Couto dos Santos (1949-2025): o ministro "das questões difíceis" que enfrentou uma geração em protesto
António Couto dos Santos, encontrado ontem morto num campo de golfe, foi uma das figuras centrais do cavaquismo nos anos 90, tendo funções governativas durante oito anos. Esteve na criação do Cartão Jovem, no lançamento dos canais privados de TV - e no primeiro aumento de propinas em meio século, que levou à onda de manifestações estudantis da alcunhada "geração rasca", que ditaram a sua demissão.
António Couto dos Santos, encontrado ontem sem vida num campo de golfe em Matosinhos, foi um dos políticos centrais do cavaquismo nos anos 80 e 90, sendo ministro três vezes e estando em alguns momentos marcantes - da privatização dos canais de televisão à criação do Cartão Jovem, passando pelo primeiro aumento das propinas universitárias em 50 anos. Esta última medida, tomada em 1992, caiu em cima de um meio estudantil já aceso com a contestação às provas globais de acesso às universidades - a intensa onda de manifestações, que culminou em repressão policial, levou à sua saída da pasta da Educação.
Cavaco Silva recorda-o como "um elemento muito importante" dos seus governos e "o ministro das questões particularmente difíceis", descrevendo-o numa nota distribuída à agência Lusa como uma pessoa de "ideias novas (...) e grande criatividade". Ex-ministros cavaquistas ouvidos na sequência da sua morte (Manuela Ferreira Leite, que lhe sucedeu na Educação, e Marques Mendes) notam, por entre os elogios ao "serviço público", o "desgaste" na pasta da Educação, que ficou como marca da sua passagem pelo poder.
Engenheiro químico natural de Esponsende e formado no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, Couto dos Santos entrou no círculo governativo em 1983, no governo de Bloco Central PS-PSD liderado por Mário Soares, como adjunto do secretário de Estado do Ambiente, Carlos Pimenta. Seria Pimenta a recomendá-lo a Cavaco Silva pouco tempo depois: no primeiro governo cavaquista, entre 1985 e 1987, Couto dos Santos foi secretário de Estado da Juventude.
Após a primeira maioria absoluta de Cavaco em 1987, Couto dos Santos subiu a ministro, posição que ocuparia nos seis anos seguintes em três tutelas: adjunto do primeiro-ministro e Juventude, nos Assuntos Parlamentares e na Educação. Em 1990, como ministro adjunto (com tutela da RTP), dá a cara no processo legislativo e político de lançamento dos canais privados de televisão em Portugal - uma entrevista à RTP, nesse ano, mostra o seu estilo de comunicação redondo e já muito experimentado.
Tal como muitos outros ministros do cavaquismo, Couto dos Santos esteve envolvido em polémicas - e, também tal como outros ministros naquela altura, a sua polémica foi revelada pelo semanário O Independente, liderado por Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso. O jornal noticiou que a mulher do ministro tinha assinado um contrato promessa por um apartamento na Costa da Caparica, com os sócios de outra empresa (a Ensul) a quem a tutela de Couto dos Santos entregara empreitadas públicas. O casal acabou por recuar na compra da casa, enquanto o ministro falou em "ataque à sua vida privada". A PJ não encontrou irregularidades.
O caso "Ensul" aconteceu em 1992, o início do fim da carreira ministerial de Couto dos Santos. A primeira vaga de contestação dos jovens aconteceu contra as Provas Globais de Acesso ao Ensino superior, ou PGA, e no ano seguinte subiu de tom quando o governo anunciou um aumento das propinas, o primeiro desde 1941, oito anos antes do nascimento de Couto dos Santos. A medida tomada pelo então ministro da Educação levou à contestação não só dos estudantes, como dos reitores.
As manifestações estudantis contra a lei das propinas levaram a um momento inédito na contestação contra o Governo nos anos 90 - em abril de 1993, quatro estudantes na plateia do Congresso Nacional do Ensino Superior levantam-se sem aviso, baixam as calças e ostentam um "NÃ-O-PA-GO" escrito nas nádegas. É o início de um estilo que um ano depois, em maio de 1994 (já com Manuela Ferreira Leite na Educação e mais rabos a serem mostrados em manifestações), levará o diretor do Público, Vicente Jorge Silva, a cunhar a expressão "geração rasca".
Couto dos Santos saiu do governo em dezembro de 1993. Continuou na política, mas com um perfil mais baixo - foi deputado por Aveiro durante seis anos, militou nas distritais e no aparelho do PSD e foi presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República. Como presidente do Conselho de Administração da Casa da Música, no Porto, foi ele que abriu a instituição ao público em abril de 2005. Teve vários cargos na Associação Empresarial de Portugal, administrando empresas ligadas à AEP. Em 2022 tinha deixado de ser cônsul honorário da Rússia por causa da invasão à Ucrânia. Morreu a 6 de janeiro deste ano, aos 75 anos.
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