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Chegada de ucranianos alarga resposta a outros refugiados

"As pessoas estão em zonas de acolhimento, não estão em campos de refugiados fechados. Aquilo que aconteceu na Grécia não é uma realidade que queremos replicar na Polónia"

O acolhimento de refugiados ucranianos está a contribuir para encontrar soluções para refugiados de outros continentes para os quais há dois meses não havia respostas, disse em entrevista àLusao diretor da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR).

"O que correu claramente bem, e tem corrido muito bem, é a perceção que as pessoas têm dos refugiados. Essa é a grande novidade!", exclamou André Costa Jorge, sustentando que antes da crise de refugiados da Ucrânia se observava na sociedade portuguesa um fenómeno semelhante ao que estava a acontecer em muitos países europeus: "Uma certa crispação em torno do tema refugiados e migrantes. Percebíamos que para o comum dos cidadãos a palavra refugiados estava associada a cidadãos não europeus, a pessoas que não são como nós".

"As pessoas que estávamos a receber em Portugal, que eram pessoas de outras paragens, tinham aquilo que nós chamamos marcadores culturais; a sua identidade, a forma de vestir, a religião, que claramente associava refugiados a pessoas diferentes de nós, europeus", acrescentou André Costa Jorge, que dirige também o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JSR).

Para André Costa Jorge, antropólogo de formação, depois de a guerra ter regressado à Europa, a 24 de fevereiro, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, a chegada dos refugiados veio alterar essa perceção. "Esta é a melhor notícia que aconteceu nesta área", sublinhou, destacando que, de uma forma geral, a disponibilidade para o acolhimento tem sido "muito diferente", nomeadamente dos atores políticos a nível local, mas também dos empregadores.

"A boa notícia é que para o cidadão comum, para o autarca comum, para o empresário comum - porque há muitas empresas envolvidas neste processo de acolhimento -, este acontecimento toca-nos a todos, diz respeito a nós", referiu: "Isso é muito importante, porque conseguimos a partir desta experiência que as pessoas estão a viver (...) alargar as respostas para outros refugiados, para quem não havia soluções há dois meses, de habitação, não havia grandes soluções de empregabilidade e não havia grande disponibilidade da sociedade para conhecer e contactar. A partir destes acontecimentos, está a haver essa disponibilidade".

"Ainda hoje tive uma reunião com uma empresa em que perguntei claramente - Então as respostas que vocês querem dar aos refugiados é apenas para os ucranianos ou estamos a falar de refugiados no sentido lato do termo? E a resposta foi 'não, é todos os refugiados'", revelou o dirigente da PAR.

Apesar de sentir que houve uma atitude positiva na sociedade portuguesa e europeia na resposta aos refugiados ucranianos, que "alargou o conceito de refugiado" e a disponibilidade para o acolhimento, o diretor da PAR reconheceu que há ainda "muito trabalho" a fazer nesta área. "Ainda estamos na primeira volta do campeonato", disse.

"Não sou absolutamente otimista a 100%, mas creio que é uma experiência concreta de que é possível. Fomos capazes de acolher e não colocámos ninguém em campos de refugiados. As pessoas estão em zonas de acolhimento, mas não estão em campos de refugiados fechados. Aquilo que aconteceu na Grécia não é uma realidade que queremos replicar na Polónia", assegurou.

Assim, também no contexto europeu vê aspetos positivos. "A Europa uniu-se em torno deste tema. Em 2015, tinha-se dividido claramente. Havia três grupos, o Grupo de Visegrado [formado pela Polónia, Hungria, Eslováquia e República Checa], aqueles que se opunham a uma Europa solidária, a uma Europa aberta, acolhedora, aqueles que estavam disponíveis para o acolhimento, onde se incluía Portugal, e os chamados não alinhados, que tinham uma posição algo ambígua, com reservas", recordou.

O próprio pacto europeu das migrações era "um espaço de conflitualidade e de tensão no espaço europeu", observou André Costa Jorge.

"O facto de termos sido obrigados em dois meses a acolher mais de cinco milhões de pessoas na Europa e sobretudo nos países que estavam muito fechados sobre a ideia do acolhimento, creio que abre boas expectativas, boas perspetivas", assumiu.

Portugal recebeu, até ao momento, quase 35.000 pessoas provenientes da Ucrânia, desde o início do conflito, a 24 de fevereiro.

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