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Duarte chegou cedo, como sempre. Gostava de respirar a atmosfera do tribunal antes do início dos trabalhos, de sentir o peso da justiça nas paredes modernas mas solenes. No átrio principal, onde uma escultura abstrata em aço simbolizava o equilíbrio da balança da justiça, cruzou-se com Joana Ribeiro.
No Campus de Justiça de Coimbra, aquele complexo moderno onde o mármore branco e o vidro espelhado contrastavam com a antiguidade da cidade universitária, o Dr. Duarte Lemos preparava-se para mais uma sessão de inquirição de testemunhas. Como perito contabilístico judicial, estava habituado a desvendar fraudes financeiras nos números aparentemente inofensivos de balanços e demonstrações de resultados. Para ele, cada coluna de Excel contava uma história que muitos tentavam esconder.
Mas hoje, o processo nº 789/2024, vulgarmente conhecido como "O Golpe das Oliveiras", trazia-o ao tribunal pela décima vez em dois meses. Um esquema complexo de desvio de fundos europeus, centrado numa cooperativa agrícola do Alentejo mas com sede em Coimbra, que tinha lesado o Estado em mais de três milhões de euros. O processo estava agora nas mãos da Juíza Dra. Luísa Carvalho, conhecida nos círculos judiciais como "A Lupa" pela sua capacidade de identificar inconsistências nos depoimentos das testemunhas.
Duarte chegou cedo, como sempre. Gostava de respirar a atmosfera do tribunal antes do início dos trabalhos, de sentir o peso da justiça nas paredes modernas mas solenes. No átrio principal, onde uma escultura abstrata em aço simbolizava o equilíbrio da balança da justiça, cruzou-se com Joana Ribeiro.
"Bom dia, Dr. Duarte," saudou ela com um aceno formal. "Pronto para mais um duelo numérico?"
Joana era a contabilista principal da cooperativa investigada, e a principal testemunha técnica da defesa. Durante as últimas sessões, tinham-se envolvido em discussões técnicas intensas, com Duarte a apontar irregularidades nas contas e Joana a apresentar explicações alternativas para cada anomalia.
"Sempre pronto, Dra. Joana," respondeu ele, com um sorriso que há dois meses não existiria. Havia algo de estranho nesta relação profissional: quanto mais tentava desmontar os argumentos dela, mais admirava a sua astúcia e conhecimento técnico.
A sala de audiências principal já estava a encher quando entraram. O advogado de defesa, Dr. Paulo Mendes, discutia em voz baixa com os seis réus – administradores da cooperativa que enfrentavam acusações de burla qualificada e fraude fiscal. O Ministério Público, representado pela Dra. Teresa Santos, organizava as suas notas com a eficiência calma de quem sabe que tem um caso sólido.
A juíza entrou pontualmente às 10h00, e a sala ergueu-se em respeito. Luísa Carvalho tinha aquele tipo de presença que comandava atenção sem esforço – cinquenta e poucos anos, cabelo grisalho sempre impecavelmente arranjado, e um olhar que parecia ver através das camadas de desculpas e justificações.
"Continuação da audiência de julgamento do Processo 789/2024," anunciou ela. "Hoje continuaremos com o contraditório entre os peritos nomeados pelo tribunal e pela defesa. Dr. Duarte Lemos e Dra. Joana Ribeiro, por favor."
Os dois peritos dirigiram-se à mesa central, lado a lado. Duarte notou o perfume subtil de Joana – algo cítrico com notas de jasmim – e perguntou-se quando começara a reparar nesses detalhes.
"Dr. Duarte," começou a juíza, "na última sessão, ficámos na análise das transferências de fundos entre a conta principal da cooperativa e as suas filiais em Espanha. Pode continuar a sua exposição?"
Durante a hora seguinte, Duarte apresentou meticulosamente o seu relatório, mostrando como os fundos europeus destinados à modernização de lagares de azeite tinham sido desviados através de faturas fictícias e empresas fantasma. A cada slide da sua apresentação, sentia o olhar de Joana sobre si – não hostil, mas intensamente atento.
"E agora," concluiu ele, "se analisarmos o padrão temporal dessas transferências, vemos que ocorriam sempre três dias após a chegada dos fundos comunitários, em montantes que representavam sempre 42% do total recebido."
A juíza tomou notas pensativamente. "Obrigada, Dr. Duarte. Dra. Joana, a sua resposta a estas alegações?"
Joana levantou-se, ajustando o blazer azul-marinho que combinava perfeitamente com os seus olhos.
"Meritíssima," começou ela, com a voz firme que Duarte já conhecia bem, "concordo inteiramente com os factos apresentados pelo Dr. Duarte. As transferências existiram, nas datas e montantes indicados."
Um murmúrio percorreu a sala. Esta não era a resposta que ninguém esperava.
"No entanto," continuou ela, "a interpretação desses factos está incompleta. Essas transferências de 42% correspondiam exatamente à proporção definida no acordo de consórcio internacional 'Olea Europa', assinado em Bruxelas e devidamente comunicado às autoridades."
Duarte franziu o sobrolho. Nunca tinha ouvido falar deste acordo.
Joana retirou da sua pasta um documento encadernado. "Tenho aqui o acordo completo, com os carimbos de recepção de todas as entidades reguladoras. O problema, Meritíssima, é que este documento nunca foi facultado ao perito do tribunal durante a investigação."
A juíza olhou para o Ministério Público, que parecia genuinamente surpreso. "Dra. Teresa, este documento faz parte do processo?"
"Não, Meritíssima," respondeu a procuradora. "É a primeira vez que o vejo."
"Porque foi entregue apenas ontem pelo administrador anterior da cooperativa, que esteve em coma após um acidente de viação durante a maior parte da investigação," explicou Joana. "O Dr. António Costa só recuperou a consciência há três semanas e, ao saber do processo, localizou este documento nos seus arquivos pessoais."
Duarte sentia-se simultaneamente frustrado e intrigado. Se o documento fosse genuíno, toda a sua teoria sobre o desvio de fundos desmoronava-se. Mas por que razão ninguém mais na cooperativa conhecia a sua existência?
A juíza ordenou um intervalo de vinte minutos para analisar o novo elemento. Enquanto os advogados discutiam animadamente com os seus clientes, Duarte encontrou Joana no corredor, junto à máquina de café.
"Um acordo de consórcio secreto que justifica todas as transferências?" questionou ele, tentando não soar demasiado cético. "Convém-me saber se estou a perder tempo com este caso."
Joana olhou para os lados e baixou a voz. "Podemos falar em privado? Sala de reuniões B, em cinco minutos."
A sala de reuniões B era um pequeno espaço normalmente usado por advogados e clientes, no final do corredor menos frequentado do tribunal. Quando Duarte entrou, Joana já o esperava, com uma expressão que nunca lhe tinha visto antes – uma mistura de determinação e vulnerabilidade.
"O acordo é falso," disse ela sem preâmbulos. "Criado pelo Dr. António e pelo advogado para tentar salvar os administradores atuais."
Duarte ficou momentaneamente sem palavras. "Estás a confessar uma tentativa de fraude processual? A mim, o perito da acusação?"
"Estou a confessar porque não aguento mais," respondeu ela, passando a mão pelos cabelos num gesto nervoso. "Há seis meses que sei de toda a operação. Fui contratada há um ano para organizar a contabilidade da cooperativa e, nas primeiras semanas, comecei a notar as discrepâncias. Quando confrontei a administração, ofereceram-me um aumento substancial para 'resolver o problema'."
"E aceitaste?" perguntou Duarte, tentando não soar acusatório.
"Aceitei fazer a contabilidade legal conforme as regras," esclareceu ela. "Mas nunca participei ativamente no esquema. Quando a investigação começou, fui instruída a defender tecnicamente as contas, usando os meus conhecimentos para criar explicações plausíveis."
"Então, por que revelar isto agora? Por que não há dois meses, quando começaram as audiências?"
Joana hesitou, um leve rubor colorindo as suas faces. "Porque nunca pensei que iria conhecer alguém como tu no meio deste processo. Alguém com a mesma paixão pelos números, a mesma obsessão pelos detalhes. A cada audiência, a cada contra-argumento teu, sentia-me dividida entre a admiração profissional e a culpa por estar no lado errado."
Duarte absorveu as palavras dela, tentando processar tudo o que estava a acontecer. A confissão inesperada, as implicações legais, e aquela estranha conexão que também ele tinha sentido desenvolver-se ao longo das audiências.
"Tenho provas," continuou ela, abrindo o seu tablet. "E-mails encriptados, registos de reuniões, até gravações de conversas. Suficiente para confirmar o teu relatório inicial e muito mais."
"Sabes o que isso significa, não sabes? Terás de depor contra os teus empregadores. Podes enfrentar acusações de cumplicidade."
Ela assentiu gravemente. "Sei. E estou preparada para isso. Já contactei a Ordem dos Contabilistas para me aconselhar sobre como proceder. Só precisava... precisava de te dizer pessoalmente antes de tudo explodir."
O resto do dia judicial foi um turbilhão de acontecimentos. Joana solicitou à juíza uma audiência privada para "correção de depoimento técnico," e durante duas horas, o Campus de Justiça de Coimbra foi palco de uma reviravolta dramática no caso. O Ministério Público, inicialmente chocado com a nova informação, rapidamente reorganizou a sua estratégia. Os advogados de defesa pediram uma suspensão da audiência que foi prontamente negada pela Dra. Luísa Carvalho.
Ao final do dia, quando o pôr-do-sol tingia de dourado os painéis de vidro do edifício do tribunal, Duarte encontrou Joana sentada sozinha nos degraus da entrada principal.
"Como estás?" perguntou ele, sentando-se ao seu lado.
"Como achas?" respondeu ela com um sorriso triste. "Acabei de destruir a minha carreira, provavelmente vou enfrentar um processo disciplinar, e com certeza nunca mais arranjarei trabalho como contabilista corporativa."
"Ou acabaste de salvar a tua integridade e fazer o que é correto," contrapôs ele suavemente. "A procuradora já mencionou que a tua colaboração será considerada para redução de qualquer eventual pena."
Ficaram em silêncio por alguns momentos, observando os funcionários judiciais e advogados que saíam apressados no final de mais um dia de trabalho.
"Sabes o que é mais irónico?" comentou ela finalmente. "Em todos estes meses a preparar-me para te enfrentar tecnicamente, estudei os teus relatórios anteriores, li os teus artigos na Revista de Contabilidade Forense. Sentia que te conhecia antes mesmo de te ver pela primeira vez no tribunal."
Duarte sorriu. "E eu que pensei que era o único a fazer pesquisa sobre o 'adversário'. Li a tua tese de mestrado sobre harmonização contabilística internacional. Brilhante, já agora."
Ela corou ligeiramente. "Obrigada. Foi o trabalho de que mais me orgulhei... até hoje, talvez."
Um segurança aproximou-se, informando que o edifício estaria a encerrar em breve. Levantaram-se, subitamente conscientes do momento decisivo que se apresentava.
"O que acontece agora?" perguntou Joana.
"Judicialmente? O caso prossegue, com novos elementos. Testemunharás novamente, mas desta vez com a verdade completa."
"Não era bem isso que eu estava a perguntar," murmurou ela.
Duarte respirou fundo. "Quanto a nós... bem, tecnicamente, continuo a ser o perito judicial neste caso. Qualquer... desenvolvimento pessoal teria de esperar até à conclusão do processo."
"Claro," concordou ela rapidamente. "Seria inapropriado e poderia comprometer todo o caso."
"Por outro lado," continuou ele, "há um café junto ao Jardim Botânico que serve um pequeno-almoço excelente. E dizem que as conversas sobre harmonização contabilística internacional sabem melhor acompanhadas de pastéis de nata."
O sorriso dela iluminou-se gradualmente. "E talvez pudéssemos discutir o fascinante mundo das normas IFRS sobre contabilização de ativos intangíveis?"
"Exatamente o tipo de conversa que tenho tentado iniciar há anos," riu-se Duarte. "Acho que ninguém nunca ficou tão entusiasmado com a amortização de goodwill como eu."
"Isso é porque nunca conheceste uma contabilista disposta a arriscar tudo pela verdade dos números," retorquiu ela, com um brilho renovado nos olhos.
O processo judicial do "Golpe das Oliveiras" arrastou-se por mais seis meses, terminando com a condenação de quatro dos seis administradores. A imprensa cobriu extensivamente o caso, destacando o papel crucial da "contabilista arrependida" e do "perito implacável" – uma narrativa que ambos achavam simultaneamente embaraçosa e divertida.
Na manhã da sentença final, a Dra. Luísa Carvalho chamou os dois ao seu gabinete privado. Sobre a sua secretária impecavelmente organizada, repousava uma cópia do relatório conjunto que Duarte e Joana tinham preparado nas últimas semanas do julgamento – um documento técnico que tinha sido fundamental para esclarecer o caso.
"Queria agradecer pessoalmente a ambos," disse a juíza, com aquele sorriso raro que poucos no tribunal tinham o privilégio de testemunhar. "A vossa integridade profissional e dedicação à verdade são exemplares."
Depois, com um brilho quase maternal no olhar, acrescentou: "E devo dizer que raramente vi dois peritos com uma sincronia tão perfeita na apresentação técnica. Quase como se... completassem os pensamentos um do outro."
Duarte e Joana trocaram um olhar cúmplice. Nos últimos meses, entre audiências e depoimentos, os pequenos-almoços junto ao Jardim Botânico tinham-se tornado um ritual. As discussões sobre normas contabilísticas tinham dado lugar a conversas sobre filmes favoritos, memórias de infância, e sonhos para o futuro.
"A senhora é muito observadora, Meritíssima," comentou Joana, com um leve rubor.
"Não se chega a juíza do Tribunal de Comarca sem aprender a ler nas entrelinhas, Dra. Joana," respondeu Luísa com um sorriso conhecedor. "Até mesmo nas entrelinhas de relatórios contabilísticos áridos."
Quando saíram do gabinete da juíza, o corredor do tribunal estava estranhamente vazio. Através das janelas altas, podiam ver o início da primavera a transformar os jardins de Coimbra.
"E agora?" perguntou Duarte, enquanto desciam as escadas principais.
"Agora," respondeu Joana, entrelaçando os seus dedos nos dele, "acho que podemos finalmente discutir aquele outro assunto pendente."
"Qual? A revisão da estrutura conceptual da contabilidade financeira internacional?"
Ela deu-lhe uma cotovelada suave. "Não, seu nerd financeiro. Estava a pensar em algo menos técnico e mais... pessoal. Como o facto de que acho que estou apaixonada por ti desde aquela audiência em que desmontaste completamente a minha análise de fluxos de caixa."
Duarte parou na base das escadas, virando-se para ela com uma expressão de surpresa fingida. "Tão cedo? Para mim foi quando citaste de memória o parágrafo 47 da IAS 16 sobre ativos fixos tangíveis."
Riram juntos, ali mesmo, sob o olhar austero da estátua da Justiça que presidia ao átrio do tribunal.
Um ano depois, quando o caso já era apenas uma referência em manuais de direito financeiro, o Campus de Justiça de Coimbra recebeu uma pequena cerimónia incomum. Sob a supervisão da Dra. Luísa Carvalho, que excecionalmente tinha concordado em oficiar fora do horário judicial, Duarte e Joana trocaram alianças e promessas.
E no pequeno livro de contas que ofereceram como lembrança aos convidados, uma inscrição singela resumia a sua história: "Por vezes, o balanço perfeito não é entre débitos e créditos, mas entre dois corações que acreditam que a verdade, embora por vezes dolorosa, é sempre o melhor investimento."
O juiz ouviu com atenção, mas a cadeira traía-o: inclinava-se sempre ligeiramente para a direita, como se forçasse todas as decisões para um dos lados.
Na prática, discutia-se uma máquina de lavar roupa. A filha, Leonor, seis anos, vivia com a mãe, via o pai de quinze em quinze dias e às quartas-feiras à tarde. O pai pedia alteração ao regime para incluir uma noite adicional por semana. A mãe aceitava a alteração, com uma condição: que a roupa voltasse lavada.
A estante continuava no apartamento que partilharam durante anos. Ela saíra há oito meses, depois de uma separação silenciosa, feita de rotinas que deixaram de se sincronizar. Ele ficara. Nenhum dos dois mencionara a estante nos dias da divisão prática. Nem na devolução das chaves. Nem na última mensagem trocada.
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