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De onde sairão os €14 mil milhões que Portugal pretende investir em Defesa?

Luana Augusto
Luana Augusto 28 de junho de 2025 às 10:00
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Países da NATO comprometeram-se em investir 5% do seu PIB em Defesa até 2035. Para o ex-ministro Azeredo Lopes, não passa de um "objetivo ambicioso" e que se for mal calculado poderá ser "muito mau para a sociedade".

Todos os países da NATO, com a exceção de Espanha, acordaram na quarta-feira investir 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em Defesa, até 2035. Se no ano passado 1% do PIB em Portugal correspondia a €2,84 mil milhões, isso significa que investir 5% do PIB implicaria gastos na ordem dos €14,2 mil milhões. Para o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, esta meta não passa de "um objetivo muito ambicioso para um prazo de 10 anos", afirmou àSÁBADO.

Omar Havana/Getty Images

Com este compromisso, uma questão passa, então, a ser a central: onde irá Portugal buscar tanto dinheiro? Do lado do primeiro-ministro, Luís Montenegro, não houve qualquer resposta, no entanto, foi ao classificar esta questão como "a pergunta para um milhão de dólares" que o agora professor universitário apresentou um palpite.

"O primeiro-ministro disse que não encontrou nenhuma mina de ouro, e como sei como é difícil fazer um Orçamento do Estado, estou até curioso para ver como é que isto vai ser absorvido sem haver opções. Pessoalmente, acho que é impossível sem haver uma alteração muito substancial do modelo de Estado", sugeriu Azeredo Lopes, que tutelou a pasta da Defesa no primeiro governo de António Costa (2015-2018).

E rematou: "Isto ou é muito bem explicado ou então terá um efeito secundário que poderá ser muito mau para a sociedade".

Apesar das dúvidas que se geram em torno do dinheiro proveniente para este investimento, Azeredo Lopes garante que é um defensor de uma maior aposta na Defesa. Ainda assim, não deixa de criticar a forma como o dinheiro tem sido aproveitado nesta área. "Sou um defensor de um maior investimento em Defesa, mas infelizmente gasta-se muito dinheiro e não existem efeitos práticos."

LUSA

Dos 5% do PIB que serão investidos, 3,5% serão destinados a "equipamento e treino", enquanto  os restantes 1,5% serão em "cibersegurança, prontidão e resiliência estratégica", segundo o site do Governo. Quanto a este último valor, o ex-ministro da Defesa classifica o seu investimento como muito "importante". "Os 1,5% do PIB destinados para as infraestruturas, se bem investidos, podem ser muitíssimo importantes."

E dá como exemplo: "Um dos dramas que temos no continente europeu é a mobilidade militar. Isso significa o quê? Que num determinado teatro de operações é crucial que, do ponto de vista da mobilidade das nossas forças, estejam suficientemente preparadas para irem de A a B o mais depressa possível. Mas a verdade é que se começar uma guerra no leste europeu só chegaremos lá passado algum tempo."

E acrescenta: "E o pior disto tudo é que os nossos adversários, em particular a Federação Russa, sabem perfeitamente quais são as nossas fragilidades".

Investimento ou cooperação?

Apesar dos países estarem agora a apostar no investimento financeiro, Azeredo Lopes acredita que o que é realmente preciso é uma maior cooperação dentro da Europa. "Continuamos a acreditar que tudo se resolve com dinheiro e eu continuo a achar que tudo se resolve primeiro com mais integração."

E lembrou: "Estamos há cerca de sete anos a tentar criar uma brigada de reação rápida até 5 mil homens. Pergunto-me: O que é feito dela? Não há. Enquanto isso, sabemos que há milhares e milhares que são recrutados todos os meses na Ucrânia e na Rússia para irem para a frente de combate. Isto é revelador das dificuldades que temos em trabalhar em conjunto."

EPA/KOEN VAN WEEL

Segundo o ex-ministro, a Europa está habituada a depender dos Estados Unidos desde a época da Guerra Fria. Agora, acredita que é tempo do bloco se tornar mais autónomo. "Não podemos continuar a acreditar que os EUA estarão sempre ao nosso lado para fazer aquilo que, em parte, é uma responsabilidade nossa. Durante a Guerra Fria, habituámo-nos a olhar para o lado e a dizer: por favor americanos, venham aqui garantir a nossa segurança. Isto levou a quê? A que os EUA tivessem consolidado um investimento e um desenvolvimento tecnológico e industrial de Defesa muito importante."

Os americanos têm hoje "um orçamento de Defesa acima dos €900 mil milhões", e de acordo com Azeredo Lopes isso representa um investimento de "3,4% do PIB". "Os EUA gastam muito mais do que nós na sua defesa e isso faz com que tenham uma vantagem enorme como produtores e faz com que sejam o maior vendedor de armamento do mundo."

Não obstante, considera que os países europeus "estão a acordar" devido à "perceção de uma ameaça". "A Alemanha, por exemplo, que procurou a todo o custo não se envolver em corridas ao armamento, depois da Segunda Guerra Mundial, anunciou um investimento de €700 mil milhões - o que para os níveis europeus é uma brutalidade."

Os 31 países da NATO, incluindo Portugal comprometeram-se em investir 5% do seu PIB em Defesa, à exceção de Espanha que se manterá nos 2%. A decisão espanhola, que até é vista com bons olhos por Azeredo Lopes, levou o presidente dos EUA, Donald Trump, a lançar um últimato"São o único país que não vai pagar tudo. Vão manter-se nos 2%. A economia deles está a ir muito bem, mas pode implodir se algo de mau acontecer", disse numa conferência de imprensa. "Vamos negociar um acordo comercial com Espanha e vamos obrigá-los a pagar o dobro."

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