Capturas acidentais podem levar à extinção de populações locais de espécies protegidas.
Em Portugal continental morre acidentalmente nas redes de pesca pelo menos um golfinho por dia, segundo a investigadora Catarina Eira, da Universidade de Aveiro, que alerta para ameaça de extinção da espécie boto.
Questionada pela Lusa, a investigadora disse que, pelos dados que a Universidade teve em 2019 esse número é real e até conservador, pelo menos em relação à região norte e centro, área de ação da investigação do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), da Universidade de Aveiro.
Catarina Eira falava à Lusa a propósito da carta que esta semana a Comissão Europeia enviou aos ministros do mar de 22 estados, incluindo o de Portugal, a pedir solução para as capturas acidentais de golfinhos e outros animais marinhos nas águas comunitárias.
"Escrevi aos ministros [...] de 22 estados-membros da UE sobre a questão das capturas acidentais de golfinhos e de outros animais marinhos nas águas da UE, especialmente no Golfo da Biscaia e no Mar Céltico, para instá-los a colaborar na busca de uma solução para esta situação", indicou o comissário europeu do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevicius, numa declaração publicada no 'site' do executivo comunitário.
Na declaração o comissário observou que, em toda a UE, "os níveis de capturas acidentais são inaceitáveis", podendo levar à "extinção de populações locais de espécies protegidas".
A especialista portuguesa diz que a Universidade recolheu no ano passado cerca de 320 golfinhos, só no Norte e Centro do país, e que a situação portuguesa nem sequer é das piores.
Esta semana, por exemplo, foi divulgado que 670 animais, a maior parte golfinhos, foram recolhidos nas costas francesas só nas seis primeiras semanas do ano, numa contabilidade da organização ambientalista Pelagis. Os ambientalistas dizem que a culpa é das redes de pesca. Em 2019, nas costas de França, foram encontrados 11 mil golfinhos mortos.
Em Portugal não há dados oficiais globais mas há números que resultam do projeto LIFE+MarPro, de conservação de espécies marinhas protegidas em Portugal, criado nomeadamente nas "importantes taxas de captura acidental registadas nas pescas portuguesas".
Catarina Eira explica que se chama captura acidental porque o golfinho não é a espécie alvo de pesca. Mas ficar preso nas diversas artes de pesca sempre aconteceu e é "muito frequente".
"Temos contabilizado animais que chegam já mortos às praias" e nas análises conseguimos identificar a causa de morte, que na maioria é devido a "captura acidental", diz. E essa captura acontece em qualquer arte de pesca, seja nas redes de emalhar, de cerco ou na arte xávega.
Através do projeto LIFE a Universidade estimou taxas de captura acidental e quais as redes mais perigosas para os animais. As redes de emalhar são, concluiu a investigação, as mais perigosas.
E entre as várias espécies de golfinhos que ocorrem em Portugal o boto é a que mais a preocupa. "Se a taxa de mortalidade não diminuir prevemos a extinção na costa portuguesa nos próximos 20 anos", diz Catarina Eira, que explica que o golfinho-comum tem a maior taxa de captura e mortalidade, muito acima de outras espécies como o golfinho riscado ou o roaz.
Também na página do projeto LIFE se fala do "caso crítico" do boto, com dados com referência a 2015 a dizerem que 8,4% da população de Portugal continental era enrolada nas redes todos os anos, "um valor inadmissível em função dos 1,7% máximos recomendados". E estimava-se que o golfinho-comum podia ter uma mortalidade de mais ou menos 3.400 indivíduos por ano.
"É comum na pesca haver golfinhos nas redes. No ano passado, trabalhando só no Norte e Centro, recolhemos cerca de 320 golfinhos. Destes, não conseguimos determinar a causa de morte em todos (...) mas a captura acidental chega normalmente aos 70%", afirmou.
A especialista alertou também que as redes nem sempre são utilizadas de forma legal, o que pode ser responsável por "boa parte da captura acidental", e admitiu que soluções para o problema da captura acidental que não ponham em causa a pesca não são fáceis. E têm sempre de envolver os pescadores.
Foram já feitos testes com um tipo de redes mais facilmente detetadas pelos golfinhos, mas foram abandonados porque diminuíam a quantidade de pesca, e estão a ser testados equipamentos ("pingers") que emitem um som que afasta golfinhos sem ser prejudicial. Mas a implementação não é fácil.
Catarina Eira, investigadora e bióloga, autora de dezenas de artigos científicos, especialista em biodiversidade e ecologia marinha, salienta que os "pingers" não resolvem o problema todo e volta à questão da conservação. "Há espécies com problemas de conservação. No boto o número de fêmeas que chega à idade reprodutora é baixo, 70% das fêmeas que morrem são juvenis".
Em janeiro do ano passado foi criada uma área de conservação de cetáceos, que faz parte da rede Natura 2000 e que compreende uma faixa entre Ovar e Marinha Grande, e foi alargada uma faixa de conservação no sudoeste alentejano, sugestões do projeto LIFE.
"A área foi legalmente aprovada, o plano de gestão para as duas áreas foi aprovado, mas desde aí não foram aplicadas medidas de conservação que estavam definidas nos planos", lamenta Catarina Eira, afirmando que a única ação foi a aplicação de 'pingers' em redes de arte xávega na praia da Vieira.
Com a ameaça dos pescadores sempre presente não terão os golfinhos problemas também resultantes das alterações climáticas? Catarina Eira diz que não, que são animais com "grande capacidade de adaptação" e que as análises mostram que as presas principais vão variando.
Por agora andam a consumir tainhas, e também desde o ano passado biqueirão. "A população está a adaptar-se às alterações que estão a acontecer na zona", resumiu.
Pelo menos um golfinho morre por dia em Portugal nas redes de pesca
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui ,
para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana. Boas leituras!
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Imaginemos que Zelensky, entre a espada e a parede, aceitava ceder os territórios a troco de uma ilusão de segurança. Alguém acredita que a Rússia, depois de recompor o seu exército, ficaria saciada com a parcela da Ucrânia que lhe foi servida de bandeja?
Prepara-se o Governo para aprovar uma verdadeira contra-reforma, como têm denunciado alguns especialistas e o próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, num parecer arrasador.
Não foi fácil, mas desvendamos-lhe os segredos do condomínio mais luxuoso de Portugal - o Costa Terra, em Melides. Conheça os candidatos autárquicos do Chega e ainda os últimos petiscos para aproveitar o calor.
No meio do imundo mundo onde estamos cada vez mais — certos dias, só com a cabeça de fora, a tentar respirar — há, por vezes, notícias que remetem para um outro instinto humano qualquer, bem mais benigno. Como se o lobo mau, bípede e sapiens, quisesse, por momentos, mostrar que também pode ser lobo bom.