Países da NATO comprometeram-se em investir 5% do seu PIB em Defesa até 2035. Para o ex-ministro Azeredo Lopes, não passa de um "objetivo ambicioso" e que se for mal calculado poderá ser "muito mau para a sociedade".
Todos os países da NATO, com a exceção de Espanha, acordaram na quarta-feira investir 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em Defesa, até 2035. Se no ano passado 1% do PIB em Portugal correspondia a €2,84 mil milhões, isso significa que investir 5% do PIB implicaria gastos na ordem dos €14,2 mil milhões. Para o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, esta meta não passa de "um objetivo muito ambicioso para um prazo de 10 anos", afirmou àSÁBADO.
Omar Havana/Getty Images
Com este compromisso, uma questão passa, então, a ser a central: onde irá Portugal buscar tanto dinheiro? Do lado do primeiro-ministro, Luís Montenegro, não houve qualquer resposta, no entanto, foi ao classificar esta questão como "a pergunta para um milhão de dólares" que o agora professor universitário apresentou um palpite.
"O primeiro-ministro disse que não encontrou nenhuma mina de ouro, e como sei como é difícil fazer um Orçamento do Estado, estou até curioso para ver como é que isto vai ser absorvido sem haver opções. Pessoalmente, acho que é impossível sem haver uma alteração muito substancial do modelo de Estado", sugeriu Azeredo Lopes, que tutelou a pasta da Defesa no primeiro governo de António Costa (2015-2018).
E rematou: "Isto ou é muito bem explicado ou então terá um efeito secundário que poderá ser muito mau para a sociedade".
Apesar das dúvidas que se geram em torno do dinheiro proveniente para este investimento, Azeredo Lopes garante que é um defensor de uma maior aposta na Defesa. Ainda assim, não deixa de criticar a forma como o dinheiro tem sido aproveitado nesta área. "Sou um defensor de um maior investimento em Defesa, mas infelizmente gasta-se muito dinheiro e não existem efeitos práticos."
LUSA
Dos 5% do PIB que serão investidos, 3,5% serão destinados a "equipamento e treino", enquanto os restantes 1,5% serão em "cibersegurança, prontidão e resiliência estratégica", segundo o site do Governo. Quanto a este último valor, o ex-ministro da Defesa classifica o seu investimento como muito "importante". "Os 1,5% do PIB destinados para as infraestruturas, se bem investidos, podem ser muitíssimo importantes."
E dá como exemplo: "Um dos dramas que temos no continente europeu é a mobilidade militar. Isso significa o quê? Que num determinado teatro de operações é crucial que, do ponto de vista da mobilidade das nossas forças, estejam suficientemente preparadas para irem de A a B o mais depressa possível. Mas a verdade é que se começar uma guerra no leste europeu só chegaremos lá passado algum tempo."
E acrescenta: "E o pior disto tudo é que os nossos adversários, em particular a Federação Russa, sabem perfeitamente quais são as nossas fragilidades".
Investimento ou cooperação?
Apesar dos países estarem agora a apostar no investimento financeiro, Azeredo Lopes acredita que o que é realmente preciso é uma maior cooperação dentro da Europa. "Continuamos a acreditar que tudo se resolve com dinheiro e eu continuo a achar que tudo se resolve primeiro com mais integração."
E lembrou: "Estamos há cerca de sete anos a tentar criar uma brigada de reação rápida até 5 mil homens. Pergunto-me: O que é feito dela? Não há. Enquanto isso, sabemos que há milhares e milhares que são recrutados todos os meses na Ucrânia e na Rússia para irem para a frente de combate. Isto é revelador das dificuldades que temos em trabalhar em conjunto."
EPA/KOEN VAN WEEL
Segundo o ex-ministro, a Europa está habituada a depender dos Estados Unidos desde a época da Guerra Fria. Agora, acredita que é tempo do bloco se tornar mais autónomo. "Não podemos continuar a acreditar que os EUA estarão sempre ao nosso lado para fazer aquilo que, em parte, é uma responsabilidade nossa. Durante a Guerra Fria, habituámo-nos a olhar para o lado e a dizer: por favor americanos, venham aqui garantir a nossa segurança. Isto levou a quê? A que os EUA tivessem consolidado um investimento e um desenvolvimento tecnológico e industrial de Defesa muito importante."
Os americanos têm hoje "um orçamento de Defesa acima dos €900 mil milhões", e de acordo com Azeredo Lopes isso representa um investimento de "3,4% do PIB". "Os EUA gastam muito mais do que nós na sua defesa e isso faz com que tenham uma vantagem enorme como produtores e faz com que sejam o maior vendedor de armamento do mundo."
Não obstante, considera que os países europeus "estão a acordar" devido à "perceção de uma ameaça". "A Alemanha, por exemplo, que procurou a todo o custo não se envolver em corridas ao armamento, depois da Segunda Guerra Mundial, anunciou um investimento de €700 mil milhões - o que para os níveis europeus é uma brutalidade."
Os 31 países da NATO, incluindo Portugal comprometeram-se em investir 5% do seu PIB em Defesa, à exceção de Espanha que se manterá nos 2%. A decisão espanhola, que até é vista com bons olhos por Azeredo Lopes, levou o presidente dos EUA, Donald Trump, a lançar um últimato: "São o único país que não vai pagar tudo. Vão manter-se nos 2%. A economia deles está a ir muito bem, mas pode implodir se algo de mau acontecer", disse numa conferência de imprensa. "Vamos negociar um acordo comercial com Espanha e vamos obrigá-los a pagar o dobro."
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui ,
para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana. Boas leituras!
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
"O afundamento deles não começou no Canal; começou quando deixaram as suas casas. Talvez até tenha começado no dia em que se lhes meteu na cabeça a ideia de que tudo seria melhor noutro lugar, quando começaram a querer supermercados e abonos de família".