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Quando as conversas por WhatsApp são traição

Raquel Lito 16 de dezembro de 2024 às 07:00

Saltam etapas, em pouco tempo passam a mensagens de intimidade, mas são facilmente rastreáveis. Rita e Pedro fazem terapia desde março, para salvarem o casamento – e há mais casos idênticos. Sexólogos, psiquiatras e psicólogos lançam pistas sobre os comportamentos suspeitos. Há salvação, ainda que o processo seja "doloroso".

Começaram pelas confidências, a colega de Pedro era boa ouvinte. Compreendia o desânimo dele, ao saber que a mulher não podia ter filhos por motivo de doença prolongada. Do escritório, prosseguiam a conversa fora de horas pelo sistema de mensagens mais popular: WhatsApp. Pedro sentia-se reconfortado a teclar com ela, e quando Rita, a mulher, passava pela sala, escondia o telemóvel. Rita desconfiava. O marido estava diferente, menos afetuoso. Ao longo de dois anos, distanciava-se cada vez mais da mulher por quem se apaixonara há duas décadas.  

Anadolu/Getty Images

As pistas eram demasiado evidentes para que Rita as ignorasse. E o inevitável aconteceu: foi ver o telemóvel dele, leu as conversas, confrontou-o e pediu ajuda especializada. Os dois fazem terapia de casal desde março passado, em sessões regulares (inicialmente semanais, agora de duas em duas semanas) com o sexólogo Fernando Mesquita.

Pedro é um profissional bem-sucedido na área financeira, culto, com boa aparência. Rita está vulnerável pela doença, encontrando-se de baixa há algum tempo. É reservada, tem poucos amigos e mostra-se mais conservadora em termos comportamentais. Ambos têm cerca de 40 anos, vivem em Lisboa (os seus nomes são fictícios, a pedido do terapeuta).

Em consulta, Pedro admitiu que se sentiu "usado" pela colega – vira nele um elevador social para ascender na carreira. Terá subido na hierarquia, mas pouco. Garante ainda que nunca tiveram envolvimento físico, nem encontros presenciais fora do local de trabalho; que a ligação era mais emocional e, sobretudo, remota pelo smartphone

Soube-se do caso na empresa, e para não fazer mais estragos – porque Pedro estava determinado a salvar o casamento –, ambos decidiram pedir à direção que ela fosse transferida para outro serviço. Eis a versão dele: "Não me reconheço naquelas mensagens". Como se fosse outra pessoa a escrevê-las, um caso típico de "despersonalização", segundo Fernando Mesquita. 

Apanhar os cacos

Se é para reatar, o caminho terapêutico é habitualmente longo. Fernando Mesquita explica à SÁBADO que, nestas circunstâncias, é fundamental identificar a raiz do problema e recuperar a autoconfiança da pessoa traída. "Há pessoas que precisam de ter acesso ao telemóvel da outra pessoa e às suas passwords. Se o infiel não consegue controlar os impulsos, pode instalar apps para bloquear o acesso a sites e apps de encontros", explica.

Com Pedro e Rita não foi necessário recorrer a estes bloqueios digitais. Se é certo que ela continua a questionar-se sobre o que falhou e por vezes até tem pesadelos (de Pedro a trocar mensagens com a ex-colega), o marido mudou radicalmente de atitude com ela. Desde o final do verão, passaram a fazer programas em casal: à noite fazem caminhadas, aos fins de semana workshops de culinária ou meditação, ou uma noite num hotel. Rita terá de estar "menos dependente emocionalmente dele", diz o terapeuta. E acrescenta: "Existe solo fértil para trabalhar a recuperação". 

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Foto: Sérgio Lemos
Foto: Miguel Baltazar
Foto: Vítor Mota
Foto: D.R.

Os ciúmes não passam de um dia para o outro, sobretudo quando tiveram fundamento num passado recente. Mas o que atormenta os traídos difere consoante o género. Segundo Fernando Mesquita, e com base em evidência científica, as mulheres tendem a angustiar-se mais com o envolvimento emocional que o parceiro teve fora da relação. "Os homens sentem mais a traição quando existe envolvimento físico", diz. 

Sobre os casais nestas circunstâncias, o psiquiatra José Gameiro diz à SÁBADO: "Se eles quiserem continuar juntos, consigo consertar". Mas não deixa de ser um processo "doloroso". Costumam vir os dois às consultas, se só vier um o médico propõe que o outro também venha. 

Mensagens rastreáveis 

Traições sempre houve, mas com a comunicação digital a forma mudou. "Permite uma aproximação mais rápida. A pessoa escreve coisas que demoraria mais tempo a dizer", diz José Gameiro. No seu livro, Manual de Infidelidade (publicado pela Avenida da Liberdade Editores, em maio de 2024), desenvolve esta posição. Porque "a escrita de centenas de mensagens alimenta a relação e faz saltar muitas etapas, que, numa relação cara a cara, seriam mais lentas", lê-se. Mas são "facilmente rastreáveis se não forem apagadas".

No mesmo livro, enumera as plataformas que "aceleram a intensidade" da conversa, tornando-a rapidamente informal e íntima. Sejam elas "o WhatsApp, o Telegram, o Viber, o WeChat". Não tarda, vêm muitas "omissões e meias-verdades". 

Levar o telemóvel para a WC ou andar sempre com ele no bolso, apagar as mensagens, mudar o código de desbloqueio, virar o aparelho para baixo para não se ver o ecrã a piscar são alguns dos comportamentos mais comuns entre infiéis. Isto quebra a dinâmica do casal, mais notória após o jantar, quando é suposto haver momentos de intimidade.

Comunicação assertiva

Isa Silvestre, psicóloga, refere à SÁBADO que é um tema muito abordado em consultas: "É um tema que as pacientes trazem. Recebo mais mulheres em psicoterapia do que homens". Um exemplo: "O marido enviou um 'foguinho' [emoji de chama] em mulheres atraentes no Instagram. A mulher reagiu com ciúmes, fez-lhe perguntas, pediu-lhe para deixar de segui-las virtualmente". Ele cumpriu. 

Em vez de espionagem, andando a vasculhar o telemóvel do parceiro, Inês Silvestre sugere que a comunicação seja assertiva com uma frase deste género: "Até tinha vontade de ir ver o teu telemóvel às escondidas, por causa da mudança de comportamento".  Depois da confrontação é ver o que acontece...

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