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No submundo das raves: "Éramos uma alternativa a Ibiza"
Festas de arromba de música eletrónica ganharam expressão em castelos, a partir dos anos 90. Quem recuperou os registos e viveu esses tempos conta à SÁBADO como era. O documentário Paraíso mostra mais, em exibição dia 27 (amanhã) na discoteca Lux e com estreia nas salas de cinema a 9 de outubro.
Rave quer dizer delírio, em festas clandestinas ou semi-clandestinas. A expressão inglesa começou a ganhar forma em Portugal numa altura em que a ditadura acabara há pouco mais de uma década e a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) era ainda recente. Com Cavaco Silva aos comandos do Governo, o País sentia-se próspero na segunda metade dos anos 80. À noite, Lisboa fervilhava com as discotecas, sobretudo de rock, mas havia quem saísse da norma sonora. Inspirada no Studio 54, de Nova Iorque, a discoteca Alcântara-Mar abria as portas em 1987, na Rua da Cozinha Económica, e seria a antecâmara para a cultura rave. A pista só fechava ao nascer do sol, dando a conhecer o acid house e o techno, importados do Reino Unido e de Detroit (EUA), respetivamente.
Um olhar sobre a cultura rave em Portugal nos anos 80 e 90, alternativa a Ibiza
D.R.
Celebração do passado
João Ervedosa (38 anos) e Maria Guedes (37 anos) não viveram esses tempos, mas gostariam de ter lá estado. O filme tem esse efeito, de certa nostalgia, de um ambiente semi-secreto que alguns viveram em pleno. Mas João Ervedosa assegura à SÁBADO: "Não somos saudosistas. Éramos uma alternativa a Ibiza, porque aqui ainda era algo novo, enquanto Ibiza já atraía turistas do mundo inteiro. Depois de mais de 30 anos, esse fator novidade já não existe. Para nós faz mais sentido falar em celebração do passado, do presente que continuamos a viver e do futuro que ainda está por vir." O acesso a imagens e arquivos foi difícil, pelas imagens perdidas em sótãos e caves. Não havia telemóveis, fotograva-se e filmava-se pouco, o que havia estava guardado em cassetes de VHS de má qualidade. "O que fez com que o filme tenha estado dez anos em produção. Uma das coisas que nos diziam muitas vezes era que as pessoas se vestiam de forma especial", acrescenta Maria Guedes.Ravers celebram a cultura clubbing alternativa a Ibiza nos anos 90 em Portugal
Foto: D.R.
Documentário explora a cena rave em Portugal, alternativa a Ibiza nos anos 90
Foto: D.R.
Documentário 'Paraíso' recorda a cultura rave em Portugal, alternativa a Ibiza nos anos 90
Foto: D.R.
'Feira Virtual' e marcas de 'Cookie' destacam-se em ambiente rave dos anos 90
Foto: D.R.
Uma retrospetiva sobre as raves em Portugal, alternativa a Ibiza nos anos 90
Foto: D.R.
Documentário sobre a cultura rave em Portugal, 'Paraíso', estreia em outubro e recorda DJ Vibe e Alcântara-Mar
Foto: D.R.
O documentário 'Paraíso' recorda as raves em Portugal nos anos 90, alternativa a Ibiza
Foto: D.R.
DJ Vibe e outros artistas revivem a cultura rave de Portugal, alternativa a Ibiza
Foto: D.R.
Locais de filmagem
Com muitas paragens pelo meio, a produção independente (financiada pelos próprios) passou por várias etapas tecnológicas nos bastidores. "Atravessámos cinco câmaras diferentes, oito microfones diferentes, etc. A única coisa que sabíamos desde o inicio era que queríamos criar este formato de entrevista, onde o entrevistado está a falar com outro entrevistado, provocando uma 'conversa entre amigos' guiada por nós", explica Daniel Mota. Não raras as vezes, havia entrevistas com mais de três horas e "cheias de incoerências" e então veio a "magia" de Henrique Brazão na fase de montagem. Juntou-se à equipa e com "paciência e precisão" conseguiu produzir uma linha narrativa coerente, segundo o realizador.
A única coisa que sabíamos desde o início era que queríamos criar este formato de entrevista, onde o entrevistado está a falar com outro entrevistado
Daniel Mota, realizador do documentário Paraíso
Os locais de
filmagem foram sempre sugeridos pelos entrevistados. Por exemplo, Yen Sung falou no Lux (onde é DJ residente); o Dj Luís Leite num restaurante em frente ao antigo Alcântara-Mar; Dj Jiggy e A. Paul junto ao Teatro da
Lanterna Mágica (onde começaram os afters do X-Club). Houve também entrevistas em ambientes mais
íntimos, como o DJ Vibe no estúdio. Grande parte das conversas decorreram na discoteca Planeta Manas, que fechou em julho último. O DJ norte-americano Danny Tenaglia deu um curto depoimento depois de atuar, ao nascer do sol, às 7h, num camarim do Hard Club (Porto).
Daniel Mota, realizador do documentário Paraíso
Primeira rave num convento
O título Paraíso evoca o fenómeno nacional, vivido à margem da pop, quando Rob Di Stefano disse em tempos: "Underground house from a paradIse called Portugal" (um submundo num paraíso chamado Portugal). Dançava-se em castelos, fumava-se à vontade, consumiam-se drogas sintéticas (ecstasy). O dito delírio ou "raven partiers" (dizia José Rodrigues dos Santos no noticiário da RTP) ganhava mais adeptos entre muralhas. A primeira rave, ou das primeiras – é dificil a exatidão pela falta de registos, à época não havia telemóveis –, aconteceu no Convento de São Francisco, em Coimbra, no sábado de 13 de fevereiro 1993. A Rave On começava às 23h e era organizada por António Cunha, que no ano anterior abrira a editora Kaos. Tratava-se da primeira chancela dedicada a este estilo de música, com uma estrutura empresarial "bem definida", segundo DJ Vibe: "Funcionando como uma verdadeira empresa, com uma equipa interna de seis a sete pessoas, cada uma com a sua função e departamento: financeiro, marketing/comunicação, A&R (artistas e repertório) e eventos."O submundo das raves em Portugal nos anos 90 como alternativa a Ibiza
Foto: D.R.
Rave On no Convento de São Francisco, Coimbra, em 1993
Rave no Castelo de Santa Maria da Feira teve cinco mil pessoas e dance music
Foto: D.R.
Dificuldade em "exportar grandes nomes"
O Dj Alex Fx (Alexandre Fernandes) viveu o boom do lado dos samplers, teria então 17 ou 18 anos, quando os computadores escasseavam e a sincronização fazia-se em modo MIDI. "Era uma forma muito mais introspetiva e de tentativa/erro que era usada para se fazer música. Eu já tinha alguma experiência, porque tinha começado a trabalhar com essas tecnologias nos anos 80 e o facto de ser multi-instrumentista ajudava imenso em termos de composição e arranjos", conta à SÁBADO. Na altura, 98% da música era em formato de vinil, enquanto Alex Fx mostrava novas sonoridades na discoteca Amnésia, na praia de Francelos em Vila Nova de Gaia (demolida em 2003). "Vinham pessoas de Inglaterra de propósito (público). Eu era tão inocente que julgava que eram turistas. Era tudo menos um wild boy. Nunca vi aquilo como trampolim do que quer que fosse. Estava a fazer o que realmente gostava e era pago miseravelmente. Mas isso era o extra", recorda.
O facto de sermos um povo que gosta de receber, faz com que ainda hoje tenhamos um défice de exportar grandes nomes
DJ Alex Fx (Alexandre fernandes)
Para lá, o Dj Alex Fx deslocava-se de comboio e regressava a casa de boleia ou táxi. "Como não tinha carro e não gostava de incomodar
ninguém, apenas ia aos clubes que estavam mais próximos do Porto ou quando ia tocar
(ao vivo) em algumas festas e me arranjavam boleia para poder levar os quilos e
quilos de material."
Olhando
em perspetiva, Alex Fx considera que foi uma "jornada tremenda", mas pecou pelo "espírito de subserviência que veio incutido de muitas gerações." Esta forma de ser e de estar reflectiu-se na música de dança, acrescenta: "O facto de sermos um povo que gosta de receber faz
com que ainda hoje tenhamos um défice de exportar grandes nomes lá para fora e
continuar a querer que venham cá os grandes nomes."
Se há momento de viragem para fora chama-se So Get Up (1994), protagonizado por Dj Vibe e Rui da Silva com voz de Ithaka Darin Pappas. "Foi o catalisador que permitiu à música eletrónica portuguesa ganhar
reconhecimento internacional. O disco não só foi tocado nos EUA, como também na
Europa", conta Dj Vibe.
DJ Alex Fx (Alexandre fernandes)
Foi o catalisador que permitiu à música eletrónica portuguesa ganhar reconhecimento internacional
Dj Vibe (António Pereira) sobre So Get Up
So Get Up apareceu em artigos internacionais
sobre a música, como os publicados na Billboard Magazine e incluído em charts DJ de revistas, ou seja, listas das músicas
que os DJ's tocavam na altura, equivalentes às atuais playlists do Spotify. Para Dj Vibe, o futuro deste tipo de música continiua a ser promissor, ainda que noutros moldes: "Onde
a cena eletrónica é credível e integrada na própria cultura, sendo reconhecida
pelo governo e pela sociedade, e não marginalizada, como exemplo em
França, na Alemanha, Inglaterra ou nos EUA." Depois, há os destinos de sempre, como Ibiza, remata: "Uma instituição e onde continuam abrir clubbings."
Dj Vibe (António Pereira) sobre So Get Up
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