Cliques e emoções substituíram rigor e independência. Talvez o legado de Pinto Balsemão possa lembrar que ética, critério e responsabilidade são os alicerces de uma sociedade sustentável e de uma esfera pública saudável.
Eu nunca trabalhei, sequer conheci pessoalmente Francisco Pinto Balsemão, mas usei, muitas vezes (e continuo a fazê-lo) uma frase sua nas minhas aulas. Além de extremamente actual, faz cada vez mais sentido, numa altura em que a comunicação social enfrenta os seus maiores desafios e a sociedade, no geral, se perde entre o que quase parece informação, o que é pura desinformação e o que parece que nos informa mas serve apenas para vender alguma coisa. E disse que “se um jornal for propriedade de uma empresa de açúcar, não vai publicar notícias sobre os malefícios do açúcar”. Onde foi que o afirmou, não me recordo, mas recordo sempre esta frase, como farol para a independência, liberdade, isenção, objetividade, imparcialidade, coerência, rigor e responsabilidade. Critérios que deveriam nortear qualquer participação na esfera pública mas que se foram perdendo ao longo do tempo, desvirtuados em função do que chama mais a atenção, provoca emoções fortes e recorre a um certo viés que não é garante da verdade. É discutível. E embora a sociedade precise sempre de boas discussões, o discutível nem sempre é objeto de discussão.
Falar do legado de Pinto Balsemão é inútil porque o seu papel na vida política, social e cultural, em Portugal, é inegável. Pioneiro na comunicação social e relevante na política, foi indubitavelmente uma figura que marcou o país e deixa marcas que vão perdurar. Da inovação à criatividade, quem chega agora arrisca a nunca conhecer um exemplo que todos reconhecem como único. E o que é único não pode perder-se, sob pena de perdermos o pouco que ainda resta e que mantém alguma relevância à comunicação social, antes que seja substituída por influenciadores panfletários e incendiários, sem critério ou sentido de responsabilidade social. Porque, queiramos ou não, ocupar o espaço público, com conteúdo e, sobretudo, com opinião, tem uma carga de responsabilidade que importa não ignorar.
Hoje, o seu legado confronta-nos com um cenário radicalmente distinto: a sobrecarga de informação diária é quase incontrolável, não existem filtros que nos permitam absorver e interpretar tudo com a devida atenção. Notícias, publicações, vídeos e comentários disputam o nosso tempo e atenção, enquanto algoritmos decidem, muitas vezes por nós, o que vemos, o que sentimos e o que julgamos importante. Neste contexto, o viés comercial, a pressão por cliques e a lógica da emoção tornam-se instrumentos poderosos, capazes de distorcer factos, dar espaço à superficialidade e enfraquecer o debate público.
A desinformação e a informação disfarçada de entretenimento multiplicam-se, criando um terreno fértil para que decisões individuais e colectivas sejam influenciadas por narrativas enviesadas, incompletas ou manipuladas. É neste espaço digital sobrelotado que o exemplo de independência, rigor e responsabilidade que Pinto Balsemão defendia se revela mais urgente do que nunca. Quem participa no debate público, seja como jornalista, criador de conteúdos ou comentador, enfrenta o desafio de não ceder à tentação de simplificações fáceis ou sensacionalismo. Tal como aquela frase que tantas vezes repito em sala, pensar nisso como um farol lembra-nos de que o espaço público exige coragem, critério e responsabilidade. E que, se perdermos isso, perdemos algo que nunca poderá ser recuperado, tornando cada vez mais irresponsável a (i)responsabilidade mediática que já existe.
A literacia mediática e digital da maior parte da população não lhe permite saber que os seus dados são usados e para quê, menos ainda que as fotos que inocentemente publica são transformadas em lições para melhorar a inteligência artificial.
Vivemos num aqui-e-agora permanente, num ambiente digital que se infiltrou em todas as dimensões da vida e do trabalho. E, fascinados, desenvolvemos uma espécie de dissonância coletiva que atribui ao digital a solução para quase tudo.
Cliques e emoções substituíram rigor e independência. Talvez o legado de Pinto Balsemão possa lembrar que ética, critério e responsabilidade são os alicerces de uma sociedade sustentável e de uma esfera pública saudável.
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Uns pais revoltavam-se porque a greve geral deixou os filhos sem aulas. Outros defendiam que a greve é um direito constitucional. Percebi que estávamos a debater um dos pilares mais sensíveis das democracias modernas: o conflito entre direitos fundamentais.
Estes movimentos, que enchem a boca com “direitos dos trabalhadores” e “luta contra a exploração”, nunca se lembram de mencionar que, nos regimes que idolatram, como Cuba e a Venezuela, fazer greve é tão permitido como fazer uma piada com o ditador de serviço.
O que deve fazer para quando chegar a altura da reforma e como se deve manter ativo. E ainda: reportagem na Síria; ao telefone com o ator Rafael Ferreira.