA, concluindo que as restrições do México não tinham sido baseadas em casos científicos.

Segundo Pedro Horta, que integra o grupo de trabalho de biodiversidade, agricultura e florestas da Associação Zero, o glifosato, ao ser um herbicida "usado sistematicamente em vastas áreas, leva a que haja um risco acrescido" à sua exposição. Há ainda "perigo para a irritação respiratória" no caso do mau uso, e apesar do perigo de exposição a pequenas dosagens seja ainda "desconhecido", há "indícios" de que tenha impacto no sistema digestivo. 

"Oitenta por cento dos herbicidas contêm esta substância, que é utilizada no contexto urbano e na produção de alimentos. De facto estamos expostos, seja ao glifosato ou ao metabólito, temos isso na nossa corrente sanguínea e ainda não há clareza sobre as consequências e os riscos", diz o especialista. 

Em 2019, um estudo publicado no Science Direct determinou que a exposição ao glifosato aumenta o risco de linfomas non-Hodgkin em 41% - em Portugal, registam-se 1.700 casos anuais deste linfoma. Já na União Europeia (UE), em novembro de 2023, foi aprovada a utilização do glifosato por mais dez anos, sob novas condições e restrições. A Comissão Europeia baseou a sua decisão num relatório da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos que apesar de ter identificado riscos a longo prazo, concluiu que não havia qualquer prova para o considerar cancerígeno. 

Quanto ao milho transgénico, Pedro explica que há casos de cultivos geneticamente modificados que entram em contacto com espécies tradicionais, podendo "causar uma situação estranha de contaminação genética". Dependendo do tipo de milho e das práticas, os efeitos são diferentes, por exemplo, "o caso do milho (tolerante a herbicidas como o glifosato) pode afetar o solo e os polinizadores" causando algum "desequilíbrio".

O México possui cerca de 60 variedades de milho nativo, com várias cores e utilizados para pratos diferentes. Os ministérios da Economia e da Agricultura mexicanos já lançaram uma declaração conjunta onde anunciam que não concordaram com a decisão, mas que a iriam respeitar. "O Governo do México não concorda com a decisão do Painel, pois considera que as medidas em questão estão alinhadas com os princípios de proteção da saúde pública e com os direitos dos povos indígenas".

Apesar do México importar pouco milho branco, que é utilizado em tortilhas, é o principal cliente dos EUA no que toca à importação de milho amarelo, a maior parte do qual é usada para ração animal. Só entre janeiro e outubro do ano passado, os EUA exportaram 4,8 mil milhões de dólares em milho para o México, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA.

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