Rafael é o centro da vida de Ana há 15 anos. O filho mais novo tem paralesia cerebral, desde que sofreu uma epóxia no parto. E Ana foi obrigada a deixar o trabalho em hotelaria para se dedicar 24 horas por dia ao que chama de seu "amor incondicional": "São 24 sobre 24 horas a viver em função dele", diz Ana.
Só que esse "amor incondicional" e essa dedicação diária significam apenas 180 euros de rendimento mínimo ao final do mês.
"É completamente desajustado ao trabalho e funções que temos. Não temos rotatividade, vida própria. Aguns dias são muito bons, outros terríveis", desabafou com a SÁBADO minutos depois de ter terminado a sua função como cabeleireira de Rafael. Como em casa são apenas ela e Rafael, no fim do mês, esses 180 euros têm significado fazer escolhas: "As contas ficavam sempre para trás: a água, o gás, acumulava um mês de luz com outro".
O uso do pretérito imperfeito (ficavam) não é desajustado. Ana pediu ainda este Verão o estatuto de cuidadora informal e o subsídio que lhe permite mais algum desafogo.
O fôlego que 300 euros dão
Segundo dados enviados à SÁBADO pelo Ministério da Segurança Social a 27 de outubro, foram atribuídos ao todo 102 subsídios, que têm um valor médio de 300 euros.
"Pode trazer algum fôlego financeiro, mas é ínfimo. É uma verba com um valor máximo de 438 euros, a que são deduzidos os complementos que a pessoa cuidada estiver a receber", explica a vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, Maria Anjos.
"O que consegui foi pôr em dia as contas que tinha para trás", diz Ana, que ainda assim não considera que a retribuição que agora recebe seja "um valor que seja merecedido": "Poupamos milhares ao estado por sermos nós a tomar conta deles. Eu é que faço as intravenosas, as injeções. Poupam-se milhares nos internamentos", vai listando, entre as tarefas que aprendeu ao observar os técnicos de saúde que têm acompanhado Rafael.
Em falta: como será na reforma?
Como Ana vive num dos concelhos-piloto onde o projeto está a ser testado desde junho (a pandemia atrasou em dois meses o seu início), tem prometidas ações de formação. Mas há mais que gostaria que saísse do papel: "Na área do descanso, o apoio psicológico."
E, também, a carreira contributiva com retroativos, que não ficou sequer consagrado na lei que está em vigor.
Essa era também uma exigência da Associação Nacional dos Cuidadores Informais (ANCI) explica à SÁBADO Maria Anjos: "A retroatividade estava em alguns projetos lei", mas não passou. "A maior parte destas pessoas que deixaram agora de cuidar [por morte dos seus familiares] estiveram 5, 10, 15 anos com interrupção na sua atividade e sem direito a coisíssima nenhuma". É o que Ana sente que lhe sucederá.
"Não vou ter direito à reforma, não terei idade para ser integrada no mercado de trabalho. E é muito injusto. Será acabar à porta da Cáritas ou do Banco Alimentar com um subsídio de sobrevivência", lamenta-se.
Mais de 2.500 pedidos
Segundo o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, foram apresentados até ao momento 2.559 requerimentos ao estatuto de cuidador informal em todo o país. Desses, estão deferidos 530 (ou seja, 20% dos pedidos foram até agora aceites). Nos 30 concelhos que estão com projetos-piloto, foram apresentados 775 e 227 estão deferidos.
Cuidadores informais vão receber apoio máximo de €343,50
Portaria publicada em Diário da República permite o início de projetos-piloto em 30 concelhos de todo o país a partir do dia 1 de abril. - Portugal , Sábado.
A mesma fonte oficial assume que "a implementação do estatuto do cuidador informal foi naturalmente afetado pela situação de pandemia", mas que foram tomadas algumas medidas para "minorar este efeito e acelerar a atribuição".
Entre elas: a dispensa da declaração médica quanto ao consentimento da pessoa cuidada, da diminuição para 30 dias do prazo de decisão da Segurança Social e da eliminação da necessidade de atestado médico que certifique que o requerente possui condições físicas e psicológicas adequadas.
Burocracia e algum desconhecimento
Maria Anjos, vice-presidente da ANCI, aponta algumas dificuldades para as 140 mil pessoas que estão a receber apoios (subsídios ou suplementos) e que deveriam pedir o reconhecimento como cuidadores informais.
Por um lado, "no interior [do País] as pessoas nem sequer sabem que foi aprovado". Por outro, à falta de informação soma-se "a relutância" de algumas pessoas em aceitar que devem ir a tribunal pedir o estatuto de maior acompanhado quando as pessoas de quem cuidam não conseguem elas próprias passar um consentimento (obrigatório para pedir o estatuto). É um reconhecimento da incapacidade dos seus que não estão ainda dispostos a aceitar.
Outra dificuldade coloca-se a quem tem 66 anos e 5 meses ("e são muitas", sublinha Maria Anjos). Têm direito a reforma, mesmo que social, pelo que lhes é vedado o acesso ao subsídio como cuidadores. "Não cabe na cabeça de ninguém. Deveriam colocar um teto" mínimo para a atribuição destes subsídios.
Ana reconhece que "há muita burocracia, mas as coisas conseguem-se com vontade". No seu caso, apesar da pandemia, teve de ir a tribunal tratar da tutela do filho. Ainda não tinha a documentação necessária, mas bastou-lhe entregar a justificação passada pelas autoridades judiciais para apresentar a sua candidatura.
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portuense29.10.2020
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