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Ajuste Direto dá à Gulf Med €4 milhões para suprir as falhas do concurso público que a própria empresa venceu

Diogo Augusto 10 de julho de 2025 às 19:14

A Gulf Med Aviation, empresa a quem o Estado português concessionou serviços de helicópteros de emergência médica por 77 milhões de euros, esteve envolvido num escândalo de corrupção em Malta e tem ligações ao governo do Catar. 

Face à falta de helicópteros de emergência médica com que país se tem deparado devido aos atrasos por parte da Gulf Med, entidade que ganhou o concurso público, o Estado Português publicou hoje, quinta feira, um processo de ajuste direto no valor de 4 milhões de euros para garantir a existência de helicópteros no chamado período de transição. No entanto, esse ajuste direto foi atribuído à mesma Gulf Med. 
 
A Gulf Med Aviation, empresa a quem o Estado português concessionou serviços de helicópteros de emergência médica por 77 milhões de euros, esteve envolvido num escândalo de corrupção em Malta e tem ligações ao governo do Catar. 
 
O caso da Vitals Global Healthcare e da Steward Health Care é bem conhecido em Malta. Quando, em 2015, o governo maltês decidiu privatizar hospitais, a Vitals já tinha sido avisada no ano anterior e tinha até assinado um memorando de entendimento com o governo para garantir o negócio.  
 
Quando a empresa tomou conta dos hospitais privatizados, o dinheiro começou a desaparecer. Parte dele, veio a descobrir-se, foi gasto em jóias, viagens, hotéis de cinco estrelas, carros de luxo e mensalidades de escolas privadas. Quando a situação chegou a um ponto insustentável, os hospitais passaram para as mãos da Steward, que continuou a sorver dinheiro públicos.  
 
Foi depois de o governo injetar cerca de 390 milhões de euros nestas empresas que se decidiu para e reverter o processo de privatização dos hospitais. 
 
O que estas duas empresas também têm em comum é que, durante o período em que administraram estes hospitais, ambas recorreram à Gulf Med Aviation para, em parceria, operar o serviço de ambulância por helicóptero. 
 
A Gulf Med Aviation é uma empresa que, através de uma estrutura relativamente simples em Malta, é detida por Simon J. Camilleri e, com uma percentagem residual, Amata Camilleri. Trata-se da subsidiária dedicada aos helicópteros-ambulância do grupo Simon J Camilleri Holdings, que inclui outras subsidiárias em áreas como a higiene e segurança no trabalho e a segurança contra incêndios. 
 
Ora, se a ligação a Malta estará na origem do "Med" do nome da empresa, menos clara é a decisão de incluir "Gulf". A explicação está num acionista que deixou de o ser em Setembro de 2023. Até aí, a Gulf Med era um consórcio entre Camilleri e a Gulf Helicopters Company (GHC).  
 
A GHC não será conhecida do público em geral, mas é uma subsidiária da Gulf International Services (GIS), uma gigante controlada pelo Estado do Catar cujo presidente do Conselho de Administração é o ex-Primeiro Ministro do país Sheikh Khalid Al-Thani. 
 
A família Al-Thani é a dinastia que governa o emirado do Catar e, apesar de não haver indicação de que o Sheikh Khalid o tenha feito, cinco outros elementos desta família adquiriram nacionalidade maltesa em 2018 através do programa de passaportes gold do país. 
 
Perguntámos ao GIS o motivo pelo qual venderam as suas ações tendo em conta que, em 2020, ano de que data o  relatório financeiro mais recente, a empresa tinha registado receitas de quase 10 milhões de euros depois de ter registado apenas 2 milhões no ano anterior. 
 
A Gulf Med ganhou em 2023 na Irlanda um contrato semelhante ao que venceu agora em Portugal. Na Irlanda, o contrato abrange o sudoeste do país com recurso a dois helicópteros e custará ao Estado irlandês um milhão de euros anuais, o que contrasta com os 15,5 milhões de euros anuais que Portugal pagará por quatro helicópteros. São 15 vezes e meia mais para duas vezes mais helicópteros. 
 
Os helicópteros da Gulf Med deviam, segundo as estipulações contratuais, ter sido disponibilizados no dia 1 de Julho, mas apenas dois estão operacionais no início de Julho. Segundo notícia da RTP, a Força Aérea viu-se obrigada a disponibilizar mais um helicóptero devido a atrasos na formação de pilotos para os meios aéreos que deveriam estar operacionais. 
 
A SÁBADO perguntou pelo motivo deste atraso. Principalmente tendo em conta que a representante legal da Gulf Med em Portugal é Raquel Rodrigues, que está à frente da empresa portuguesa Una Aviation cujos serviços incluem, precisamente, a formação de pilotos de helicóptero. No entanto, não obteve resposta. 
 
Esta empresa oferece outros serviços e, em Novembro de 2024 ganhou o concurso público para a aquisição de serviços para elaboração das peças procedimentais e assistência técnica para obtenção de "Autorização de Operação nos Heliportos do Hospital Universitário, Hospital Geral e Hospital Pediátrico" de Coimbra. Recorde-se que foi em Coimbra que, no passado fim-de-semana, um helicóptero não conseguiu aterrar sendo obrigado a fazê-lo no Aeródromo de Cernache, a 11km.  
 
Contactados pela SÁBADO, a Gulf Med e a Gulf International Services não prestaram declarações. O INEM não atendeu o telefonema feito para o Gabinete de Comunicação. 

Nuno Alfarrobinha/Medialivre
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