Marcelo Rebelo de Sousa despede-se do 25 de Abril com paralelismos entre a Revolução e o Papa Francisco
A sessão solene comemorativa do 51.º aniversário do 25 de Abril de 1974 acontece em período de luto nacional de três dias decretado pelo Governo pela morte do Papa Francisco. Bancadas da esquerda criticaram a suspensão de cerimónias por parte do Governo. Direita optou por fazer campanha eleitoral nos discursos.
Marcelo Rebelo de Sousa fez esta sexta-feira o seu último discurso como Presidente da República no 25 de Abril, data histórica em que tem deixado alertas sobre a democracia e abordado o tema do passado colonial português. Lembrou que este ano se assinala a "primeira sessão solene num Parlamento dissolvido".
A sessão solene comemorativa do 51.º aniversário do 25 de Abril de 1974 na Assembleia da República, marcada para as 10h, aconteceu em período de luto nacional de três dias decretado pelo Governo pela morte do Papa Francisco, e começa, por isso, com um voto de pesar, lido pelo presidente da Assembleia da República. José Pedro Aguiar-Branco lembrou a doença e olegado de Franciscoe assuas visitas a Portugal.
A primeira deputada a fazer o seu discurso do 25 de Abril foi Inês Sousa Real, do PAN, começou por lembrar figuras históricas, como Maria Teresa Horta e o Papa Francisco. "É urgente celebrar Abril e urgente celebrar a democracia", afirmou a deputada única sublinhando que os portugueses estão cansados de eleições - as terceiras antecipadas em três anos -, mas que não se pode deixar de ir votar, naquela que é também a data das primeiras eleições livres há 50 anos. Alertou para os crimes sexuais e a violência doméstica.
O segundo deputado a falar foi Paulo Núncio do CDS que começou por evocar também o Papa Francisco: "Uma testemunha incansável da misericórdia. Um Papa que denunciou a cultura do descarte e celebrou uma cultura de e pela vida. Um peregrino do bem". Núncio lembrou depois os 50 anos das primeiras eleições livres - "recordamos o entusiasmo sem par dos portugueses, 92% foram às urnas". "Desde sempre ficou à vista que o povo português queria uma democracia europeia." O deputado centrista voltou a apelar às celebrações do 25 de novembro - "a 25 de Abril celebramos a liberdade, a 25 de novembro celebramos mantê-la".
No seu discurso em nome do Livre, Isabel Mendes Lopes começou por evocar os capitães de Abril que morreram no último ano. Também ela recordou o primeiro sufrágio universal e livre no ano seguinte à Revolução dos Cravos, evocou o Papa Francisco e lembrou os ataques à democracia, à verdade, aos imigrantes e os homens com fortunas maiores do que países. "O momento que vivemos não parece ameaçador, é mesmo ameaçador." Sobre o luto nacional e o cancelamento de festejos por parte do Governo, o Livre afirmou: "O 25 de Abril não se cancela, nem se adia".
Do PCP, António Filipe também começou a sua intervenção de seis minutos evocando a morte do Papa Francisco. O partido comunista recordou a primeira Constituição democrática. "É dia de celebrar os militares de Abril e os deputados da Constituinte, sem esquecer os resistentes anti-fascistas." António Filipe referiu a força da democracia portuguesa e defendeu uma alternativa que luta pelos trabalhadores, condições de trabalho mais digna, pelo acesso ao SNS, à educação e contra todas as discriminações e formas de violência.
Já Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda começou com uma evocação da sua infância e do Alentejo em que "bastava olhar por cima do ombro para ver a miséria e a pobreza, numa memória não tão distante assim". A líder do BE criticou por isso o adiar das cerimónias que assinalam "o dia mais feliz" por parte do Governo. Depois falou ainda da guerra em Gaza - "a fronteira da Humanidade" - enquanto era interrompida por vários apartes vindos da bancada do Chega. "Senhor primeiro-ministro de que serve adiar as comemorações do 25 de Abril se as palavras de Francisco são ignoradas?" Acabou o discurso dirigindo-se aos jovens a quem tratou por tu e que lhes lembrou os baixos salários, a troika, mas também a defesa da democracia.
Rui Rocha no discurso pela Iniciativa Liberal lembrou as eleições livres. "Avançámos muito nestes últimos 50 anos, mas ainda temos muito para avançar." Falou dos problemas no acesso à saúde para quem depende do SNS, à habitação por "causa de burocracia e intervencionismo", e às escolas que são decididas pelo código postal. "Moras do lado certo da avenida tens futuro, moras do lado errado não tens elevador social." A IL voltou a defender a urgência de reformar o Estado e a garantir que é o único partido capaz de o fazer.
Do lado do Chega foi André Ventura que discursou para dizer que "é sempre bom estar em festa, quando o País não pode estar em festa porque as condições de vida não lhes permite". "É bom celebrar Celeste Caeiro, essa mulher que distribuiu cravos morreu abandonada nas urgências", afirmou perante os aplausos da sua bancada. Depois elencou indicadores da economia portuguesa que mostram como o país está na pobreza, usando um exemplo do que o ChatGPT diria para descrever Portugal. "Se a inteligência artificial percebeu isto, como é que a inteligência do primeiro-ministro não percebeu?". Depois apontou à imigração desregulada e culpou o PS por essa situação e de ter criado um país inseguro para as mulheres.
Pedro Nuno Santos, do PS, começou por criticar o Governo por cancelar as celebrações do 25 de Abril por causa do luto nacional. "Hoje o povo sai à rua enquanto o Governo fica à janela." O líder socialista fez referência aos casos que afetaram o Governo e levaram às eleições antecipadas, ligada à empresa familiar do primeiro-ministro, e o seu próprio caso de dúvidas na compra de casas. Pedro Nuno Santos apressou-se a mostrar os documentos todos e, por isso, apontou a Luís Montenegro que demorou a prestar esclarecimentos e foi mostrando documentos a conta gotas, apontando às eleições antecipadas, onde defendeu se joga a transparência e a ética. Atacando a direita populista afirmou: "Para lá do ódio só resta o deserto das ideias". No final, afirmou: "Celebrar Abril é celebrar o Papa Francisco".
Por fim, foi a vez de Teresa Morais discursar em nome do PSD, aproveitando para recordar as memórias. Lembrando um irmão que foi para a guerra, o seu regresso, o irmão na tropa e o seu regresso a casa no dia da Revolução. "Para uma adolescente com irmãos mais velho a mensagem era clara: 'a guerra acabou'." Celebrou as eleições livres, o acesso das mulheres a várias categorias profissionais, mas não esqueceu "as desigualdades várias" que ainda persistem. "A discriminação das mulheres na participação política e a violência doméstica" foram os dois problemas principais apontados pela deputada, que falou ainda da pobreza, a igualdade entre as crianças. "Temos de conseguir fazer melhor e vamos fazer melhor."
O presidente da Assembleia da República foi o penúltimo a discursar na cerimónia do 25 de Abril. Aguiar-Branco lembrou os mais de cinco milhões de portugueses que votaram nas primeiras eleições - "foram votar sem saber o que esperar e sem saber se estariam seguros enquanto o faziam, podemos e devemos celebrar o seu gesto, mas devemos sobretudo estar à altura dele". Atacou a incapacidade de apresentar resultados e apontou-a como a causa para a abstenção e os populismos. Tanto em Portugal como na Europa. "Tropeçamos em relatórios e na incapacidade de agir." Apontou ainda soluções como procurar novos mercados, atrair cérebros americanos ou um novo tratado para a Europa. "Muitas vezes discordamos quando na verdade concordamos no essencial", enumerando vários pontos de concordância, como menos carga fiscal, menos burocracia ou a necessidade de uma reforma na justiça.
Por fim, coube ao chefe de Estado encerrar a cerimónia, com aquele que é o último 25 de Abril como Presidente. O seu discurso começou por evocar as primeiras eleições livres em oito séculos de história e o trabalho dos deputados para fazer a Constituição. Marcelo Rebelo de Sousa anunciou depois que se ia socorrer das palavras do Papa Francisco para fazer o discurso. "Como não encontrar nos apelos de Francisco os mesmo paralelismos de tudo o que se passava há 50 anos? As desigualdades, os conflitos." Fez ainda paralelismos com o que se passava há 50 anos e a situação hoje. Recorrendo ao discurso do Papa, que morreu na segunda-feira, lembrou que não se devem erguer muros contra os imigrantes. "E o que tem o Papa Francisco a ver com todos os 25 de Abril? Tudo. A dignidade humana, paz, justiça, liberdade, fraternidade, serviço pelos outros, preferência pelos ignorado, omitidos e a humildade de reconhecer o erro." Lembrando que o Papa pede para ser enterrado com simplicidade: "Assim terminaremos todos, do mais simples aos que sonham dominar o mundo: em pó ou em cinza".
O chefe de Estado, que vai terminar o seu segundo e último mandato presidencial em março do próximo ano, faz a sua intervenção antes de viajar para o Vaticano, para o funeral do Papa, num contexto interno de pré-campanha para as eleições legislativas antecipadas de 18 de maio.
Em 2024, os 50 anos do 25 de Abril foram celebrados pouco depois da posse do Governo minoritário PSD/CDS-PP chefiado por Luís Montenegro, que caiu em março deste ano quando a moção de confiança que apresentou no parlamento foi rejeitada, durante uma crise política que surgiu por causa de uma empresa familiar do primeiro-ministro.
Edições do Dia
Boas leituras!