Sábado – Pense por si

Bruno Nogueira
Bruno Nogueira Humorista
14 de dezembro de 2023 às 08:00

Tanta coisa por dizer

Sempre que um amigo não diz o que se espera de um amigo, há qualquer coisa na amizade que se deixa acomodar. As pessoas têm medo das palavras, porque não sabem o que fazer com elas. Têm medo de magoar, sem saber que o silêncio muitas vezes é uma frase que dá cabo de muito.

A incapacidadeque as pessoas têm de comunicar umas com as outras não é coisa que seja nova, mas apanha-me sempre de surpresa. As guerras que já começaram por esta razão, desde aquelas que matam até àquelas que provocam feridos ligeiros na cabeça e no peito. Isto de conseguir explicar o que se sente e o que se espera sentir, é um assunto que às vezes é tratado como se fosse matéria radioactiva à qual só se pode estar exposto durante uns breves segundos, senão acabamos de joelhos, a definhar por dentro, sem ter onde nos agarrar. A quantidade de almas que andam por aí a penar por não conseguirem pôr em palavras o que lhes vai ali por dentro, como se lhes fossem dadas cabeças e corpos que não conhecem sem ser de ver ao espelho. Há coisas que se não forem ditas vão ficando tão grandes que às tantas já não resta nada de nós, só um emaranhado de cabos que precisam de mil mãos para se desatarem e voltarem a encontrar o caminho para onde iam. Amizades que vão ficando fracas, com febre alta, cheias de sintomas que não encontram mezinha que lhes valha. Falar com as palavras todas, dizer o que está por dentro e não se vê, é uma conquista que parece mais fácil escrita do que dita. Não se fala o que se quer, fala-se o que se pode, e o que se pode nem sempre chega para resolver o que se sente. Um casal pode passar vários anos sem saber dizer o que está a apodrecer ali no meio. Sentem o cheiro acre, a cor que muda de tom, como se fosse um fruto que amadurece e apodrece antes de ser apanhado. E depois fica ali entre eles, como se fosse um funeral em silêncio, sem se anunciar morte, nem corpo por velar, nem horários de despedida. Uma amizade pode ficar parada num tempo em que pouco bastava para que ela fosse o que sempre foi. Amigos que o são sem saberem bem o que vai dentro da cabeça um do outro. Há frases que ditas com as palavras todas podem salvar amor, amizade, e tudo o que gira ali à volta. A amizade tolera tantas vezes o que o amor não aguenta, mas até quando? Há amizades estrangeiras entre si. Sempre que um amigo não diz o que se espera de um amigo, há qualquer coisa na amizade que se deixa acomodar. As pessoas têm medo das palavras, porque não sabem o que fazer com elas. Têm medo de magoar, sem saber que o silêncio muitas vezes é uma frase que dá cabo de muito. As melhores relações, quer sejam de amizade ou de amor - não será a mesma coisa? -, têm dentro delas conversas que não são boas de ouvir. É essa a verdadeira intimidade, a de se poder dizer o que se sente, sem ter medo de represálias. Mas há que tratar com delicadeza e respeito esse lugar de fala, para que não se torne numa lança afiada que magoa só de se passar perto. É um golpe que magoa, mas que traz com ele a maravilhosa possibilidade de fazer crescer o que já parecia estar pronto. Não há desamor maior do que ouvir de quem nos é pouco o que quem nos é muito não soube dizer. Olhar à volta e perceber que já todos tinham visto, uma espécie de vergonha pelo que se é sem se saber.

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