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Vida

Estas mulheres são "padres" em Portugal

25.12.2020 10:00 por Ana Catarina André 144
Quase. Ela explica a Bíblia e dá a comunhão. Parece a missa. Mas o Papa proíbe-lhe o sacerdócio. Há mais portuguesas assim. Histórias da florista, da socióloga e da divorciada a viver com o namorado.
  • 20438
São quase seis da tarde. Já anoiteceu em Carrapatelo, uma pequena aldeia alentejana, a 6,5 km de Reguengos de Monsaraz. É sábado e as ruas estão quase desertas – no largo principal há meia dúzia de pessoas. São quase todas mulheres e têm o passo acelerado: o sino toca o Avé de Fátima e chama-as à igreja. Lá dentro, a celebração está a começar. Atrás do altar, de alva (uma veste branca até aos pés), unhas pintadas de vermelho e cabelo preto comprido, está Maria Guerra, de 34 anos. "Estamos aqui para celebrar o terceiro Domingo do Advento [o período que antecede o Natal, segundo o calendário católico]", diz a socióloga, assim que o coro acaba de cantar "Vive na esperança, irmão". Depois, dá as boas-vindas a duas fiéis que estão ali pela primeira vez.

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Parece o início de uma missa. Não é, nem poderia ser: Maria é mulher e leiga. E, segundo a Igreja Católica, só os padres – homens ordenados – podem celebrar a Eucaristia. Em vez disso, o que Maria faz, nos 50 minutos seguintes, é orientar uma Celebração da Palavra, uma cerimónia em que se faz as leituras bíblicas do dia, se explica o evangelho e se distribui a comunhão. Não há consagração de hóstias – acto reservado aos sacerdotes na missa –, mas os crentes reúnem-se na mesma na ausência do padre.

Há pelo menos 15 anos que se fazem cerimónias destas em Carrapatelo. Maria fez a primeira em 2006 – tinha 24 anos e carta de condução há poucas semanas. "Quando passei no exame, lembro-me de ter pensado que seria interessante usar o carro ao serviço dos outros", recorda. É ministra da Palavra (é este o nome da função que desempenha) há 10 anos e, talvez por isso, fale com à vontade do ambão (o púlpito de onde se fazem as leituras). A assembleia (15 mulheres e um homem, quase todos idosos) ouve-a com atenção, enquanto Maria vai fazendo observações alusivas às passagens bíblicas: "Uma das coisas mais difíceis é ter capacidade de saborear o momento: estar aqui e agora."

Discreta, regressa ao lugar (um banco normalmente destinado aos acólitos, colocado junto à cadeira principal do altar). Prossegue com o ritual e, minutos depois, aproxima-se do sacrário (o repositório onde estão as hóstias consagradas). Ajoelha-se e retira a píxide (vaso) com as hóstias. Já atrás do altar, na posição em que normalmente estão os sacerdotes, diz: "Hoje, apesar de não termos a celebração da Eucaristia e a presença do nosso padre, ele esteve aqui e consagrou o pão." Depois, e antes de dar a comunhão, eleva uma hóstia, tal como fazem os sacerdotes. Faz-se silêncio, antes de os fiéis fazerem fila para receber a comunhão.

A celebração aproxima-se do fim. São quase sete da tarde. Bem-disposta, Maria pede a todos que "dêem o melhor no último cântico". Faz os avisos deixados pelo pároco, o padre Manuel José Marques, e invoca a bênção de Deus. Depois, sai pela sacristia. Quando volta, vem de calças vermelhas justas, botins de salto alto e camisola preta. Diz piadas, enquanto distribui beijinhos e deseja boas festas a todos.

Provavelmente só regressará a Carrapatelo em Janeiro – por norma, celebra uma vez por mês. Vem a Reguengos todas as semanas visitar os pais e os avós (trabalha em Campo Maior, a 100 km, na Santa Casa da Misericórdia). "Sou muito ligada à família – às vezes, dizem-me que não pareço deste tempo", diz Maria que tem três irmãos (dois rapazes e uma gémea, que também já fez celebrações). Nem o namorado (até há pouco tempo afastado da Igreja), nem os amigos questionam a sua ligação à religião – "Um percurso muito orientado pelos pais", admite. "Sou assim." E frisa: "Acho que a minha relação com Deus é jovem e até rebelde."

Diaconisas desde o primeiro milénio
Maria é uma entre dezenas de católicas portuguesas – as dioceses não têm números exactos – que fazem celebrações da palavra. "A Igreja tem de se ir adaptando aos tempos com a devida cautela. Esta solução é uma resposta às necessidades", afirma a socióloga.

Desde que foi eleito, o Papa Francisco tem chamado a atenção para o papel das mulheres na vida eclesial. "As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem iludir totalmente", escreveu o Sumo Pontífice na exortação apostólica A Alegria do Evangelho, de 2013, a primeira do seu pontificado.

Este ano, em Agosto, o tema voltou à agenda, quando Francisco anunciou a criação da Comissão de Estudo sobre o Diaconado Feminino, para analisar o papel das primeiras mulheres na vida da Igreja. A decisão levou os sectores mais progressistas a acreditar que Francisco estaria a ponderar ordenar mulheres. "As diaconisas já existiram na Igreja durante o primeiro milénio", disse D. José Cordeiro, Bispo de Bragança-Miranda, à SÁBADO, acrescentando que não se sabe bem ao certo quais são as suas funções.

Em Novembro, porém, na viagem ecuménica à Suécia, o Papa clarificou: "Sobre a ordenação de mulheres na Igreja Católica, a última palavra foi pronunciada por São João Paulo II e ela permanece." Referia-se à carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994. "A Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja", escreveu João Paulo II. A Igreja reafirma assim a sua posição. Padres, só homens.

Menos padres nos últimos 30 anos
Em Reguengos de Monsaraz, onde Maria celebra, há mais 16 leigos com a mesma função: oito homens e nove mulheres. Nos últimos 30 anos, o número de padres da unidade pastoral passou de 5 para 1. Mas as sete paróquias, com 16 comunidades, mantiveram-se. "Quando aqui cheguei há 19 anos, percebi o problema que se avizinhava e procurei construir uma comunidade assente nos leigos – autonomizá -los", diz o actual pároco, o padre Manuel José Marques. "Para os cristãos o importante é celebrar o Domingo", afirma. Foi nesse sentido que em 1999 começou a anunciar aos fiéis que, em alguns fins-de -semana, deixaria de haver missa mas a comunidade continuaria a reunir-se em celebrações da Palavra feitas por leigos. "As pessoas compreenderam e nunca houve problema", refere o sacerdote, que no início apostou, sobretudo, em estudantes universitários – "cristãos muito empenhados". Actualmente o grupo é muito heterogéneo: o mais novo tem 26 anos e o mais velho 65; alguns têm formação superior; outros a 4ª classe. "Em comum têm o empenho na vida da Igreja. São pessoas capazes de dar testemunho de fé com a vida", diz.

O ano passado, quando o padre soube que Cláudia Rocha, uma das mulheres que chamou, se tinha divorciado, incentivou-a a manter o serviço que já fazia. "Disse-me que podia continuar a comungar. Conhece a minha história. Sabe o que se passou", diz a assistente social, de 31 anos, sem adiantar mais detalhes sobre o fim do casamento. "As pessoas acolheram-me. Sabem que vivo com o meu namorado."

Cláudia tinha 6 anos quando começou a ir – sozinha – à missa, na igreja de Santo António do Baldio, a aldeia onde cresceu. "Queria descobrir mais e a minha mãe nunca se opôs, apesar de ficar em casa", lembra a alentejana, acrescentando que ia à catequese todas as semanas. Persistente, esperou até aos 17 anos para ser baptizada e fazer a Primeira Comunhão. Em 2008, depois de concluir a licenciatura em serviço social, foi convidada a fazer a formação para se tornar ministra da Palavra. "Nas celebrações, procuro traduzir a mensagem bíblica para a actualidade. E coloco questões. Por exemplo: De que vale ser cristão se não ajudo a vizinha doente?" O objectivo, diz, é que as pessoas voltem a casa com mais vontade de fazer bem aos outros.

Além da paróquia e do trabalho como assistente social (acompanha crianças dos 0 aos 6 anos), dedica-se ao desporto – quase todas as manhãs ou corre ou faz ioga ou vai ao ginásio. Participa em provas de atletismo com frequência. Gosta de cozinhar. "Fiz um curso de sushi esta semana em Lisboa." E viaja com frequência. "Este mês, estive em Londres."

No grupo de leigos que apoiam o padre Manuel José Marques também há mulheres com filhos pequenos. Dora Cruz foi mãe de Vicente há um ano. "Celebrei até ele ter nascido e só parei nos primeiros dois meses após o nascimento", conta a educadora de infância, de 31 anos. "Desde então, levo-o sempre comigo. Fica na assembleia com o pai ou a avó." Para evitar que o bebé tenha fome, garante sempre a amamentação antes. "É uma questão de organização", considera Dora, que faz este serviço desde 2011. "O Vicente ainda não anda. Por enquanto é fácil mantê-lo quieto."

Dora Cruz
Dora Cruz
Foto: Gonçalo F. Santos
Dora Cruz

Os crentes que frequentam a igreja de Campinho (cerca de 30), onde Dora está, foram acompanhando o crescimento da barriga. "As pessoas conhecem-me bem. Iam-me perguntando como estava a correr", recorda Dora, que se habituou a usar a roupa do dia-a-dia (um vestido ou até umas calças de ganga) quando sobe ao altar.

Em Campinho, tal como na maior parte das aldeias da Unidade Pastoral de Reguengos, são poucos os que confundem celebração da palavra com missa. "As pessoas foram interiorizando que o importante é ouvir o que Deus tem para nos dizer e receber o corpo de Cristo – mesmo não tendo o sacramento da Eucaristia", diz Dora, que "não se escandaliza" com a hipótese de ordenar mulheres. "Não me incomoda se houver essa necessidade. O que fazemos aqui é muito semelhante ao papel de um diácono", afirma.

O sal da terra e a comida da mãe
Sandra Cardoso, de 28 anos, é uma das mais novas. Orienta celebrações há dois anos. "Ao início era estranho tentar transmitir alguma coisa a pessoas mais velhas. Mas o padre disse-me: ‘Não te preocupes, na altura saberás o que dizer’", conta. Na primeira vez, em São Pedro do Corval, atrapalhou-se com os microfones. "O senhor Cebola, que toma conta da igreja, andou atrás de mim a carregar nos botões. E quando chegou à altura de distribuir a comunhão, não havia partículas [hóstias] para tanta gente. Atrapalhei-me. Fui partindo e partindo as hóstias para chegar para todos", diz a licenciada em Artes Visuais e Multimédia, que trabalha numa florista em Reguengos de Monsaraz. Um dia tentou explicar aos fiéis a passagem em que Jesus diz que somos sal da terra. "Uma criança entusiasmou-se, interrompeu -me e falou sobre a comida salgada que a mãe faz", conta divertida.

Sandra Cardoso
Sandra Cardoso
Foto: Gonçalo F. Santos
Sandra Cardoso


Além de São Pedro do Corval e de Santo António do Baldio, Sandra celebra na vila medieval de Monsaraz. "Os turistas entram na igreja e ficam surpreendidos por ver uma mulher. Alguns passam atrás do altar, sem dar grande importância ao que está a acontecer", refere. "Uma vez perguntaram-me se era freira." E acrescenta: "Os meus amigos já me perguntaram o que se passa comigo. Para alguns é uma perda de tempo. Por outro lado, o meu namorado, escuteiro, compreende-me bem."

Ao contrário de Reguengos de Monsaraz, em que os leigos improvisam e preparam sozinhos a explicação das leituras, em Macedo de Cavaleiros os ministros da Palavra recorrem a excertos recomendados pelo pároco. É o que faz Arminda da Conceição Valentim, em Castelães, aldeia a 45 km de Bragança. No dia em que a SÁBADO assistiu à celebração, a assistente administrativa, de 62 anos, leu um excerto da Liturgia Diária, um livro oficial da Igreja – por ser baixa, fica escondida pelo púlpito; da assembleia só se vê o cabelo grisalho. "Às vezes dizem-me que vêm à missa da Arminda.’ Eu explico que não", diz a funcionária do Agrupamento de Escolas de Macedo de Cavaleiros – trabalha ali desde 1987; antes disso passou pela CP. Solteira, preenche grande parte dos dias a cuidar da mãe, de 89 anos. Aos domingos distribui a comunhão aos utentes de um lar de idosos. Acredita que a Igreja nunca irá ordenar mulheres, mas não quer adiantar explicações sobre o tema. Fala pouco.

Arminda da Conceição Valentim
Arminda da Conceição Valentim
Foto: Gonçalo F. Santos
Arminda da Conceição Valentim

Joaquina Pedro, que faz celebrações nesta unidade pastoral desde 2005, tem uma posição semelhante. Não se alonga sobre a ordenação de mulheres, apesar de dizer que "poderá ser o futuro". "É a vontade de anunciar Jesus que me move", diz a funcionária pública, de 58 anos. "Só posso fazer isto, porque tenho apoio do meu marido." Nos primeiros tempos era ele quem ia levá-la às aldeias que o pároco lhe destinara. "Depois comecei a conduzir e a ir sozinha", conta.

Em Travanca, a 3 km de Macedo de Cavaleiros, Joaquina celebra para cerca de 40 fiéis, a maioria mulheres. Antes de começar, ensaia os cânticos e deixa algumas dicas à assembleia. "Não cantem demasiado alto nesta parte", alerta. Todas a tratam por D. Joaquina. Conhecem-se há anos e já ninguém estranha que o padre não possa estar presente todos os fins-de-semana. "Isto para nós representa a missa. É melhor do que não haver nada", diz, no fim, uma idosa vestida de preto.

Joaquina Pedro
Joaquina Pedro
Joaquina Pedro

Mariana Cardoso defende a tradição. "Não é por haver diáconos que tem de haver diaconisas. Os homens e as mulheres são diferentes", afirma. Há 29 anos, trocou Lisboa por Macedo de Cavaleiros. "O meu marido é transmontano e sempre quis regressar à terra. Um dia fomos à feira da caça, o cónego Melo [pároco de Macedo] abordou-me e fez-me o convite", diz. Nessa altura (há cerca de 19 anos), Mariana e Manuel, actual director da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, tinham construído uma casa, num lugar ermo, em Latães, a 8 km da sede do concelho. "O meu marido é veterinário. Andava aqui na zona. Estava mau tempo, quando se meteu por um caminho que veio dar a um sítio elevado. Gostou tanto da vista (Espanha e a serra de Bornes), que decidiu que iríamos morar ali", recorda. "Todos os dias nos penduravam à porta alheiras, batatas, grelos e não sabíamos quem o fazia", diz Mariana, de 58 anos, que tem um irmão, um sobrinho e um tio padres.

O inferno nas patas de cabra
Há 14 anos celebra quase todas as semanas na pequena capela da aldeia, um templo tosco que parece ter saído de outro tempo. "Marcamos uma hora e normalmente não está ninguém. Toco o sino, toco, toco. E quando começo a ver os cães – todos têm um animal aqui [são 60 os habitantes] – percebo que estão a chegar", declara Mariana, que por ser filha de um diplomata viveu em países como Brasil, Grécia e Espanha. A adaptação àquela realidade rural foi complexa, assume a católica que fez um curso de secretariado. "É difícil combinar uma hora, por exemplo. Ao início, perguntava-lhes quando é que podia celebrar e respondiam-me: das três para as três e meia. Tive de me adaptar."
Os fiéis – a maioria mulheres com mais de 70 anos, vestidas de preto e rosto fechado – vêm quase sempre da terra, quando chegam à capela. Encostam os sachos em fila, junto ao muro, e ficam ali. "Conversam sobre a terra, sobre o que plantaram e está a dar agora." E acrescenta: "São mulheres com vidas sofridas. Nem crianças foram. Começaram a trabalhar na agricultura muito cedo. Estão muito sozinhas." São o grande motor da família, continua. "Fazem tudo. Tratam da casa, dos filhos, da terra. Acordam às 6h da manhã para tratar dos porcos. Isto parou no tempo", sublinha. Impera a tradição. "Obedecem ao marido: alguns bebem e batem-lhes. Um dos meus catecúmenos contou-me que a mãe deixou de ir ao terço, porque o pai achava uma perda de tempo. Ela aceitou a decisão com naturalidade."

Quase todas têm baixo nível de escolaridade, uma "fé muito herdada". "Ninguém lhes ensinou", constata Mariana. "Há umas grandes confusões naquelas cabeças. Uma vez contaram-me como é que podíamos saber se as almas tinham ido para o inferno. O método era infalível, diziam." E relata: "Disseram -me que à noite, depois de arrumar a cozinha, e antes de fechar a porta à chave, devia deitar farinha no chão. Se no dia seguinte, encontrasse lá patas de cabra, significava que a pessoa estava no inferno." Mariana apressou-se a desfazer o mito. "Isso só quer dizer que esteve ali um animal."

Mariana Cardoso (de pé)
Mariana Cardoso (de pé)
Foto: Gonçalo F. Santos
Mariana Cardoso (de pé)

A capela gelada onde voam morcegos
Zulmira, de 87 anos, é uma das crentes mais assíduas. Sentada num dos bancos da capela, conta à SÁBADO: "O meu filho Quintino teve um grande acidente há 30 anos e prometi que se ele ficasse bem, eu lia a Bíblia." Pormenor: a transmontana, que "criou 5 filhos" é analfabeta. Isso não a demoveu. "Junto as letras, digo em voz alta e descubro a palavra. Por isso demorei um ano a cumprir a promessa. Lia 5/6 páginas por noite. Às vezes fazia perguntas ao senhor padre." Diz que um dia gostava de comprar um sacrário para a capela. "Acredito muito em Deus." Aprendeu a rezar em casa, ainda criança. Sempre foi à missa e não poupa elogios a Mariana Cardoso. "Esta senhora é pequena, mas muito grande. Traz-nos a comunhão", refere, com simplicidade.

Muitas vêem em Mariana uma confidente. "Falam -me dos problemas e das suas vidas", diz a ministra. Algumas senhoras agradecem-lhe a "missinha", no fim de cada celebração. Mariana insiste em esclarecê-las. "Também já se quiseram confessar a mim. Não podem, claro."
Algumas vezes – poucas – Mariana ficou sozinha na igreja, porque ninguém apareceu. "O inverno aqui é muito rigoroso. Lembro-me de estar a tocar o sino, gelada, de os cães aparecerem e começarem a embirrar comigo. Dei comigo a pensar o que estaria ali a fazer." Também já lhe aconteceu tremer de frio durante a cerimónia. "Levo o aquecedor, encosto a porta, mas não se aguenta. Em alguns dias, estão seis graus na rua e dois ou três negativos na capela. Há uma família de morcegos que vive aqui que às vezes começa a voar."

Empenhada, chegou a passar filmes sobre Fátima e os apóstolos, na capela. "Elas adoraram. São coisas muitos distantes da realidade em que vivem." E não hesita: "A minha vida mudou desde que aqui cheguei: quando servimos os outros, a vida ganha sentido." 

Artigo originalmente publicado na edição n.º 660, de 22 de Dezembro de 2016. 

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