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Diretora do Programa Nacional defende proibição de fumar nos carros com crianças

17 de novembro de 2019 às 21:25
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Emília Nunes quer que proposta que acabou por ficar de fora na revisão da Lei do Tabaco volte a ser debatida e apela a estudos independentes sobre os novos cigarros eletrónicos.

A diretora do Programa Nacional de Controlo do Tabagismo defende a proibição de fumar nos carros quando se transportam crianças, equacionada em anteriores governos, mas que acabou por ficar de fora na revisão da Lei do Tabaco.

"É uma medida a equacionar, mas carece obviamente de decisão governamental e, depois disso, de aprovação no parlamento. Teria de se mexer na lei", diz à agência Lusa Emília Nunes.

No dia em que se assinala o Dia do Não Fumador, questionada pela Lusa, a responsável refere que esta proibição "tornava mais clara a situação", mas recorda que a situação melhorou face a anos anteriores.

Esta medida foi proposta num estudo de um investigador da Universidade do Minho, que numa atualização, em agosto, de dados de um primeiro trabalho sobre a exposição das crianças ao fumo ambiental do tabaco, concluiu que 14,4% das crianças estavam expostas ao fumo passivo em casa e 10,1% no carro.

Nesse estudo, o autor exemplifica: "As leis exigem que os carros disponham de dispositivos de segurança para as crianças se sentarem, por razões de saúde e segurança. Por motivos semelhantes, deve ser proibido fumar no carro, para proteger as crianças dos efeitos negativos na saúde resultantes da exposição ao fumo passivo em veículos".

"A proibição de fumar no carro, seria semelhante a outras restrições sobre os comportamentos dos condutores que são necessários para a saúde pública e a segurança, tais como a proibição de conduzir sob o efeito de álcool ou outras drogas (...) ou a proibição do uso do telemóvel", acrescenta.

José Precioso insiste ainda que o fumo passivo "é composto por um conjunto de substâncias cancerígenas e tóxicas" que prejudicam a saúde das crianças e que "o Governo tem a obrigação e a responsabilidade de assegurar que as crianças estão em ambientes seguros e saudáveis".

Sobre as consequências para as crianças da exposição ao fumo ambiental do tabaco, o investigador aponta a exacerbação da asma, doença respiratória aguda (bronquite e pneumonia), sintomas respiratórios crónicos, otite média aguda e crónica, decréscimo da função pulmonar e hiperatividade brônquica.

Questionada pela Lusa, a responsável pelo Programa Nacional de Prevenção e Controlo do Tabagismo (PNPCT) diz que uma eventual proibição do fumo do automóvel sempre que se transporte crianças "tornava a situação mais clara".

"Estamos a caminhar para lá. Claro que não podemos proibir nos domicílios, mas nos carros...", afirmou, frisando: "E não é só na presença de crianças. Se fumar no carro, o fumo acaba por ficar retido. As partículas ficam presas nos estofos e nos revestimentos do interior do automóvel".

"É bom não só para as crianças, como também para os adultos que utilizam esses mesmos veículos. Agora, é uma medida que não está ao nível da Direção-Geral de Saúde propor", conclui.

Questionado pela Lusa sobre se admitia uma revisão da legislação no sentido de incluir esta proibição, disse que o Ministério da Saúde continua "a apostar em políticas de prevenção para reduzir o consumo do tabaco em Portugal", mas que se trata de uma lei recente, "pelo que a revisão carece de algum tempo de avaliação".

Autoridades de saúde querem estudos independentes sobre novos cigarros

A responsável defende também que devem ser feitos estudos por entidades independentes sobre os novos produtos do tabaco e reforçada a fiscalização das campanhas da indústria, sobretudo junto dos jovens.

"Nós ainda não temos informação científica validada por entidades independentes que nos permita responder com rigor sobre se são mais ou menos nocivos [do que o tabaco]. Uma coisa é certa: são nocivos para a saúde, mas o grau de nocividade não é totalmente conhecido pois eles ainda estão no mercado há pouco tempo, sobretudo o tabaco aquecido", disse à Lusa.

Emília Nunes defende também que o ideal é "o risco zero" e recorda: "Relativamente aos cigarros eletrónicos, estão agora a aparecer mortes, sobretudo quando são consumidos com determinados aromas ou misturas com derivados de canábis".

"No fundo estamos a passar para um produto que também não sabemos se afinal de contas vai ou não vai mesmo diminuir o risco. Não está demonstrado e não sabemos a médio prazo os ganhos ou não", afirmou.

Emília Nunes explica que a legislação "proíbe totalmente as campanhas feitas pela indústria" e diz que as autoridades precisam de maior capacidade da fiscalização.

"A fiscalização está a cargo de várias entidades, da Direção-Geral do Consumidor, da Alta Autoridade para a Comunicação Social, da Autoridade de Segurança das Atividades Económicas, portanto, precisaríamos também de ter mais capacidade de intervir nessa nossa dimensão", afirmou.

O relatório de 2019 do PNPCT, a que a Lusa teve acesso, reconhece que os jovens têm menos noção do grau de dependência, pois julgam que é fácil deixar e isso torna-os mais vulneráveis a experimentar.

Os dados recolhidos no âmbito do estudo "Comportamentos aditivos aos 18 anos: inquérito aos jovens participantes no Dia da Defesa Nacional", em 2018 - citados no relatório do PNPCT, indicam que 60,1% dos jovens de ambos os sexos disseram já ter consumido tabaco; 48,8% nos últimos 12 meses e 38,3% nos últimos 30 dias.

O relatório do PNPCT diz também que "continuar a fumar ao longo da vida adulta, compromete a saúde e longevidade".

"Se não se conseguir impedir que os jovens comecem a fumar, as próximas gerações continuarão a suportar um pesado fardo, não só em termos de doença, incapacidade e mortalidade prematura, mas também em gastos em tratamentos e serviços de saúde", sublinha o relatório.

O documento alerta também para a necessidade de uma comunidade científica "ativa e isenta de conflitos de interesses", que investigue e produza "a base de comprovação e evidência necessárias à tomada de decisão política, legislativa e técnica, em favor da promoção da saúde pública".

A propósito dos estudos que indicam que as campanhas da industria estão a direcionar-se cada vez mais para os jovens, o relatório sugere que se avance com o protocolo entre a Direção-Geral da Saúde e a Direção-Geral de Educação para a prevenção do tabagismo em meio escolar e reforçar a colaboração com o Instituto Português da Juventude e com as Sociedades Científicas e Organizações Não Governamentais (ONG) nesta área.

Questionada sobre se os novos produtos de tabaco poderiam ser uma boa estratégia para deixar de fumar, Emília Nunes responde: "Na verdade, até podem ter um efeito perverso que é diminuir a perceção de risco e muitas pessoas fumadoras que poderiam querer deixar de fumar passam para estes produtos na convicção de que é igual a deixar de fumar".

"Isto é uma ideia que às vezes a indústria também transmitiu: que fumar aquele produto tem menos risco e, portanto, é equivalente a deixar de fumar, quando na verdade não há confirmação de que assim seja", insistiu.

"Há aqui um ponto comum: todos eles, tendo nicotina, provocam dependência e, portanto, vão colocar os consumidores numa situação de perda de liberdade relativamente ao consumo", acrescentou a responsável, sublinhando: "A ideia que queremos passar é que as pessoas devem mesmo deixar de fumar".

Por outro lado, acrescentou, também importa que os próprios pais sensibilizem as crianças desde cedo para a perigosidade destes produtos, não dando o mau exemplo ao fumar junto deles".

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