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Eutanásia: Decreto da AR enviado ao Presidente da República para promulgação

26 de novembro de 2021 às 19:45

Marcelo Rebelo de Sousa terá 20 dias, a partir da data da receção, para promulgar, vetar ou voltar a enviar para o Tribunal Constitucional o decreto, aprovado pela Assembleia da República em 05 de novembro.

O novo decreto do parlamento que despenaliza a morte medicamente assistida foi esta sexta-feira enviado ao Presidente da República para promulgação, segundo o portal da assembleia na Internet.

Marcelo Rebelo de Sousa terá 20 dias, a partir da data da receção, para promulgar, vetar ou voltar a enviar para o Tribunal Constitucional o decreto, aprovado pela Assembleia da República em 05 de novembro, que despenaliza a morte medicamente assistida em casos de "lesão definitiva de gravidade extrema ou doença incurável e fatal".

Há oito meses, em 15 de março deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa vetou o anterior decreto do parlamento sobre esta matéria, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional por "insuficiente densidade normativa" do artigo 2.º n.º 1, que estabelecia os termos para a morte medicamente assistida deixar de ser punível, em resposta a um pedido seu de fiscalização preventiva.

Na sequência do veto, o parlamento reapreciou o decreto e aprovou uma nova versão em 05 de novembro, com votos a favor da maioria da bancada do PS e de BE, PAN, PEV, Iniciativa Liberal, de 13 deputados do PSD e das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.

Dois deputados socialistas e três sociais-democratas abstiveram-se. A maioria da bancada do PSD votou contra, assim como PCP, CDS-PP e Chega e sete deputados do PS.

No início do decreto que agora seguiu para o Palácio de Belém foi acrescentado um novo artigo n.º 2, com as definições dos conceitos de "morte medicamente assistida" -- subdividida em "suicídio medicamente assistido" e "eutanásia", duas expressões que não apareciam no anterior texto -- e também de "doença grave ou incurável", de "lesão definitiva de gravidade extrema", de "sofrimento", de "médico orientador" e de "médico especialista".

As condições em que a "morte medicamente assistida" passa a poder ser praticado legalmente, sem ser punida -- agora estabelecidas no artigo 3.º, em vez de no 2.º -- mantêm-se praticamente inalteradas: "Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".

Na anterior versão deste artigo, incluía-se como critério "lesão grave de gravidade extrema de acordo com o consenso científico", redação que o Tribunal Constitucional considerou não ter suficiente "densidade normativa", dando razão neste ponto ao Presidente da República.

Procurando-se ultrapassar esta inconstitucionalidade, foi retirada a referência ao "consenso científico" e, no novo artigo 2.º, está definido o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema" como "lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa".

Noutro número do artigo 3.º, especifica-se que "a morte medicamente assistida ocorre em conformidade com a vontade e a decisão da própria pessoa, que se encontre numa das seguintes situações: a) lesão definitiva de gravidade extrema; b) doença grave ou incurável", e "pode ocorrer por: a) suicídio medicamente assistido; b) eutanásia".

"Doença grave ou incurável" é definida como "doença grave que ameace a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade", e clarifica-se que o "sofrimento" mencionado no decreto consiste em "sofrimento físico, psicológico e espiritual, decorrente de doença grave ou incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa".

Ainda no artigo 2.º, que esclarece o significado de oito conceitos utilizados nesta lei, a "morte medicamente assistida" é definida como "morte que ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde" -- invocando-se o direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado na Constituição da República Portuguesa, o que não era feito no anterior decreto.

Considera-se "suicídio medicamente assistido" a "autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica" e "eutanásia" a "administração de fármacos letais, pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito".

No requerimento enviado ao Tribunal Constitucional em 18 de fevereiro, o chefe de Estado sustentou que os conceitos de "sofrimento intolerável" e de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" utilizados no anterior decreto do parlamento eram "altamente indeterminados" -- o Tribunal Constitucional deu-lhe razão relativamente ao segundo ponto.

Marcelo Rebelo de Sousa escreveu que não estava em questão "saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme a Constituição".

No entanto, no acórdão de 15 de março, que teve como relatora a juíza conselheira Maria José Rangel de Mesquita, aprovado por uma maioria de sete juízes contra cinco, o Tribunal Constitucional entendeu tomar posição sobre essa questão de fundo. argumentando tratar-se de uma questão "incontornável" e "prévia a todas as demais expressamente colocadas" pelo Presidente da República.

O tribunal considerou que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar, em determinadas condições, a morte medicamente assistida.

No acórdão, defende-se, contudo, que as situações em que isso é possível têm "de ser claras, antecipáveis e controláveis desde o momento em que aquela prática se encontre estabelecida normativamente, devendo o procedimento assegurar a determinabilidade controlável das inevitáveis indeterminações conceituais", sem "rampas deslizantes".

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