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Pedro Nobre: "Historicamente sabemos que as questões da sexualidade estão muito ligadas com relações de poder"

Débora Calheiros Lourenço 07 de setembro de 2025 às 17:38

O professor catedrático lamenta que a educação sexual esteja a ser questionada e considera que para "promover a saúde pública temos de promover medidas para garantir a saúde sexual".

O desejo de estudar a saúde sexual a nível global fez nascer o Observatório Mundial da Saúde Sexual, inaugurado na passada quinta-feira e com sede da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Pedro Nobre, diretor da faculdade e coordenador do grupo de investigação em Sexualidade e Género do Centro de Psicologia da UP, explicou à SÁBADO que o objetivo é “recolher informações e dados, trabalhar para tornar o conhecimento já existente acessível e ajudar a desenvolver políticas públicas relacionas com a área”.  
Pedro Nobre defende mais educação sexual para saúde pública DR
Qual é a importância de estudar a saúde sexual?  A área da sexualidade é central na vida de todos nós, independentemente de qualquer posição ideológica isso é inegável.   O ano passado o grupo de investigação em Sexualidade e Género publicou uma revisão sistemática, e percebemos que quase todos os estudos na área concluem a existência de uma relação positiva entre a saúde sexual, o bem-estar, a qualidade de vida e a saúde mental. Por isso, se queremos promover a saúde pública e o bem-estar da população temos de promover medidas para garantir a saúde sexual.  Quais são os principais objetivos do Observatório Mundial da Saúde Sexual? Este observatório é um projeto extremamente ambiciosa, que começou com uma ideia já antiga. Queríamos criar uma estrutura com representatividade mundial que se dedicasse não só a recolher informação e dados sobre a saúde sexual, mas também a conseguir comunicá-la ao público comum e a ajudar a desenvolver políticas públicas relacionadas com a área. Para isso vai ser necessário um grande investimento por parte das universidades para criarmos uma rede global com um Ub em cada continente, este é o primeiro passo para termos informações sobre a saúde sexual em todas as partes do mundo e conseguirmos fazer estudos comparativos. É uma grande honra que a sede de todo o projeto seja na Universidade do Porto. Está na ordem o dia a discussão sobre desinformação, discursos ideológicos extremistas e tentativas de manipulação da realidade e a área da sexualidade é uma das mais afetadas e colocada em causa, desde as questões mais básicas dos direitos sexuais, que são direitos humanos, aquilo que é a diversidade de sexo e de género. Está agora a começar um novo ano letivo e um dos temas mais discutidos este verão foi a inclusão da educação sexual no currículo de Cidadania, é ou não importante que os jovens discutam estes temas em contexto de sala de aula?  O princípio que está por detrás dos discursos contra a educação sexual é que falar com os jovens sobre a sexualidade promove a promiscuidade, o início da vida sexual precoce, comportamentos de risco e a diversidade de género. Não é preciso investigar muito para sabermos que os jovens sempre tiveram uma curiosidade extrema sobre a sua sexualidade e a evidência científica diz-nos que não falar sobre isso é o pior que pudemos fazer para evitar a transmissão de doenças, gravidezes indesejadas e até a violência do namoro.  É claro que os conteúdos têm de ser apropriados para a idade e para o contexto de forma a conseguirem desconstruir mitos e crenças e diminuir a pressão dos pares para o início da vida sexual. Não há melhor do que a educação sexual para combater tudo aquilo que os extremistas dizem querer combater.  O ministro da Educação, um académico reconhecido pelo seu trabalho, deixou-se levar nesta confusão e cedeu às pressões apesar de saber que existem evidências de que a educação sexual é fundamental. Mas existem críticas legítimas à forma como a matéria é lecionada?  Claro, o que é importante não é retirar ou diminuir a educação sexual, mas sim desenvolver um plano baseado nas guide lines dos organismos internacionais, como a UNESCO, para o tema.  Fomos pioneiros a legislar a educação sexual, mas ao nível da implementação ainda temos um longo caminho a percorrer até que se torne sistemática. É preciso preparar de facto os conteúdos a ser abordados e quem é que tem competência ou formação para os abordar. Não têm de ser apenas os professores, os psicólogos e toda a comunidade educativa podem também assumir um papel fundamental. Atualmente vemos que muitos dos professores não têm competências, não estão preparados nem se sentem à vontade para abordar estes temas, a FPCEUP, e outras instituições, tem capacidades para fornecer cursos de formação e preparar a comunidade educativa, basta o Ministério da Educação ter interesse. Este pode ser o momento para superarmos a discussão estéril da ideologia a começarmos a discutir como podemos desenvolver políticas que cumpram os interesses dos jovens e da sociedade. Falar de sexualidade também é falar das questões de género e igualdade? Infelizmente estamos numa fase onde os dados os dados apontam para que a normalização da violência no namoro está a aumentar e alguns direitos antes considerados garantidos estão a ser questionado. Há um conjunto de fatores de risco que se vão acumulando, estamos a assistir a uma regressão muito devido às mensagens que são transmitidas nas redes sociais por influenceres misóginos que vão contra os direitos humanos. É também por isto que é importante que os jovens possam discutir estes temas num contexto formal. Porquê que é um tema chave para muito movimentos extremistas?   Querer negar a sexualidade é um dos temas centrais das posições extremistas, que quase diabolizam todo o que tem a ver com a sexualidade. Historicamente sabemos que as questões da sexualidade estão muito relacionadas com relações de poder e é por isso que muitas ideologias totalitárias concebem a sexualidade como algo extremamente perigoso e procuram controlar ou reprimir direitos e evitando que, sobretudo a mulher, se emancipe. 
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